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Um dólar ao ano não é nada... menos ainda na ONU

Nações Unidas, 9/4/2013 – O Grupo dos 77 (G-77), a maior coalizão de nações em desenvolvimento dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), desafia a habitual prerrogativa de sucessivos secretários-gerais do fórum mundial para designar “enviados especiais”, cujos serviços são objeto de contratos nominais de “um dólar ao ano”.

A nomeação destes enviados está fora das pautas tradicionalmente propostas ou supervisionadas pelo Comitê Assessor das Nações Unidas sobre Questões Administrativas e Orçamentárias, a chamada Quinta Comissão (de Assuntos Administrativos e Orçamentários), e pela Assembleia Geral.

Ao longo dos anos houve dezenas de enviados especiais, entre eles o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), designado para o Haiti; o diplomata norueguês Terje Rød-Larsen, primeiro coordenador especial para o processo de paz no Oriente Médio que agora vigia o Líbano, e Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Colúmbia e atual assessor especial do secretário-geral para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Embora estejam contratados pelo salário nominal de um dólar ao ano, têm direito a numerosos benefícios pagos pela ONU, que incluem viagens e hospedagens em hotéis quando em suas funções. Ao Comitê Assessor foi dito que as designações “não representam a criação de postos e que os fundos extraorçamentários foram usados para cobrir os custos associados” às suas nomeações. Mas há pouca ou nenhuma transparência, seja sobre as pautas que regem as designações, seja para os gastos dos enviados especiais.

Em declarações feitas com a condição de não ter seu nome revelado, uma fonte do G-77 disse à IPS que todas as nomeações feitas pela ONU estão sujeitas a normas e regulações. Estas incluem pautas relativas a uma distribuição geográfica equitativa, a um equilíbrio de gênero e aos mais altos padrões de eficiência, competência e integridade. Porém, em vista disso, afirmou que nenhum destes critérios é aplicado aos enviados especiais, que estão, majoritariamente, em altos postos da escala hierárquica da ONU, situando-se como diretores (D-1 e D-2), secretários-gerais adjuntos ou subsecretários-gerais.

Na última semana de março, a Quinta Comissão, por iniciativa do G-77 e da China, finalizou o rascunho de uma resolução que “expressa preocupação diante da falta de controle no recrutamento de indivíduos D-1 e em contratos acima de um dólar por ano”. Nela é enfatizado que “os contratos de um dólar ao ano deveriam ser concedidos em circunstâncias excepcionais, e também deveriam estar limitados a designações de alto nível”.

E, o que é mais importante, requer que o secretário-geral, Ban Ki-moon, prepare, pela primeira vez, “pautas relativas ao uso destes contratos”, que deverão ser apresentados na 69º sessão da Assembleia Geral, que começará em setembro de 2014. A resolução, que se espera seja adotada pela Assembleia Geral, alerta que “não será concedido nenhum contrato de um dólar por ano” enquanto o órgão da ONU estiver analisando essas pautas.

“A Assembleia Geral, em seu rascunho de resolução sobre recursos humanos, enfatizou que os contratos de um dólar ao ano deveriam ser concedidos somente em circunstâncias especiais e limitados a designações de alto nível, que é a prática atual”, disse à IPS o porta-voz da ONU, Farhan Haq. Também requereu que o secretário-geral redija as pautas relativas ao uso destes contratos, de modo semelhante ao estabelecido para as designações dos “realmente empregados”, acrescentou.

“A emissão de pautas para contratos de um dólar por ano garantirá um manejo mais constante dessas designações”, acrescentou Haq. Por último, destacou que a Assembleia Geral pediu a Ban Ki-moon que informe ao Comitê Assessor sobre a emissão desses contratos, bem como sobre a criação de certas categorias de postos, como os que são considerados “realmente empregados”.

“Esta solicitação não tem nenhum impacto sobre a autoridade do secretário-geral para estender esses contratos ou criar esses postos”, disse Haq. E ao secretário-geral não se requer buscar a aprovação do Comitê Assessor, mas apenas mantê-lo a par das ações que tomar a este respeito, acrescentou.

A resolução também “reitera sua preocupação quanto ao aumento do uso de consultores, especialmente nas atividades centrais da Organização”. Ao secretário-geral foi indicado que o uso de consultores “deveria ser regido pelas resoluções relevantes da Assembleia Geral”, incluída a necessidade de os potenciais candidatos serem escolhidos a partir da base geográfica mais ampla possível, e também lhe foi requerido “fazer o maior uso possível da capacidade interna”.

Durante o biênio 2010-2012, foi concedido um total de 267 contratos de consultores e ex-membros do pessoal cujo último posto esteve no nível de subsecretário-geral, secretários-gerais adjuntos ou diretores, segundo informou no final de março a Quinta Comissão. Envolverde/IPS