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Uganda retrocede com a lei que estigmatiza pessoas com HIV/aids

Uganda é considerada um caso de sucesso na luta contra o HIV/aids, já que a incidência baixou de 18%, em 1992, para 6,4%, em 2005, mas os ativistas temem que a nova lei afaste as pessoas do tratamento médico. Foto: Amy Fallon/IPS
Uganda é considerada um caso de sucesso na luta contra o HIV/aids, já que a incidência baixou de 18%, em 1992, para 6,4%, em 2005, mas os ativistas temem que a nova lei afaste as pessoas do tratamento médico. Foto: Amy Fallon/IPS

Kampala, Uganda, 25/8/2014 –A luta contra o HIV e a aids retrocederá em Uganda devido a uma lei que penaliza a transmissão “premeditada e intencional” da doença e permite que os médicos revelem a situação sanitária de seus pacientes sem seu consentimento, afirmam ativistas. A lei afastará as pessoas do tratamento médico, mas, sobretudo, levará à clandestinidade os trabalhadores e as trabalhadoras sexuais e os homens gays, e fará com que as mulheres sejam mais vulneráveis à violação de gênero e familiar, acrescentam os ativistas.

Em 13 de maio, o Parlamento aprovou por unanimidade a polêmica lei e o presidente, Yoweri Museveni, a promulgou em 31 de julho, mas a notícia só foi divulgada pelas redes sociais no dia 19. A lei permite que os médicos revelem a situação de HIV (vírus causador da aids) de um paciente a terceiros sem seu consentimento e obriga as mulheres grávidas, seus parceiros e as vítimas de violação sexual a realizarem exame de sangue.

Uganda é considerada um caso de sucesso contra o HIV e a aids, já que a incidência caiu de 18%, em 1992, para 6,4%, em 2005. Museveni prometeu ao Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) e aos ativistas que não apoiaria a lei punitiva, mas não cumpriu sua palavra. “Esta é uma lei populista”, afirmou Kikonyongo Kivumbi, da Associação de Imprensa de Uganda pela Saúde e a Ciência. O presidente “sabe que o que está fazendo não é o correto para abordar os problemas gerais de saúde pública do país”, destacou à IPS.

Uganda ocupa o terceiro lugar no mundo em quantidade de novos casos de HIV, com 7% do total, disse o ativista, segundo dados de um informe do Onusida deste ano. Outros ativistas ficaram “desconsolados” e “indignados” após a aprovação da lei de Prevenção e Controle do HIV. A notícia foi conhecida enquanto as organizações da sociedade civil esperavam que Museveni as recebesse para ouvir sua opinião sobre o polêmico projeto de lei, que recebeu críticas da própria Comissão da Aids de Uganda e do Programa de Controle da Aids, do Ministério da Saúde.

“Más noticias procedentes de Uganda. Por favor, rezem por nós”, pediu Jacquelyne Alesi, diretora de programas da Rede de Jovens de Uganda que Vivem com HIV e Aids (Unypa), em um e-mail enviado à IPS. A lei estipula pena máxima de dez anos de prisão, multa de cinco milhões de xelins ugandeses (cerca de US$ 1.980) ou ambos para quem “voluntária e intencionalmente transmitir HIV/aids a outra pessoa”. A lei, redigida em 2008, também prevê multa ou pena máxima de cinco anos de prisão para as pessoas declaradas culpadas de “tentativa de transmissão” do vírus.

A Pesquisa de Indicadores de Aids de 2011 mostra que a incidência geral do HIV é maior entre as mulheres (8,3%) do que entre os homens (6,1%). “Mas, em geral, o HIV tem rosto de mulher”, observou à IPS Dorcas Amoding, do Grupo de Ação para os Direitos Humanos da Saúde e o HIV/aids. “Se o exame de sangue de uma mulher dá positivo e seu marido fica sabendo, ele poderia considerar isso um resultado muito negativo e, em consequência, atacá-la”, alertou a ativista.

A maioria das pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou trans (LGBT) que vive com HIV/aids “morrem em silêncio”, e muitas já não procuram os serviços sanitários desde que em fevereiro foi promulgada a lei contra a homossexualidade, que instituiu a pena de morte para os homossexuais, explicou Bernard Ssembatya, da Vinacef Uganda, uma organização de saúde sexual e reprodutiva.

Um tribunal constitucional declarou “nula e sem efeito” a lei anti-homossexual no dia 1º de agosto, mas a homossexualidade continua sendo um crime neste país, punida com penas que incluem a prisão perpétua. “Alguns deles resistem a procurar os serviços de saúde e alguns da área da saúde também temem atendê-los”, destacou Ssembatya. “Haverá mais mortes por HIV, mais infecções”, em consequência da lei de HIV/aids, acrescentou.

A organização Mundo Livre de Aids diz que mais de 60 países punem a transmissão do HIV ou a falta de comunicação da condição de portador aos parceiros sexuais. Nos Estados Unidos, 34 Estados mantêm leis específicas contra a transmissão do vírus.

Para Kivumbi, a penalização em Uganda é um “objetivo da direita republicana dos Estados Unidos”, à qual acusou de influir na saúde pública e na política do país. “Temos que dizer aos extremistas republicanos e aos cristãos de igrejas evangélicas dos Estados Unidos que nos deixem lidar com a pandemia de HIV”, afirmou, acrescentando que “só porque os Estados Unidos nos dão dinheiro não significa que podem nos impor seus objetivos extremistas”.

Uganda optou intencionalmente por “moralizar a pandemia e a resposta ao enfatizar a abstinência em detrimento do uso da camisinha e de outras intervenções cientificamente comprovadas”, apontou Kivumbi. “Ministros, parlamentares e outras pessoas de nível governamental chegaram a dizer que os portadores de HIV estão moralmente em bancarrota”, afirmou. A “politicagem” teve a ver com a promulgação da lei por parte de Museveni, acrescentou.

Em 15 de outubro, Uganda apresentará um pedido de financiamento ao Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária, e pretendia um empréstimo de US$ 90 milhões do Banco Mundial, que foi suspenso, explicou Kivumbi.

Uma das cláusulas da lei do HIV/aids cria um fundo fiduciário gerido pelo Ministério da Saúde, com dinheiro procedente de governos estrangeiros e organismos internacionais, entre outros. Paradoxalmente, o Banco Mundial suspendeu o empréstimo em fevereiro, poucos dias depois de Museveni promulgar a lei contra a homossexualidade.

“O presidente acreditou que, ao assinar esta última lei, que cria o Fundo Fiduciário da Aids, o Banco Mundial lhe daria dinheiro e o Fundo Mundial contribuiria”, disse Kivumbi. “Que o Fundo Mundial e o Banco Mundial não se deixem enganar. Esta lei pisoteia as liberdades civis básicas e é inaceitável na sociedade livre e democrática que Uganda quer ser”, enfatizou. Envolverde/IPS