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Tempestades e inundações preparam uma sopa tóxica no Caribe

Menino caminha com sua bicicleta por uma rua inundada de Georgetown. Cerca de 80% do esgoto que entra no Mar do Caribe tem escasso ou nenhum tratamento. Foto: Desmond Brown/IPS
Menino caminha com sua bicicleta por uma rua inundada de Georgetown. Cerca de 80% do esgoto que entra no Mar do Caribe tem escasso ou nenhum tratamento. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Georgetown, Guiana, 5/12/2013 – O manejo do esgoto está ganhando importância no Caribe, e começa-se a notar os efeitos que tem no delicado ambiente dessa região. A mudança climática alterou os padrões meteorológicos, com mais chuvas e inundações repentinas, o que, por sua vez, multiplica o esgoto que entra no mar, explicou à IPS o coordenador do Fundo Rotativo da Guiana para a Gestão do Esgoto, Marlon Daniels.

“Um dos efeitos de melhorar o acesso à água, como exige o sétimo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, é que mais população use vaso sanitário com cisterna em vez de latrinas de poço, assim os resíduos já recebem um tratamento no lugar com um tanque séptico”, disse Daniels.

Em áreas sem saneamento, “quando há uma tempestade enorme ou chuvas fortes o resultado é uma sopa tóxica. Há líquidos dos tanques sépticos, que não estão tão sujos como os que não recebem tratamento, mas, de todo modo, são ricos em nutrientes e agentes patogênicos. Todo esse esgoto é liberado no meio ambiente quando há inundações, e há populações que ficam expostas a ele”, acrescentou Daniels.

Embora o Caribe se beneficie da indústria turística – no ano passado os visitantes gastaram US$ 26 bilhões – as economias que dependem dessa atividade são as que mais sofrem o contato com esgoto, que destrói arrecifes e contamina praias, explicou Donna-May Sakura-Lemessy, subdiretora do Instituto de Assuntos Marinhos, com sede em Trinida e Tobago. “O mau manejo desses resíduos líquidos degrada as fontes de água potável e dos recursos ambientais. Assim, as águas destinadas a nadar são contaminadas, o que pode causar doenças gastrointestinais e infecção no ouvido”, detalhou à IPS.

“Quando as pessoas viajam, pagam para ir desfrutar de algum lugar. Não querem ir a um país e saber que não está permitido banhar-se ou nadar, nem correr o risco de ficar doente se entrar nessas águas”, pontuou a subdiretora. “Se os recursos degradam, as possibilidades de um setor turístico saudável diminuem, e se perde qualquer ganho que o turismo poderia deixar. Em alguns países caribenhos, o turismo emprega oito em cada dez pessoas”, ressaltou.

Segundo Daniels, as indústrias pesqueiras também são afetadas quando a contaminação arrasa áreas de reprodução de peixes e de fornecimento de alimentos, e que a interação de esgoto com ecossistemas sob pressão torna mais difícil a adaptação à mudança climática.

Em 26 de novembro as chuvas deixaram muitas áreas inundadas na capital da Guiana, por isso o chefe-médico do Ministério da Saúde desse país, Shamdeo Persaud, aconselhou os moradores a darem especial atenção à segurança da água e da higiene pessoal. “Permaneçam o maior tempo possível fora da água, pois isso pode reduzir em grande parte suas possibilidades de contrair infecções dermatológicas, leptospirose, diarreia e outras doenças vinculadas à má qualidade da água”, afirmou.

Entrada da única estação de tratamento de esgoto na capital da Guiana. Foto: Desmond Brown/IPS
Entrada da única estação de tratamento de esgoto na capital da Guiana. Foto: Desmond Brown/IPS

O médico também pediu à população que mantenha os alimentos protegidos das inundações, que jogue fora toda comida que molhar e lavar todas as frutas e verduras com água tratada.

“Muitas áreas urbanas do Caribe se localizam em áreas costeiras baixas, e cerca de 40% da população vive em um raio de dois quilômetros da costa”, afirmou Adrian Cashman, conferencista na Universidade de Índias Ocidentais. “Como a maioria das áreas urbanas não tem uma rede de saneamento e, portanto, depende de outros meios de eliminação, o impacto do aumento do nível do mar pode ser particularmente severo”, opinou.

Para Cashman, “os efeitos potenciais são mais quantidade de água subterrânea, o que limitará a capacidade de drenar os efluentes, além de restringir a atividade biológica para biodegradar e assimilar o material orgânico. Isto, por sua vez, levará à maior contaminação das praias e do mar, contribuirá para a eutrofização (enriquecimento com nutrientes) das águas de banho e para que haja zonas marinhas mortas”.

Em 2011, o Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) começou a financiar um projeto quadrienal (o Fundo Regional do Caribe para a Gestão do Esgoto), que busca dar financiamento sustentável a esse setor, apoiar a reforma política e legislativa e incentivar o diálogo regional e o intercâmbio de conhecimento entre os atores do Caribe. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) são as agências que implementam o projeto.

O Grupo de Coordenação do Projeto, com sede na Jamaica, administra o Fundo Regional apoiado pelos Organismos-Piloto de Execução nesse país, e em Belize, Guiana e Trinidad e Tobago. Denise Forrest, coordenadora do projeto do Fundo Regional pelo GEF, disse que cerca de 80% do esgoto doméstico que entra no Mar do Caribe é tratado apenas parcialmente ou não é tratado.

“Temos que reconhecer que o manejo e o tratamento do esgoto não são algo que possamos ignorar. Trata-se de um importante requisito para o desenvolvimento, particularmente em uma região que depende tanto dos recursos naturais”, acrescentou Forrest à IPS. “Se não conseguirmos gerir com eficácia o esgoto, talvez estejamos condenando nossa região a um futuro que não será próspero no campo econômico, nem na saúde de sua população, nem em qualidade de vida, e nem em adaptação à mudança climática”, enfatizou. Envolverde/IPS