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Temores de nova guerra civil

Cairo, Egito, 14/6/2011 – A escalada de violência onde será a fronteira entre Sudão do Norte e Sudão do Sul avivou os temores de novos enfrentamentos armados, mas observadores afirmam que o problema se deve mais a interesses pela água e pelas terras do que pelas reservas de petróleo. “A população afirma que a terra é mais importante para os principais grupos tribais do que o petróleo”, disse à IPS o professor de Ciências Políticas da Universidade Americana do Cairo, Ibrahim el Nur.

“Abyei é como a Cachemira em termos de composição populacional. As pessoas têm vínculos históricos tanto com o Sul quanto com o Norte, competem por fontes de água, como Kiir ou Bahr el Arab, reclamam terras de pastagem e as fronteiras são ambíguas”, explicou Nur. A região, localizada em um grande vale conhecido como Bacia de Muglad, tem 10.460 quilômetros quadrados disputados entre o Norte e o Sul.

O Acordo Geral de Paz (CPA) pôs fim, em 2005, à guerra civil mais longa da África. Também concedeu a Abyei um status especial e pediu uma Unidade Conjunta Integrada, composta por soldados do Norte e do Sul. Nove meses antes do CPA, foi assinado o Protocolo de Abyei, que habilitava os moradores a votarem em um referendo no dia 9 de janeiro, mas a consulta foi adiada indefinidamente após uma disputa entre as tribos misseriya e ng’ik sobre os que poderiam ser eleitos para decidir o futuro da região.

O maior oleoduto do Nilo foi um ponto de confronto entre os dois lados até que o Tribunal Permanente de Arbitragem, com sede em Haia (Holanda), concedeu, em 2009, ao Norte o direito de mantê-lo. O oleoduto atravessa Abyei, levando mais de um quarto do petróleo exportado por esse país, indo da central cidade de Heglig até Porto Sudão, ao Norte, no Mar Vermelho. “Quando foi descoberto petróleo na Bacia de Muglad, Cartum também se opôs à realização de um referendo em Abyei e mandou para a prisão todos que fizessem campanha”, disse à IPS o especialista Douglas Johnson.

“Os miserriya temiam que, se os ng’ok votassem pela união ao Sul, as restrições da polícia dessa região, já existentes em Bahr el Ghazal e na parte alta do Nilo, também fossem aplicadas às áreas de pastagem”, disse Johnson, autor de The Root Causes of Sudan’s Civil Wars (As Raízes das Guerras Civis do Sudão). “A expansão da agricultura mecanizada na província de Kordofan do Sul” eliminou áreas de pastagem. O restante sofre pressão do crescimento do gado dos misseriya e ng’ok”, acrescentou.

O Rio Nilo, o mais longo do mundo, com 6.700 quilômetros, atravessa dez países no Nordeste da África e é uma fonte vital de água para Egito e Sudão. A distribuição da Iniciativa da Bacia do Nilo, um acordo de cooperação para desenvolver o rio entre os dez países, está baseado em contratos coloniais assinados na década de 1930. O pacto, assinado em 1959, entre Sudão e Egito para que o primeiro utilizasse 23 bilhões de metros cúbicos de água ao ano e o segundo 55,5 bilhões corre perigo com a secessão do Sudão do Sul.

“Para o Egito, o Nilo é uma questão de vida ou morte. Toda medida tomada por um país que possa afetar seu curso alto pode ser motivo de guerra para esta nação. Por isso, a derrubada do regime de Hosni Mubarak preferiu a agitação no Sudão a um governo forte capaz de usar o recurso compartilhado”, acrescentou Nur.

“Outra fonte de tensão na região é o fenômeno da apropriação da terra”, disse Hammou Laamrani, especialista em gestão de água do Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento, com sede no Cairo. “Empresários árabes e chineses investem dinheiro na agricultura do Sudão, o que dificulta as negociações porque não é o Estado que desenvolve o setor, são outros que produzem com recursos locais e mandam a colheita para seus países”, afirmou Laamrani à IPS. “Na fase de transição do Sudão, tudo parece ser motivo de conflito, não apenas a água, mas também petróleo, terra, movimento de população e gado”, acrescentou.

No Sudão, maior país da África, o clima varia de árido no Norte e Noroeste a um tipo tropical no Sudoeste. No ocidente semiárido a água potável é escassa. A chuva, um recurso fundamental nesse país, diminui de Sul para Norte variando de uma média de 120 centímetros ao ano, no Sul, a menos de 10 centímetros no Norte. Pelo padrão de chuvas do Sudão, os misseriya, nômades do Norte, dependem dos cursos de água e das pradarias dos sedentários ng’ok, que têm vínculos históricos com o Sul, para manter seu gado durante a estação seca.

“Os misseriya e os ng’ok desenvolveram diferentes espécies, os primeiros precisavam de animais que pudessem sobreviver no solo quente e arenoso ao Norte do cinturão de dunas que os separam dos ng’ok, e os destes últimos necessitavam estar adaptados a condições úmidas e pantanosas”, segundo Johnson. “O fim da primeira guerra civil e a criação da região do Sul coincidiu com uma grave redução das chuvas no centro do país, e os cursos de água do Sul e as pradarias ficaram mais importantes para os misseryia do que antes de 1969”, acrescentou.

“Observando a situação na província sudanesa de Darfur se vê que essas condições não estão excluídas, o conflito também se converteu em uma questão de água e terra”, acrescentou Laamrani. A crise sudanesa levou a União Africana a realizar uma cúpula de dois dias, a partir do dia 12, em Adis Abeba, para discutir questões fundamentais com vistas à independência do Sudão do Sul, que incluíram a retirada de soldados, envio de uma patrulha de segurança encabeçada pela UA e um acordo sobre o status regional de Abyei. Envolverde/IPS