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A “sorte” das refugiadas sírias no Iraque

Uma mãe se aproxima de um posto de saúde no acampamento de refugiados de Domiz, no Curdistão iraquiano, em meados deste mês. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Uma mãe se aproxima de um posto de saúde no acampamento de refugiados de Domiz, no Curdistão iraquiano, em meados deste mês. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Dohuk, Iraque, 22/9/2014 – As mães e as grávidas sírias no maior acampamento de refugiados do Curdistão iraquiano são consideradas relativamente afortunadas. O número oficial de refugiados sírios superou os três milhões no final de agosto. As maiores concentrações se encontram no Líbano, com 1,1 milhão, Turquia, com mais de 800 mil, e Jordânia, com mais de 600 mil. Em todos os casos há uma forte preocupação pela escassez de serviços de saúde para as grávidas.

No Líbano, por exemplo, que abriga o maior número de refugiados sírios, 76% dos quais são mulheres e crianças, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados (UNRWA) teve que reduzir, no ano passado, sua cobertura do gasto com partos de 100% para 75%, devido à escassez de fundos.

Enquanto isso, o acampamento de Domiz, na província iraquiana de Dohuk, abriga mais de cem mil pessoas, na maioria curdos sírios, mas está em uma zona geográfica, o Iraque, com uma cobertura de 189% de suas solicitações de financiamento de ajuda humanitária em 2014. Já o Plano de Resposta Humanitária para a Síria tem apenas 33% de cobertura em sua vasta zona geográfica, que inclui Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Egito.

Embora algumas pessoas no acampamento de Domiz vivam em barracas de campanha nos extremos do recinto, com pouco acesso aos serviços básicos de saneamento, outras residem em pequenas instalações semelhantes a contêineres junto a lojas de roupa e alimentos, e gozam do direito de assistência sanitária pública.

No entanto, isso não implica que recebam assistência médica de qualidade. Halat Yousef, uma jovem mãe que falou à IPS em Domiz, disse que, após um parto anterior que teve na Síria, foi informada de que no futuro seus filhos teriam de nascer por cesariana. Mas quando chegou ao hospital público de Dohuk não lhe deram leito, disseram para ela que voltasse em uma semana e que teria de dar à luz normalmente. Também foi informada que tinha hepatite.

Felizmente, seu marido se deu conta da gravidade da situação e a levou para a capital, onde imediatamente foi feita uma cesariana e concluíram que não tinha hepatite. A IPS se encontrou com ela quando saía do centro de saúde do acampamento com seu bebê de dez dias nos braços.

Há pouco tempo, muitas mães simplesmente davam à luz nas barracas de campanha. Mas, em 4 de agosto, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) abriu uma maternidade no acampamento, que oferece exame pré-natal, serviço de parto com parteiras capacitadas pela organização e vacinas pós-natal proporcionadas pelo pessoal, integrado por refugiados.

As grávidas também recebem informação sobre amamentação e conselhos sobre planejamento família, explicou o chefe da equipe médica do MSF no campo, o mexicano Adrián Guadarrama. A organização calcula que a cada ano nascem 2.100 bebês no acampamento, além dos nascidos de refugiadas fora dessa área.

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) fornece há muito tempo kits de parto seguro aos profissionais médicos. Também trabalha para prevenir a gravidez não desejada e oferece anticoncepcionais para quem os solicita, garantindo, assim, que a gravidez seja planejada, desejada e segura. Os kits contêm uma barra de sabão, uma folha de plástico transparente para a mulher se deitar, uma lâmina de barbear para cortar o cordão umbilical, um laço esterilizado para amarrar o cordão umbilical, uma manta para abrigar a mãe e o bebê, e luvas de látex.

O coordenador humanitário do UNFPA, Wael Hatahet, contou à IPS que até o momento os programas destinados aos refugiados sírios no Curdistão iraquiano receberam fundos suficientes para cobrir os serviços necessários, e por isso “a situação já não é de emergência” para eles. Uma boa parte do crédito correspondente ao governo regional do Curdistão, que apesar do drástico corte de fundos públicos pelo governo central como parte de um estica-afrouxa entre ambos, continua dando seu apoio aos refugiados sírios que chegam principalmente de zonas curdas fora do Iraque, acrescentou.

Muitos residentes expressaram à IPS sua insatisfação pelo que consideram “tratamento privilegiado” que recebem os refugiados sírios, enquanto veem como muito maior o sofrimento de uma grande quantidade refugiados que chegaram à região nos últimos meses, depois que o grupo extremista Estado Islâmico (EI) conquistou vastas extensões do território iraquiano em junho.

Inclusive Hatahet, ele mesmo de origem síria, garantiu ter visto “refugiados internos iraquianos usando a mesma roupa por 15 dias”, e que, “naturalmente, tratamos de apoiá-los com roupas” e outros elementos, “mas é muito, muito triste” sua situação. E acrescentou que, no entanto, “quase todas as operações designadas aos refugiados internos têm apoio do Fundo Saudita para o Desenvolvimento”, no total de 500 milhões, “que é estritamente para os refugiados internos e não para os refugiados de outras partes”.

Hatahet expressou a preocupação de que, se a atenção se deslocar para os refugiados internos iraquianos, isso poderá se traduzir em retrocesso dos êxitos alcançados nessa área geográfica com relação à crise de refugiados da Síria. A comunidade internacional deve recordar que “temos cem mil refugiados dispersos dentro da comunidade de acolhida” e não apenas nos acampamentos.

O escritório turco do UNFPA informou à IPS que “se calcula em aproximadamente 1,3 milhão o número de refugiados sírios que entraram na Turquia, dos quais apenas um quinto ficam nos acampamentos devido ao espaço limitado. Deles, 75% são mulheres e menores de 18 anos.

“As mulheres e as meninas em idade reprodutiva, em situação de guerra e deslocamento são especialmente vulneráveis à violência de gênero, incluída violência sexual, casamento precoce e forçado, gravidez de alto risco, abortos inseguros, partos de risco, escassez de serviços de planejamento familiar e de produtos básicos, e doenças sexualmente transmissíveis. Envolverde/IPS