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A solidariedade ganha terreno na ex-Iugoslávia

Uma “cesta da solidariedade” em um comércio sérvio. Foto: Vesna Peric Zimonjic/IPS
Uma “cesta da solidariedade” em um comércio sérvio. Foto: Vesna Peric Zimonjic/IPS

 

Belgrado, Sérvia, 13/12/2013 – Na primeira hora da manhã, enquanto centenas de pessoas compram seu desjejum em uma movimentada padaria da rua Beogradska, na capital Sérvia, uma cesta muito especial logo fica cheia de croissants e pãezinhos. É a “cesta da solidariedade”. Cerca de 60 padarias de toda Sérvia introduziram esse conceito. Cada vez que um cliente pede algo para si, pode comprar um pão adicional, ou outro produto elaborado na loja, e colocar na cesta para os necessitados.

“Aproximadamente um em cada dez clientes compra um produto extra e o deixa na cesta da solidariedade”, contou o padeiro Veljko Antic à IPS. “Os que dependem disso para comer vêm muito depois. Em geral, entram dissimuladamente e saem apressadamente. Se sentem envergonhados e tristes. É por isso que colocamos a cesta perto da porta da nossa padaria, para não envergonhá-los ainda mais”, acrescentou. Essa é a primeira iniciativa desse tipo para ajudar os afetados pela pobreza, que açoita duramente a Sérvia.

Campanhas semelhantes acontecem em países vizinhos também, principalmente em nações que também integraram a antiga Iugoslávia. As estatísticas mais recentes mostram que 700 mil pessoas na Sérvia, que tem 7,2 milhões de habitantes, vivem abaixo da linha da pobreza. Segundo a definição do Banco Mundial, isso significa que sobrevivem com menos de US$ 1,25 por dia. Dos 1,02 milhão de crianças entre zero e 14 anos no país, 12% são pobres e 6,6% sofrem desnutrição, de acordo com dados oficiais.

A “comida da solidariedade” foi ideia de um grupo de jovens entusiastas da internet, a partir do portal de compras www.kioskpages.com. A inspiração para a iniciativa, que se resume no lema “expresse solidariedade, compre alimentos para quem necessita”, chegou da Itália, onde é comum clientes deixarem moedas para pagar um café a quem não tem dinheiro para comprar um. “Gostamos da ideia, mas decidimos nos centrar nos alimentos”, disse à IPS Nina Milos, de 24 anos, que trabalha no Kioskpages. “Na Sérvia as pessoas precisam mais de alimentos do que de café”, ressaltou.

A Sérvia conta com um total de 68 restaurantes para indigentes, administrados pela Cruz Vermelha, mas alguns estão fechando por falta de fundos. Funcionários dessa organização dizem que há tempos seus esforços não são suficientes para alimentar os necessitados.

“Nos preocupamos com a logística necessária para chegar a diferentes tipos de pessoas: o que introduzirão na comida da solidariedade, quem apoiaria e quem a usaria, já que os últimos, sem dúvida, não têm acesso à internet”, ponderou Milos. “Foi por isso que optamos por colocar cartazes em padarias e avisos em periódicos gratuitos, e também nos aliamos a organizações não governamentais que trabalham com pessoas pobres ou sem teto”, explicou.

Segundo a jovem, a campanha deu seus melhores resultados em Belgrado e na cidade de Novi Sad, no norte. E isso não é tudo, disse Milos. Muitos verdureiros começam a oferecer gratuitamente as frutas e verduras que não vendem durante o dia. “Aderiram a vários estabelecimentos comerciais de alimentos para entregá-las”, acrescentou. Uma campanha semelhante acontece na vizinha Macedônia, onde se somaram à iniciativa dez padarias em Skopje, a capital, e na cidade de Kumanovo, segundo Milos.

A psicóloga Miljana Radojevic afirmou à IPS que “solidariedade era uma palavra esquecida na Sérvia”. Segundo ela, “a população empobreceu e praticamente não pensa nos demais. Porém, há alguns que estão bem economicamente ou mesmo os que não estão tão bem mas podem gastar dinheiro extra com aqueles que necessitam”. A transição para uma economia de mercado, depois das guerras civis da Iugoslávia, na década de 1990, e a crise econômica de 2008 estão maltratando a Sérvia. O desemprego chega a 24,1% e afeta mais de um terço da força de trabalho.

A situação é um pouco melhor em outras nações da ex-Iugoslávia, mas a pobreza bate à porta de muitos na região. A Eslovênia, cujo desemprego é de 12,8%, ainda suporta bem a crise, mas também ali um serviço de comidas (www.minestra.si), introduziu uma iniciativa semelhante chamada “uma comida para depois”. Peter Bostjancic, de Minestra, disse à IPS que “esses alimentos são entregues à Caritas (organização católica) para sua maior distribuição, e são consumidos pelos pobres e também por desempregados cuja renda não dá para sobreviver”.

Na Croácia, onde o desemprego é de 19%, o fenômeno dos “pobres urbanos” aumenta. “Trata-se majoritariamente de pessoas com estudos que ficaram sem emprego após o fechamento das empresas onde trabalhavam”, detalhou à IPS uma fonte do escritório croata da Caritas, que pediu para não ter o nome divulgado. “Até há pouco, essas pessoas estavam acima da linha da pobreza, mas a perda de empregos, a carestia e o peso das hipotecas as deixaram em dificuldades”, explicou.

Desse modo, a ideia que há por trás da cesta da solidariedade se impõe. As padarias de Belgrado trabalham até tarde da noite. Algumas pessoas que dependem da cesta da solidariedade se aproximam da rua Beogradska apenas quando não há muitos transeuntes.

Uma delas é Zorana Savovic, mãe solteira de 43 anos com dois filhos, que trabalha por um magro salário em uma banca de jornal perto de uma padaria. “Sinto vergonha por ter que fazer isto”, disse à IPS. “Mas, assim tenho a janta para mim e meus filhos. Não como nada durante o dia e mantenho a vista na cesta do outro lado da rua. Entro bem na hora em que a padaria fecha e me apresso para chegar em casa com a comida”, contou. Envolverde/IPS