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Sociedade civil teme regresso do Talibã no Afeganistão

 Jovem afegão posa diante de grafite feito pelo artista Reza Amiri. Foto: Giuliano Battiston/IPS

Jovem afegão posa diante de grafite feito pelo artista Reza Amiri. Foto: Giuliano Battiston/IPS

 

Jalalabad, Afeganistão, 8/7/2013 – Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e seu colega do Afeganistão, Hamid Karzai, se esforçam para conseguir um processo de paz com vistas à retirada das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deste país, a sociedade civil teme que o Talibã aproveite a oportunidade para tomar o poder. A Otan entregou o controle das forças de segurança do Afeganistão, com 350 mil efetivos, no dia 18 de junho, marcando o fim de 12 anos de presença militar internacional em território afegão, iniciada com a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2001.

Entretanto, as dúvidas permanecem, já que não cessam os ataques rebeldes. Antes mesmo do fim da cerimônia de transferência de comando, explodiu um carro-bomba perto da Comissão Independente de Direitos Humanos, no oeste da capital Cabul. O atentado deixou três mortos e 20 feridos. O movimento islâmico Talibã se apressou a assumir a autoria do ataque, o que motivou profundo mal-estar entre ativistas e população civil em geral, que acompanham de perto as conversações de paz e a possível inclusão de representantes talibãs no governo depois de 2014.

O novo escritório do movimento no Catar, ao que parece, sugere que o Talibã já tem planos para o país e se coloca em um lugar central como futuro negociador e representante nacional. mas os 35 milhões de pessoas que viveram durante anos sob seu jugo não estão convencidas. Aqui, em Jalalabad, capital da província de Nangarhar, onde se cruzam os rios Cabul e Cunar, não longe da fronteira com o Paquistão, ninguém se preocupa em baixar a voz para expressar sua desconfiança sobre as atuais negociações ou para criticar a falta de transparência a respeito dos futuros planos de paz, e nada disso é de conhecimento público.

Esta cidade endureceu após anos de guerra e ainda sofre o impacto do ataque de 29 de maio contra os escritórios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que deixou um guarda morto e três integrantes feridos. Também foi uma dura recordação de que a paz não está de volta. O artista Hambullah Arbab, coordenador regional da Associação Jovens em Ação, disse à IPS que o processo de paz fracassa por suposições e métodos equivocados. Os conflitos no Afeganistão se resolvem tradicionalmente por intermédio do jirga ou shura (conselhos locais), explicou. A ideia é que são necessárias terceiras partes para arbitrar qualquer disputa entre dois grupos que se enfrentam.

No atual processo de paz, porém, esse papel foi dado ao Alto Conselho de Paz, que o Talibã considera “ilegítimo”, pois foi criado por Karzai em 2010 e é liderado pelo ex-presidente Burhanuddin Rabbani que dirige o Jamiat-e-Islami, partido com longa história de choques com o movimento islâmico. Algumas pessoas se preocupam com a possibilidade de a organização armada, acostumada à violência, à coerção e às práticas terroristas, não seja capaz de se entregar a um processo democrático ou à vontade dos 35 milhões de habitantes.

“Quem deseja honestamente a paz pode integrar o governo”, argumentou Ezatullah Zawab, fundador e editor chefe da revista cultural quinzenal Meena, em entrevista à IPS. A sociedade civil está aberta a receber o Talibã com a condição de que seus membros respeitem sua palavra de recorrer a métodos pacíficos para conseguir seus objetivos, ressaltou. Desde o final de abril, Karzai convidou várias vezes os dirigentes do Talibã para participarem das próximas eleições presidenciais, em abril de 2014. Será um teste para a opinião pública e permitirá que o povo afegão, não as forças estrangeiras, nem as organizações armadas, definam o futuro do país.

Mohammad Anwar Sultani, ex-professor na Universidade de Nangarhar e respeitado ancião de Jalalabad, acredita que, se o Talibã apresentar candidatos, poucos afegãos votarão neles. “O Talibã já teve uma oportunidade de governar o país e fracassou”, afirmou, se referindo ao período entre 1996 e 2001, quando sob a bandeira do Emirado Islâmico do Afeganistão, o movimento exerceu um controle total a partir de sua sede na cidade de Kandahar e em Cabul.

Após chegar ao poder por enfrentamentos entre grupos de mujaidines rivais e ondas de violações brutais em todo o país, o Talibã, de maioria pashtun, considerou a si mesmo salvador do povo afegão e garantidor da segurança. “Estávamos convencidos de que era a pomba da paz”, explicou Sultani à IPS. No entanto, não foi, até que ele e muitos outros testemunharam seu brutal regime coercitivo e se deram conta de que foram enganados e passaram a duvidar deles. Há um grande receio, bem como uma grande confusão, sobre o que é exatamente o Talibã, o que o constitui.

O chefe em Jalalabad do Centro de Desenvolvimento da Sociedade Civil, Asadullah Larawi, está convencido de que o país deve rechaçar “elementos estrangeiros”, se referindo às acusações de que o Talibã afegão tem apoio e recebe ordens do serviço de inteligência do Paquistão. Porém, está totalmente a favor da ideia do diálogo com o Talibã do Afeganistão, se estiverem dispostos a aceitar conquistas da última década como “liberdade de expressão e imprensa, direitos humanos e femininos”, pontuou. “O fato é que querem todo o poder para eles, e isso não podemos aceitar”, acrescentou à IPS.

A Constituição do país também oferece um ponto médio entre o contínuo militarismo e o poder político totalmente nas mãos do Talibã. O debate está em várias cidades do Afeganistão, embora os Estados Unidos não devam ainda se considerar fora da linha de fogo. “Se os norte-americanos quisessem realmente a paz, encontrariam facilmente a forma de alcançá-la”, disse Baz Mohammad Abid, jornalista da rádio Mashaal, emissora local da Rádio Europa Livre. “O fato é que têm diferentes objetivos em mente: querem manter uma prolongada presença na Ásia central para frear o crescimento econômico e político da China”, explicou.

É trágico que a guerra do Afeganistão “não seja nossa guerra, mas a de estrangeiros”, afirmou Abid, mas as consequências de um processo de paz ineficaz pesarão sobre os afegãos. A quantidade de civis mortos e feridos aumentou 24% na primeira metade de 2013, em relação a igual período do ano passado, segundo Ján Kubiš, representante especial do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Afeganistão. Envolverde/IPS