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Sociedade civil em pé de guerra contra leilões para rádio e TV

Representantes da Rede pelo Direito à Comunicação se concentraram no Monumento à Constituição, na capital de El Salvador, para exigir o fim definitivo da destinação por leilões das frequências de televisão e rádio. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Representantes da Rede pelo Direito à Comunicação se concentraram no Monumento à Constituição, na capital de El Salvador, para exigir o fim definitivo da destinação por leilões das frequências de televisão e rádio. Foto: Edgardo Ayala/IPS

 

São Salvador, El Salvador, 2/7/2014 – A pressão das organizações sociais freou temporariamente a concessão de frequências de televisão em El Salvador, país onde a luta por um espectro radioelétrico tem conotações não apenas econômicas, mas também políticas e ideológicas. “Paramos o processo de leilão, mas é uma vitória parcial, porque não é uma resolução definitiva”, explicou à IPS o diretor da Rádio Victoria, Oscar Beltrán.

Essa emissora comunitária transmite desde o povoado de Victoria, no departamento de Cabañas. Beltrán se referia à decisão da Suprema Corte de Justiça, que em 16 de maio suspendeu temporariamente o processo de leilão iniciado pela Superintendência Geral de Eletricidade e Telecomunicações (Siget), o órgão estatal que regula o setor. Em 5 de maio a Siget abriu o processo para que empresas ou pessoas participassem do leilão de seis canais de televisão de sinal aberto (7, 13, 14, 16, 18, 20). Se desconhece quando o máximo tribunal dará sua decisão final.

A sentença dos magistrados da Sala Constitucional na Corte Suprema acolheu parcialmente uma demanda de inconstitucionalidade interposta por várias organizações que, em agosto de 2012, impugnaram seis artigos da Lei de Telecomunicações. Esses artigos estabelecem o leilão como único mecanismo para se conseguir uma frequência de rádio ou televisão.

A demanda dessa parte da lei, aprovada em 1997, foi interposta por várias organizações de rádios comunitárias, advogados e jornalistas, que depois confluíram na Rede pelo Direito à Comunicação (Redco). Esta organização pressiona para que a Suprema Corte resolva definitivamente sobre a inconstitucionalidade dos seis artigos.

Os demandantes afirmam que o leilão não permite a setores como as rádios comunitárias competir em igualdade de condições por uma frequência. Nesse tipo de mecanismo, as outorgas são ganhas habitualmente por grupos econômicos poderosos. Além disso, ao impossibilitar que outros setores participem do espectro radioelétrico fora do leilão, se violenta os princípios constitucionais de igualdade perante a lei e o de liberdade de expressão, entre outros, asseguram representantes da rede.

“Os canais e as frequências que a Siget pretende entregar à melhor proposta deveriam ser usados para promover mais meios de comunicação públicos e comunitários”, opinou à IPS o ativista Leonel Herrera, diretor da Associação de Rádios e Programas Participativos de El Salvador (Arpas), uma das organizações fundadoras da Redco.

Desde 2013 a rede impulsiona dois projetos de lei, um sobre meios comunitários e outro sobre meios públicos, que buscam democratizar as comunicações no país, meta que requer modificar os mecanismos para conceder frequências de rádio e televisão.

Dados da Siget indicam que nesse pequeno país centro-americano de apenas 20 mil quilômetros quadrados e 6,2 milhões de habitantes, há 51 canais de televisão, de sinal aberto ou fechado, entre os quais se destacam quatro em mãos da privada Telecorporación Salvadoreña (TCS). Também operam 210 rádios comerciais, às quais se somam 18 comunitárias. Estas funcionam em uma única frequência, a 92.1 FM, que é compartilhada.

A Siget convocou o leilão dos seis canais de televisão por pedido da empresa Autoconsa, do setor eletrônico. Posteriormente, se somaram as empresas Tecnovisión e Movi, e José Saúl Goadámez Ábrego, Luis Alonso Avela e Henri Milton Morales. É comum em El Salvador que as frequências, sobretudo de rádio, sejam adquiridas por “testas de ferro”, pessoas que gerenciam a concessão que interessa aos meios de comunicação hegemônicos para utilizá-la ou para impedir que aumente sua competição. Assim, os grandes grupos de comunicação evitam perder a concentração excessiva.

O processo do leilão despertou suspeitas desde o começo, porque ocorreu imediatamente depois da saída da chefia da Siget de Luis Méndez, no dia 31 de março, sem que se saiba se foi demitido ou renunciou. O então presidente Mauricio Funes, cujo mandato terminou no dia 30 de junho, colocou no cargo para os últimos dois meses de seu mandato o advogado Ástor Escalante.

O novo superintendente abriu imediatamente o processo de leilão, alegando que a lei o obriga a realizar o leilão havendo uma solicitação. A IPS tentou, sem sucesso, obter uma entrevista com executivos da Autoconsa. Escalante não esclareceu a razão de desconhecer uma resolução emitida por seu antecessor, de setembro de 2012, que deixava em suspenso a concessão de frequências até que aconteça no país a digitalização do espectro radioelétrico.

A pedido das organizações sociais, o procurador-geral, Luis Martínez, abriu uma investigação sobre a atuação do ex-superintendente. “Não sei o que o procurador vai investigar, pois não foi cometida nenhuma irregularidade”, afirmou Escalante à IPS.

Outro ponto que o procurador poderia investigar é a mudança que o ex-superintendente fez no Canal 37, uma estação que era propriedade da Universidade Francisco Gavidia e que, segundo denunciou a mídia digital salvadorenha Diario 1, já foi vendido ao magnata mexicano do setor da comunicação, Ángel González. O mexicano é dono de um multimilionário consórcio de 30 emissoras de televisão e 80 de rádio na América Latina. Conta com canais de TV e emissoras de rádio na Argentina, Chile, Costa Rica, Nicarágua, Paraguai e Uruguai, além do México, segundo diferentes fontes.

Escalante também mudou o canal 37 da televisão em banda UHF para o canal 11 em VHF, o que ampliou sua capacidade e alcance. A IPS não pôde confirmar se, como se afirma, o canal já é dirigido pelo grupo de González, chamado de “o fantasma”, pelo pouco que se sabe de suas operações. O apontado desembarque de González no mercado salvadorenho preocuparia muito os tradicionais grupos de mídia do país, porque o empresário mexicano teria – segundo se afirma – aliados na governante e esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), no poder desde 2009.

A Diario 1 assegura que o partido estaria interessado em romper, mediante a presença do grupo mexicano, a férrea hegemonia da direita na imprensa do país, próxima à Aliança Republicana Nacionalista (Arena), que governou o país entre 1989 e 2009. Porta-vozes da FMLN e do governo de Salvador Sánchez Cerén, iniciado no dia 30 de junho, se negaram a falar sobre o assunto com a IPS.

Os ativistas também solicitaram ao procurador que investigue frequências outorgadas no passado, porque não foram seguidos os procedimentos legais. Um caso representativo é o do advogado Luis Francisco Pinto, que, em março de 2009, ao final do último governo da Arena, obteve de forma obscura oito frequências de televisão pelas quais pagou US$ 300 mil e que seguem sem entrar em operação, embora a lei indique que toda concessão não utilizada deve ser revogada após um ano.

“É preocupante que as atuações na Siget não tenham sido totalmente transparentes”, ressaltou à IPS o presidente da Associação de Jornalistas de El Salvador, José Luis Benítez. Envolverde/IPS