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Semântica do racismo

Nações Unidas, Estados Unidos, 13/9/2011 – Uma reunião de alto nível sobre racismo, que acontecerá no dia 22 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ameaça dividir o fórum mundial e desatar um confronto entre Norte e Sul. O encontro marca o décimo aniversário da Declaração e do Programa de Ação de Durban, adotados na Conferência das Nações Unidas contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, realizada em 2001 nessa cidade da África do Sul.

Diante do temor de que a reunião termine sendo um encontro anti-Israel, vários Estados do ocidente (entre eles Alemanha, Áustria, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Itália e República Checa) disseram que não participarão. O boicote é resultado de uma intensa campanha por parte de Israel, que desde o começo objetou a realização do encontro, qualificando-o de “antissemita” e argumentando que pode transformar o Estado judeu em alvo de críticas por suas práticas discriminatórias contra os palestinos.

De todo modo, espera-se que da reunião participe ativamente uma esmagadora maioria de Estados-membros da ONU, junto com dezenas de ativistas pelos direitos humanos. Uma manifestação pró-Israel e contra a reunião (e também contra o reconhecimento na ONU de um Estado palestino) acontecerá no dia 21 diante do prédio das Nações Unidas em Nova York.

Joseph E. Macmanus, secretário-adjunto para assuntos legislativos no Departamento de Estado norte-americano, disse à imprensa que seu país não participará do que chamou de “reunião em comemoração a Durban”. Em dezembro do ano passado, Washington votou contra a resolução que cria este acontecimento porque o ‘”processo de Durban incluía feias mostras de intolerância e antissemitismo, e não queríamos ver isso sendo comemorado”, disse Macmanus.

Rashid Khalidi, professor da cátedra Edward Said de Estudos Árabes no Departamento de História da Universidade de Columbia, disse à IPS que não é surpresa Israel ter apoio dos governos do Canadá, Holanda, Itália e República Checa, todos de direita e hostis às aspirações palestinas, ao opor-se ao esforço por comemorar um fato histórico na luta mundial contra o racismo.

“O incessante esforço de Israel e seus aliados para desprestigiar a conferência de Durban busca desviar a atenção da discriminação sistemática e legalizada inerente não apenas à ocupação dos territórios capturados em 1967, mas também o tratamento dado por Israel a 20% de seus próprios cidadãos, que constituem a minoria árabe”, acrescentou Khalidi. A reunião, conhecida como Durban III, será a terceira conferência de avaliação da Declaração e do Programa de Ação de Durban. A segunda foi em 2009, em Genebra.

“Naturalmente, esperamos que todos os governos participem de Durban III e renovem seus esforços para colocar em prática” o documento, disse à IPS Polly Truscott, vice-representante da Anistia Internacional, em seu escritório na ONU. Segundo ela, a verdadeira convicção no combate ao racismo exige que os governos estejam presentes, que defendam o que é correto e rejeitem o que não é. “Os governos têm de demonstrar que, apesar de qualquer controvérsia política em torno da comemoração, se comprometerão com o combate ao racismo, que inclui se comprometer com a Declaração e o Programa de Ação de Durban”, acrescentou Truscott.

Chris Toensing, diretor-executivo e editor do Middle East Report, com sede em Washington, disse à IPS que o que Israel rejeita é que seja criticado de tal modo que gere uma especial animosidade na Assembleia Geral. Israel não disputará o cargo específico contido na Declaração enquanto os palestinos estiverem sob “ocupação estrangeira” e, portanto, lhes sejam negados muitos direitos nacionais e humanos, acrescentou.

“Assim, a objeção é uma tática que busca desviar a atenção das políticas de Israel”, disse Toensing. É verdade que a Declaração não cita outra localização específica de discriminação racial no mundo contemporâneo. Pelo menos, os que a redigiram cometeram um erro tático, se o que buscavam era ajudar a causa palestina, porque a objeção israelense é tecnicamente sólida, acrescentou.

O Holocausto é o único exemplo específico de genocídio listado na Declaração, e aparece logo após a escravização de africanos e do colonialismo com males históricos que o documento busca reparar. “Embora se possa argumentar que o Holocausto, em escala e mecanização, deveria ser considerado sui generis, no contexto da Declaração a menção a esse fato parece ser uma tentativa de equilibrar a menção do sofrimento palestino”, disse Toensing.

Também não está claro porque deveria ser mencionado especificamente o antissemitismo ou a islamofobia, quando há tantos outros tipos de preconceitos raciais e religiosos no mundo atual, afirmou Toensing. Seria mais inteligente que futuras declarações critiquem as “ocupações estrangeiras” da Palestina, do Saara Ocidental e do Norte de Chipre – todas reconhecidas como tais pela ONU – a fim de evitar as queixas de cada ocupante mencionado, acrescentou. Por outro lado, uma coalizão de organizações não governamentais acusou o secretário-geral das Nações Unidas de “sabotar” a reunião sobre racismo, ofuscando-a com uma cúpula sobre segurança nuclear prevista para o mesmo dia. Envolverde/IPS