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Seca dramática para a biodiversidade e a agricultura

Lisboa, Portugal, 30/3/2011 – Desde 1930 Portugal não enfrentava um inverno tão seco como o que terminou recentemente. Seus efeitos já são sentidos com extremo rigor na agricultura e em centenas de incêndios de florestas. Os últimos dados disponíveis do Instituto de Meteorologia (IM), divulgados no começo desta semana, correspondentes à primeira quinzena deste mês, indicam que nesse período a seca “extrema” passou de afetar 32% do território nacional para 53%, enquanto o restante está sob a categoria de seca “severa”.

Nestes primeiros 15 dias do mês caíram, em média, apenas 5,7 milímetros de chuva, após um fevereiro com apenas 2,2 milímetros, enquanto o usual nesta época do ano é 100 milímetros. Uma avaliação do IM divulgada na semana passada indica que “a falta de chuva significativa em praticamente todo o território português provocou uma situação de escassez de água” e as previsões são pessimistas.

Após dois dias de tímida chuva na segunda semana do mês, as previsões para os próximos dias indicam valores “abaixo do normal para a época”, o que não será suficiente para diminuir a tendência para o aumento da seca. As consequências para a agricultura e a proliferação de incêndios florestais são devastadoras.

Treze comarcas de cinco distritos apresentam risco muito elevado de incêndios: Vila de Rei, Sertã e Oleiros, no distrito oriental de Castelo Branco, Pampilhosa da Serra, Miranda do Corvo, Góis e Arganil, na vizinha Coimbra, Castanheira de Pêra, Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, em Leiria, Mação e Sardoal, na central Santarém, e Monchique, no distrito de Faro, extremo sul do país.

Na véspera, os habitantes de quatro aldeias da comarca de Penela, no distrito de Pombal, a 170 quilômetros ao norte de Lisboa, foram retirados pelas autoridades devido ao incêndio que atingiu a região e que ameaçava avançar para suas residências.

Os danos econômicos para um país com graves problemas financeiros são incalculáveis, especialmente para as camadas mais vulneráveis e empobrecidas da sociedade. Seus efeitos se refletem nos valores dos produtos agrícolas que enfrentam momentos difíceis devido aos drásticos cortes na renda impostos pelo Fundo Monetário Internacional, pela União Europeia e pelo Banco Central europeu, o trio que concedeu um empréstimo de US$ 110 bilhões para o resgate financeiro do país.

Bruno Amorim, responsável da AM-Frutas, uma das grandes distribuidoras de produtos agrícolas do distrito de Lisboa, disse à IPS que a situação de seca “tem reflexos na alta de preços e na queda de qualidade” dos artigos. É preciso considerar que “uma qualidade baixa, na verdade, aumenta o gasto das famílias simplesmente porque alguns produtos não podem ser totalmente aproveitados”, explicou.

O executivo deu como exemplo os casos da castanha, do tomate e das laranjas, três alimentos tradicionalmente de alta qualidade em Portugal, “que antes de amadurecer começam a apodrecer ou secam devido à falta de água”. Verduras e hortaliças, “com folhas amareladas e não verdes como deveriam ser, para nós representam grandes perdas, pois não são vendáveis, vão direto para o lixo”, acrescentou.

Amorim concluiu com obscuros presságios para os próximos produtos de primavera/verão. “Somos bastante pessimistas quanto à perda de grandes colheitas e à baixa qualidade”, esta última uma condição que antes abria para Portugal grandes mercados externos, afirmou.

A extrema seca também afeta seriamente a conservação de várias espécies, tais como aves silvestres que invernam em Portugal e que agora deveriam começar a emigrar para seus lugares de reprodução no norte da Europa. Biólogos, ecologistas e ativistas citados pelo jornal Público, de Lisboa, alertam que a escassez de alimentos, a falta de reprodução e uma elevada mortalidade estão convertendo 2012 em um ano especialmente difícil para a conservação de várias espécies.

As borboletas são as mais afetadas, disse Patricia Garcia Pereira, pesquisadora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MHNC), entre as quais “há algumas espécies particularmente vulneráveis”, com as diurnas, que se alimentam em grande parte de urtigas. “Estas plantas dependem muito da água e, talvez, não consigam sobreviver pela falta de chuva, e sem elas as borboletas não têm onde pôr seus ovos e as lagartas não têm o que comer”, afirmou Patricia, acrescentando que as borboletas “são excelentes indicadores do bom estado dos ecossistemas, ajudando na polinização, enquanto as lagartas são importante fonte de alimento para as aves”.

Por sua vez, Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), recordou que muitas aves que já deveriam ter iniciado uma longa viagem migratória para o norte do continente, que pode ser de até seis mil quilômetros, “diante da escassez de alimentos estão adiando a viagem. Se não chove, há pouca erva e não há insetos, os solos estão secos, com poucos invertebrados, aranhas, etc.”, disse Leitão ao explicar a cadeia alimentar das aves. A um inverno seco no sul da Europa somou-se um extremamente frio no norte do continente, e “para as aves nada poderia ser pior”, concluiu.

Outra voz de alerta é de José Teixeira, pesquisador do Centro de Biodiversidade e Recursos Genéticos, lembrando que, nesta altura do ano, rãs, sapos, salamandras e tritãos começam a se preparara para o acasalamento e, sem chuva, “não poderão se reproduzir”, podendo levar até mesmo à sua extinção.

As ameaças da seca para essas espécies se unem à dos incêndios, especialmente para o lobo ibérico, quase extinto por uma política de eliminação decretada pela Espanha entre 1950 e 1970. Uma grande parte desta espécie se conserva no norte de Portugal. Estima-se que no Parque Natural de Peneda-Gerês, considerado o último santuário do lobo ibérico, não só de Portugal, mas de toda a península, habitam cerca de 300 deles, e hoje estão ameaçados pelos incêndios que afetam a área protegida.

Do informe divulgado ontem pela Proteção Civil, se deduz que o primeiro trimestre de 2012 fecha com o pior balanço dos últimos seis anos. Até a véspera, foram registrados 8.187 incêndios em 15.288 hectares. Somente nesse dia foram 333. E as estatísticas são atualizadas todos os dias. Envolverde/IPS