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Sanções do Ocidente atentam contra a saúde dos iranianos

Siamak Namazi. Foto: Cortesia do entrevistado

Washington, Estados Unidos, 6/6/2013 – O governo do Irã compartilha a responsabilidade pela escassez de suprimentos médicos em seu território, mas as sanções impostas pelo Ocidente são as principais causas do problema, que em alguns casos tem consequências devastadoras, segundo Siamak Namazi, assessor empresarial radicado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O comércio humanitário pode estar isento de sanções, mas isso não basta quando está estrangulada a válvula bancária necessária para realizar as transações, acrescentou Namazi. A IPS conversou em Washington com o assessor, que já foi membro do Wilson Center, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e da Fundação Nacional para a Democracia, todos dos Estados Unidos.

IPS: Você é autor de um documento político publicado pelo Wilson Center no qual, essencialmente, culpa as sanções do Ocidente pela escassez de suprimentos médicos no Irã. Como chegou a esta conclusão?

Siamak Namazi: Concluímos que o governo iraniano merece duras críticas pelo mau manejo que fez da crise, pela má destinação dos escassos recursos de divisas e por não atacar as práticas corruptas. Mas a principal causa são as sanções que regulam as transações financeiras com o Irã. Isto é, apesar de Teerã poder e dever tomar mais medidas para melhorar a situação, não pode resolver este problema sozinho. Enquanto as sanções se tornam cada vez mais severas, é provável que as coisas piorem, a menos que sejam eliminadas as barreiras ao comércio humanitário. Minha equipe e eu chegamos a estas conclusões após entrevistarmos altos funcionários, fornecedores farmacêuticos, especificamente empresas europeias e norte-americanas em Dubai, bem como importadores e distribuidores privados de medicamentos em Teerã. Também falamos com vários bancos internacionais. Nenhum de nós teve a mínima participação financeira no negócio farmacêutico, e todos trabalhamos pro bono.

IPS: Em que se baseia para fazer estas afirmações, dadas as isenções humanitárias ao regime de sanções, que permitem a chegada de alimentos e remédios?

SN: O Congresso dos Estados Unidos merece honras por aprovar uma lei que deixa extremamente claro que o comércio humanitário de alimentos, produtos agrícolas, medicamentos e suprimentos médicos estão fora da longa lista de sanções contra o Irã. Esta lei é o motivo pelo qual os laboratórios do Ocidente podem fazer negócios com o Irã. Sinceramente aplaudo este gesto. Lamentavelmente, o que vemos é um caso que os advogados chamam de “frustração de propósito”. Teoricamente, o Irã pode comprar remédios ocidentais, mas na prática é extremamente difícil pagar os produtos necessários para salvar vidas. Apesar da posição do Congresso, várias ordens executivas restringindo as transações financeiras com o Irã seguem em vigor, o que torna totalmente impossível implantar essa isenção. As sanções também limitam o acesso do Irã a moedas fortes. As vendas do petróleo iraniano estão seriamente restringidas e se converteram efetivamente em uma troca virtual com o país comprador, principalmente China e Índia.

IPS: Nem todos os bancos iranianos estão na lista negra dos Estados Unidos. Há várias entidades de crédito internacionais, pequenas e grandes, que poderiam realizar transações humanitárias. Por que o Irã não pode usar estes canais para importar os medicamentos de que precisa?

SN: Os bancos iranianos não relacionados são pequenos e carecem da infraestrutura internacional necessária para enviar dinheiro de Teerã para as contas da maioria dos bancos estrangeiros. Dependem de bancos intermediários para processar tais transações. Lamentavelmente, é muito difícil, quando não impossível, estes bancos iranianos encontrarem essas contrapartes, mesmo quando tentam facilitar o comércio humanitário totalmente legal. No final, o Irã precisa passar por muitos processos e participa de um constante jogo de gato e rato, tentando encontrar criativamente uma via para pagar seus fornecedores ocidentais de medicamentos. Isto não só aumenta os custos dos remédios para os iranianos, como também causa importantes demoras. Enquanto isso, as prateleiras das farmácias se esvaziam de medicamentos vitais e os pacientes sofrem.

IPS: Por que o Irã não pode comprar os remédios que precisa da China, Índia ou Japão, pois vende petróleo para esses países?

SN: O Irã já aumentou suas compras de remédios e suprimentos médicos de todos os países que você citou. Porém, como disse antes, devido à natureza altamente regulada e patenteada do negócio farmacêutico, os remédios vitais frequentemente são insubstituíveis. Mesmo havendo um medicamento alternativo elaborado por chineses, indianos ou japoneses, existe uma barreira adicional. Os remédios precisam ser registrados antes de ser permitida sua importação. Assim como os Estados Unidos têm a Administração de Medicamentos e Alimentos (FDA), o Irã, como a maioria dos países, possui um órgão equivalente que deve aprovar o medicamento. A molécula específica tem de ser registrada antes de ser minuciosamente testada. No Irã esse processo demora um tempo excessivo e, sem dúvida, deveria ser melhorado, embora nos últimos tempos tenham sido dados passos para agilizá-lo criando exceções. O Ministério da Saúde às vezes permite que um remédio, aprovado para venda em outro país, também seja importado e vendido no Irã. Mas esse processo apressado tem importantes consequências em termos de efeitos secundários. Há, inclusive, notícias na imprensa sobre mortes ocorridas quando foram importados medicamentos inferiores ao padrão. Para ser honesto, não entendo a lógica dos que promovem esta solução. Argumentam que as isenções humanitárias existentes são suficientes e afirmam que toda escassez de remédios no Irã é consequência do mau gerenciamento por parte de Teerã. Inclusive ouvi acusações de que o Irã está criando intencionalmente essa escassez para gerar indignação pública contra os Estados Unidos. Mas se eles afirmam que o regime de sanções está bem da forma como está, então como é possível tentarem promover a substituição da China e da Índia? Além de negar aos pacientes iranianos seu direito de receber o melhor tratamento existente, por acaso não estão também rechaçando o direito dos laboratórios norte-americanos realizarem um negócio perfeitamente legítimo?

IPS: Existe uma solução para tudo isso?

SN: Totalmente, e a detalhei em meu editorial no International Herald Tribune e também no informe do Wilson Center. Simplesmente não tem sentido dizer que o comércio está restrito. No caso dos medicamentos a solução é, possivelmente, mais simples do que no de outras mercadorias humanitárias. Com menos de cem empresas norte-americanas e europeias que possuem as patentes dos remédios mais avançados dos quais se necessita, podemos criar isenções limitadas, mas nada ambíguas, às restrições bancárias, permitindo essencialmente a estas empresas venderem medicamentos ao Irã sem enfraquecer o regime de sanções em geral. Para abordar a escassez de divisas fortes se deveria permitir ao Irã converter alguns de seus atuais bens em bancos chineses, indianos e outros do mundo em moedas fortes com o fim exclusivo de comprar suprimentos médicos. Alternativamente, os Estados Unidos poderiam revisar sua decisão sobre o assunto e permitir que as empresas europeias que devem milhares de milhões de dólares ao Irã saldem suas dívidas pagando a um laboratório em nome do Irã. Aos dirigentes políticos dos Estados Unidos se recorda que os remédios estão altamente subsidiados no Irã. Os importados recebem destinações de moedas fortes a preços muito subsidiados e novamente são apoiados mediante empresas de seguro que são propriedade do governo. Isso significa que, definitivamente, o governo iraniano ganha muito menos riales para cada dólar que destina a um importador de medicamentos do que o que ganha vendendo sua moeda forte a importadores da maioria dos outros produtos. Envolverde/IPS