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Ruanda, 19 anos depois do genocídio

 

Sobreviventes do genocídio exumam os corpos de seus familiares assassinados em 1994. Foto: Edwin Musoni/IPS

Kigali, Ruanda, 11/4/2013 – Bernard Kayumba, prefeito do distrito ruandês de Karongi, recorda os tempos do genocídio que este país africano sofreu em 1994, quando morreram quase um milhão de pessoas em apenas cem dias. Não há números definitivos sobre a quantidade de mortos, mas estima-se que cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados perderam a vida no massacre desatado depois que o avião em que viajava o então presidente de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e seu colega de Burundi, Cyprien Ntaruamira, foi derrubado, no dia 6 de abril de 1994, quando voava sobre Kigali.

Em sua maioria, as vítimas foram tutsis, e os responsáveis os hutus. Mas, segundo o informe, da organização Human Rights Watch, Leave None to Tell the Story: Genocide in Rwanda (Que Ninguém Conte a História: Genocídio em Ruanda), de 1999, “muitos tutsis que estão vivos sobreviveram graças à ação de hutus, seja pelo valor de um estranho ou pela entrega de alimentos e proteção durante várias semanas por amigos e familiares”.

Karongi, antes chamado Kibuye, foi palco de dois massacres em 1994, que deixaram milhares de mortos em poucos dias. Muitos se refugiaram nas igrejas e escolas locais. mas outros 30 mil tutsis se esconderam nas montanhas de Bisesero, a 40 quilômetros de Karongi, com a esperança de escapar da violência.

Kayumba foi um deles. Tinha 19 anos, e não esquece os massacres nem suas consequências. “Sei o que é não ir à escola e passar fome. Quando destino verbas para ajudar os necessitados do meu distrito, sou o mais imparcial”, afirmou o prefeito em entrevista à IPS por ocasião da recordação do genocídio, que acontece durante esta semana.

Kayumba disse que é prefeito da Karongi graças à ajuda do Fundo Nacional de Assistência aos Sobreviventes do Genocídio (Farg), que pagou seus estudos. O fundo foi criado pelo governo em 1998, para ajudar os quase 300 mil sobreviventes do genocídio, e recebe 6% do orçamento anual. “Estou agradecido, porque o Farg me fez o que sou hoje. O fundo pagou minha universidade. Sem isso, não sei o que teria sido de mim”, ressaltou Kayumba.

Desde sua criação, o Farg gastou US$ 127 milhões, a maior parte na matrícula de 68.367 estudantes secundaristas e mais de 13 mil instituições terciárias. O governo ruandês determinou a gratuidade do ensino primário e secundário em 2010. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 60% da população vive com menos de US$ 1,25 por dia.

O fundo também ajuda os sobreviventes com cuidados médicos e a conseguir moradia e assistência social. Mas, nem por isso ficou livre de controvérsia por denúncias de má gestão. Em 2011, o jornal local New Times informou que o Farg afastou cerca de 19 mil beneficiários, 30% do total naquele momento, porque não cumpriam os requisitos. Também foi questionado pela qualidade dos projetos de moradia.

O Auditor Geral de Ruanda declarou em 2011 que as moradias não valiam o dinheiro gasto pelo Farg em sua construção. A auditoria, feita entre 2006 e 2007, diz que “uma quantidade significativa de sobreviventes e de outras pessoas necessitadas identificadas como beneficiárias continuarão precisando de um abrigo, pois algumas delas, na verdade, não foram beneficiadas”.

Porém, as autoridades do fundo ouvidas pela IPS disseram que os 300 mil sobreviventes, todos, salvo 500 famílias, receberam novas casas, e que estas a receberão em dezembro próximo. Também disseram que das 40 mil casas construídas, 15 mil foram feitas com dinheiro do Farg, e o restante com recursos de colaboradores do governo, como organizações não governamentais, embaixadas e igrejas.

“Algumas casas foram construídas apressadamente em 1995 por pessoas bem intencionadas pela urgência de fornecer alojamento e por isso não foi dada muita atenção à empresa construtora”, disse à IPS o diretor-geral do Farg, Theophile Ruberangeyo.

Jean Pierre Dusingizemungu, presidente da Ibuka (“recorda”, em kinyarwanda), uma organização de sobreviventes do genocídio, disse à IPS que muita gente melhorava com valor e determinação. “Os sobreviventes aprenderam que ódio e discriminação levam à morte. Então escolheram uma forma melhor de construir uma comunidade unida para um futuro melhor”, afirmou.

Porém, não é o caso de todos. Muitos continuam sofrendo o trauma, o ódio e o medo pelo ocorrido. Josée Munyagishari, de 51 anos e originária de Murambi, oeste de Ruanda, foi ferida por uma lança na parte baixa do pescoço que a deixou paralisada. Também teve amputada a perna direita, que infeccionou após ela ser agredida a facadas.

“Recebi tratamento, tenho uma casa e meu filho estuda gratuitamente, mas nada disso me devolverá a perna nem conseguirá me manter de pé”, afirmou Munyagishari à IPS. “As pessoas que me atacaram foram soltas da prisão e desde então tenho pesadelos. Sonho que vêm me matar”, contou apontando para uma casa a cem metros da sua, onde, segundo ela, vivem seus agressores. Envolverde/IPS