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Rouhani trouxe ao Irã mais esperanças do que mudanças

Rouhani saúda a multidão na província de Lorestan, no dia 18 de julho deste ano. Foto: Presidência do Irã
Rouhani saúda a multidão na província de Lorestan, no dia 18 de julho deste ano. Foto: Presidência do Irã

 

Washington, Estados Unidos, 5/8/2014 – Quando as autoridades eleitorais do Irã anunciaram, em junho de 2013, que Hassan Rouhani era o novo presidente as multidões tomaram as ruas de Teerã para comemorar sua surpreendente vitória. Ao completar um ano no cargo, a população não perde a esperança de uma vida melhor, embora persistam as dificuldades.

“Acredito que Rouhani fez um trabalho muito bom”, disse Hassan Niroomand, de 62 anos, diretor de uma siderúrgica em Teerã, por ocasião do primeiro aniversário de seu juramento, completado ontem. “Não tem todo o poder, mas aproveitou o que pode controlar, e mantenho as esperanças”, acrescentou, se referindo ao manejo que o presidente fez nas negociações multilaterais pelo programa nuclear do país, à iniciativa de seguro universal de saúde e ao seu estilo de liderança. “Sabe como tratar os extremistas que tentam converter o Irã em outro Afeganistão”, acrescentou.

No entanto, nem todos os iranianos compartilham da avaliação positiva de Niroomand. “Todos dizem que é melhor” do que o presidente Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013), “mas não vejo a diferença”, disse Fariba Hosseini, uma estudante de 39 anos que está desempregada. “Os preços continuam altos e novamente molestam as meninas por causa do véu”, afirmou, se referindo à polícia moral iraniana que patrulha as ruas no sufocante calor do verão boreal para assegurar o cumprimento das normas que regem a vestimenta feminina. “Não creio que vá melhorar”, acrescentou.

Rouhani, um clérigo de centro, se comprometeu, ao assumir a Presidência, a melhorar a economia, resolver o conflito pelo programa nuclear e melhorar o ambiente político, caracterizado pela ênfase posta nas forças de segurança. Muitos outros iranianos compartilhariam da visão pessimista de Hosseini, se o chanceler Mohammad Javad Zarif não tivesse alcançado o histórico acordo nuclear iraniano com as potências mundiais, em novembro de 2013, e se as negociações para um acordo definitivo tivessem fracassado.

Enquanto a economia continuar vacilando devido às políticas oficiais e às sanções passadas, pequenas melhoras dão esperança a muitos dos 80 milhões de habitantes do país. “Os esforços de Rouhani e sua equipe para reduzir as sanções sobre o Irã, mediante as conversações nucleares, impediram até agora uma redução maior na produção e exportação de petróleo”, apontou Sara Vakshouri, especialista em energia e outrora assessora da estatal Empresa Nacional de Petróleo Iraniano.

A mitigação das sanções “não teve consequências importantes imediatas na economia, mas, sem dúvida, teve um impacto psicológico positivo nas pessoas”, acrescentou Vakshouri. As exportações de petróleo, que financiam quase metade dos gastos públicos, caíram para menos da metade em 2012 devido às severas sanções dos Estados Unidos e da União Europeia contra o setor petroleiro e bancário iranianos.

A moeda do país, o rial, entrou em queda livre e em outubro de 2012 havia perdido mais de 50% de seu valor. Mas, após o acordo interino de novembro, que impede a expansão do programa nuclear em troca de uma redução moderada das sanções, o rial valorizou e a inflação caiu para menos de 20%, contra os mais de 40% que alcançara há 12 meses, devido, em parte, às políticas oficiais.

A mitigação temporária das sanções às exportações de petroquímicos e o desbloqueio de alguns dos ativos iranianos no exterior também repercutiram positivamente na economia, segundo Vakshouri, que acrescentou que Rouhani modificou o regime de investimento para atrair mais capitais internacionais. Porém, os potenciais investidores manterão sua distância até que sejam levantadas definitivamente as sanções que estrangulam o país rico em petróleo.

Por outro lado, as organizações internacionais de direitos humanos denunciaram o aumento das execuções desde que Rouhani assumiu, e o governo continua com a condenação de jornalistas e ativistas que foram detidos durante a administração de Ahmadinejad por motivos políticos. Embora os meios de comunicação nacionais se mostrem mais críticos com o governo, vários jornalistas reformistas foram detidos nos últimos meses.

O ministro da Cultura, Ali Jannati, foi notícia em 2013 quando disse que era necessário levantar a proibição às redes sociais como Facebook e Twitter. Mas, enquanto Jannati e Rouhani criticaram publicamente o controle da República Islâmica sobre as vidas pessoais de seus cidadãos, os setores conservadores mantêm seu domínio sobre a sociedade.

No dia 21 de julho, foi detido o jornalista do Washington Post, Jason Rezaian, junto com sua esposa e colega, Yeganeh Salehi. Os analistas especulam que o iraniano-norte-americnao de 38 anos serviu como peão na luta política interna. Ignora-se o paradeiro de Rezaian, um residente iraniano, apesar das cobranças do Departamento de Estado norte-americano e de várias organizações de direitos humanos. O Irã não reconhece a dupla nacionalidade e não são anunciadas acusações contra o casal.

Os analistas argumentam que a detenção de Rezaian poderia ser uma maneira de envergonhar Rouhani antes do reinício das negociações nucleares em setembro. “Alguns setores dentro do regime não concordam com o futuro das coisas e procuram fazer com que Rouhani tenha as maiores dificuldades para alcançar seus objetivos”, pontuou Ali Reza Eshraghi, outrora editor de vários jornais reformistas iranianos.

O ministro “Jannati resumiu bem a situação quando disse que a única coisa que mudou no Irã foi o ramo executivo”, acrescentou Eshraghi, do Institute for War and Peace Reporting, com sede nos Estados Unidos. Mas, embora o presidente não tenha o controle absoluto sobre os poderes judicial e legislativo, foi hábil para as negociações a portas fechadas, acrescentou.

Segundo Eshraghi, “Rouhani e sua equipe têm uma agenda modernizadora, mas não a buscam mediante declarações nem intensa pressão de seus rivais políticos. Ele negocia e pactua com tranquilidade. As pessoas têm expectativas modestas, são realistas sobre a capacidade de Rouhani para conseguir suas metas”, acrescentou.

Até o momento, o líder supremo, Ali Khamenei, que persiste em seu descontentamento e sua falta de confiança nos Estados Unidos, expressou seu apoio à equipe negociadora do programa nuclear iraniano. Entretanto, enquanto o país busca o acordo definitivo no cenário internacional, a frente de negociação interna parece cada vez mais difícil.

“Rezaian tentava dar nuances ao branco e negro que utilizam os principais meios de comunicação ocidentais ao falarem do Irã. Paradoxalmente, sua detenção indica que existem alguns setores dentro do país muito de acordo com esse contexto”. Envolverde/IPS