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Reprodução humana avança em ritmo preocupante

Anticoncepcionais a venda para o público em Sanaa, Iêmen. Foto: Rebecca Murray/IPS
Anticoncepcionais a venda para o público em Sanaa, Iêmen. Foto: Rebecca Murray/IPS

 

Nova York, Estados Unidos, 7/10/2014 – Durante a maior parte da história da humanidade, os direitos reprodutivos significavam, basicamente, que homens e mulheres aceitavam como viesse a quantidade, o momento e o espaçamento dos filhos, ou mesmo não ter nenhum. Mas tudo mudou na segunda metade do século 20 com as novas tecnologias médicas para evitar, adiar e assistir a reprodução humana.

Essas tecnologias introduziram mudanças históricas no comportamento e nos direitos reprodutivos com consequências atuais em razão dos desafios teológicos, éticos e legais que apresentam e que são cada vez mais complexos e necessários de se atender.

Até meados o século passado os direitos reprodutivos eram limitados. Os anticoncepcionais existentes eram o método do ritmo (segundo o calendário menstrual), coito interrompido (retirada), camisinha e, para alguns casais, o diafragma. Mas a maioria não era método confiável nem agradável. Além disso, embora o aborto induzido seja praticado desde a antiguidade, trata-se de um procedimento médico drástico, perigoso e na maioria das vezes ilegal.

Em 1960 se propagaram os anticoncepcionais orais, que mudaram radicalmente o comportamento e os direitos reprodutivos das mulheres. Além da pílula, outros métodos como o dispositivo intra-uterino (DIU), injetáveis, implantes, a pílula do dia seguinte e a esterilização deram às mulheres e aos homens o controle mais efetivo sobre a reprodução.

Os anticoncepcionais modernos produziram grandes mudanças nos casamentos e no comportamento sexual. As mulheres empoderadas com anticoncepcionais modernos podem escolher, sem medo de engravidar, manter relações sexuais, o que lhes permite adiar a maternidade ou, diretamente, evitá-la. Em lugar do casamento, a convivência se tornou mais comum entre os casais jovens, especialmente nos países ricos.

Os métodos anticoncepcionais também facilitaram a rápida diminuição do tamanho das famílias. Entre 1950 e finais do século, a fertilidade caiu de uma média mundial de cinco filhos por mulher para quase a metade. Em todo o mundo se registrou uma redução da fertilidade nesse meio século, especialmente na Ásia, América Latina e um pouco menos na África.

Com o progresso da tecnologia médica, as cambiantes normas sociais e os movimentos de base, o aborto induzido foi legalizado. Embora ainda haja uma forte oposição, em quase todos os países ricos foram aprovadas leis garantindo o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez. Além disso, durante a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994, 179 governos se comprometeram a evitar o aborto inseguro e, quando não contradiz a lei, deve ser praticado de forma segura.

Os direitos reprodutivos que permitem interromper a gravidez, no entanto, geraram um excessivo aborto de fetos femininos. Especialmente na China e na Índia, onde a proporção de nascimentos por sexo de 117 e 111 meninos, respectivamente, para cada cem meninas está totalmente acima da norma de 106. Em consequência, o número “excedente de varões” jovens que não encontram noiva chega a 35 milhões na China e 25 milhões na Índia.

A introdução em 1970 da fecundação in vitro (FIV), quando a fecundação dos óvulos com espermatozoides é feita em laboratório, alterou totalmente o processo evolutivo básico da reprodução humana. A FIV proporciona aos casais sem filhos o direito e os meios para ter descendência biológica. Estima-se que existem mais de cinco milhões de bebês nascidos graças a esse método desde o nascimento do primeiro “bebê de proveta”, em 1978.

No entanto, a FIV gerou algumas questões éticas. Além de criar gravidez por meios “artificiais”, se tornou uma indústria comercial maciça, propensa a graves abusos e exploração de casais vulneráveis, em seu afã de conseguir lucro a partir da natalidade.

A FIV também permite a substituição gestacional, que estende os direitos reprodutivos aos casais do mesmo sexo. Ao contrário da gestação sub-rogada tradicional, na qual a substituta é a mãe biológica, a substituição gestacional permite que a substituta não tenha vínculo com o bebê, mas que o que o óvulo proceda da mãe ou doadora.

Isso permite que casais sem filhos exerçam o direito de ter filhos biológicos, mas a substituição gestacional apresenta problemas éticos, como a exploração de mulheres pobres, e também questões legais complexas, especialmente quando as transações atravessam fronteiras internacionais.

Em 1997 se conseguiu clonar, ou propagar por autorreplicação, em lugar da reprodução sexual, o primeiro mamífero, a ovelha Dolly. Seu nascimento foi um grande desenvolvimento em matéria de reprodução. Depois de Dolly conseguiu-se clonar muitos animais: peixes, ratos, vacas, cavalos, cães e macacos. Isso leva a pensar que em um futuro próximo alguns humanos queiram gozar de seus direitos reprodutivos de serem clonados, uma vez mais gerando graves problemas teológicos, éticos e legais.

Entre as tecnologias reprodutivas trans-humanistas que já existem ou existirão em um futuro próximo, se destaca a ectogênese, ou o desenvolvimento do feto em um útero artificial, não humano. Enquanto a ectogênese pode ampliar o alcance da viabilidade fetal, liberar as mulheres da gravidez e aprofundar os direitos reprodutivos, ao mesmo tempo traz problemas graves e questões médicas, éticas e legais inexploradas.

As novas tecnologias de reprodução acabaram criando desafios teológicos, éticos e legais que não são atendidos como deveriam ser. Os avanços médicos esperados em matéria de reprodução humana tornam ainda mais imperioso que a comunidade internacional preste atenção aos crescentes desafios e preocupações vinculados com os direitos e as tecnologias reprodutivas. Envolverde/IPS

* Joseph Chamie é ex-diretor da Divisão de População da Organização das Nações Unidas (UNFPA).