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Repressão contra imigrantes em Calais

Prédio ocupado ilegalmente por imigrantes na cidade de Calais, norte da França. Foto: Lara Stanley/IPS

Calais, França, 26/3/2012 – Entre 150 e 200 imigrantes continuam vivendo como ocupantes na cidade francesa de Calais e em seus arredores, apesar de uma campanha implacável das autoridades para expulsá-los. Já passaram mais de dois anos desde que a polícia francesa demoliu o acampamento de imigrantes de Calais, conhecido como La Jungla. Naquele momento, as autoridades da França e da Grã-Bretanha elogiaram a medida como um golpe nos que facilitavam a imigração ilegal.

Desde então, uma corrente de imigrantes e solicitantes de asilo continuam passando pela cidade e pela região Nord-de-Calais, com a esperança de chegar à Grã-Bretanha. A chamada passagem de Calais é o ponto mais estreito do Canal da Mancha, e por isso lugar favorito para imigrantes cruzarem da França para terras britânicas.

Agora, a polícia de Calais, a Polícia Fronteiriça da França e um permanente deslocamento de policiais antidistúrbios contribuem com a campanha de expulsão, mediante blitze semanais e às vezes diárias contra os prédios ocupados ilegalmente por imigrantes, com prisões arbitrárias, despejos e demolições. Nas últimas semanas houve uma clara escalada na frequência e intensidade destas atividades.

No dia 15, a polícia desalojou 35 imigrantes dos edifícios em ruínas pré-fabricados na avenida Louis Blériot, conhecidos como Casa África, sob a supervisão do subprefeito da região de Calais, Alain Gérard. Na noite seguinte, a polícia fez uma blitz no centro de distribuição de alimentos onde haviam acampado alguns dos imigrantes despejados, destruindo suas lojas e confiscando seus pertences.

Desde então houve mais dois despejos em várias casas ocupadas e em acampamentos. As autoridades também aumentaram seus controles ao longo dos estacionamentos de caminhões nos arredores da cidade, perto de Dunkerque. Ali, uma população flutuante de mais de 400 imigrantes a caminho da Grã-Bretanha tentou permanecer para escapar da ação policial na cidade.

Algumas organizações não governamentais locais atribuem esta escalada à campanha presidencial francesa e à investida contra os imigrantes que o presidente Nicolas Sarkozy realiza. Outros falam de uma renovada pressão britânica para que Calais fique “livre de imigrantes” nos preparativos para os Jogos Olímpicos de Londres, que acontecerão entre julho e agosto deste ano.

Seja qual for o motivo, estes despejos somam um novo ingrediente de paranoia e indignação ao difícil mundo clandestino que os imigrantes de Calais são obrigados a habitar. Quando a IPS tentou visitar a antiga fábrica de cordas, em ruínas e sem teto, na Rue des Quatre Coins, vários agressivos imigrantes impediram nossa passagem, pensando que este jornalista estava aliado com a polícia.

Apesar da pressão policial, os imigrantes continuam indo ao centro de distribuição de alimentos, perto dos atracadouros de Calais, onde organizações não governamentais fornecem duas ou três refeições diárias durante o ano todo. Entre os imigrantes há iranianos, iraquianos, afegãos, sudaneses e palestinos. Hassan, um afegão de pouco mais de 30 anos, contou que viveu 12 anos na Grã-Bretanha, onde teve dois filhos e seu próprio comércio de refeições rápidas, antes de passar seis anos na prisão por roubo a mão armada.

Enquanto cumpria a pena, foi deportado para Cabul. Agora, após três meses em Calais, decidiu aceitar uma compensação financeira e voltar à capital afegã, embora isso signifique que não volte a ver seus filhos. Seus motivos são simples: “Já não posso suportar isto. A Europa é o pior lugar em que já estive”. Abed é outro afegão que chegou a Calais esperando alcançar a Grã-Bretanha, com sua filha Fawzia, de 14 anos. Pediu asilo na França, deixando a mulher e outros dois filhos na Grécia. Até que aprovem sua solicitação, eles não podem unir-se a ele na França e ele não pode viajar para vê-los.

O processo de pedido de asilo na França é lento e não tem garantias de sucesso. Desde 2009, 116 solicitantes foram reconhecidos como refugiados, e foi concedida proteção temporária a 12 dos 285 postulantes com os quais tratou o escritório local do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Muitos imigrantes que passam pela cidade buscam trabalho, no abrigo, e sua presença flutua segundo as variáveis circunstâncias econômicas.

A população migrante da cidade agora inclui vários pedreiros que chegaram da Grécia. Entre eles Roland, jovem alto e de cabelo comprido, de 25 anos, que perdeu seu emprego devido à crise econômica grega. Agora aposta em trabalhar na Grã-Bretanha. “A Grécia está acabada. Não tem trabalho para ninguém. Os gregos nem mesmo podem alimentar suas próprias famílias”, afirmou.

Busquem emprego ou asilo em razão de guerras e perseguições, estes imigrantes são uma população excedente que nem o governo britânico nem o francês querem, mas da qual não conseguem se livrar. Junto às severas políticas, as autoridades de Calais criaram o centro de distribuição de alimentos e inclusive pagam o aluguel de uma das organizações não governamentais que fornecem refeições diárias.

As autoridades também propiciam aos imigrantes um abrigo de inverno, uma clínica médica e duchas. Mas nada disto é publicamente reconhecido, e a presença de um veículo policial do lado de fora do centro de distribuição é uma lembrança da política de severidade e dissuasão que tanto as autoridades locais como as nacionais preferem apresentar ao público.

O subprefeito de Calais se orgulhou de sua intenção de fazer com que os imigrantes nessa cidade se desloquem para a Bélgica. Embora alguns tenham sido dispersados, outros continuam chegando, buscando uma cara passagem pelo Canal, enquanto tentam evitar a polícia. Poucos esperam que deixem de chegar a uma cidade que se converteu em símbolo da resposta sem dó e disfuncional da Europa às migrações do Século 21.

O presidente está determinado a mobilizar o sentimento contra os imigrantes para permanecer no poder. A região de Pas-de-Calais oferece centros de treinamento para os atletas olímpicos que participarão dos jogos de Londres. Neste contexto, os imigrantes são cada vez mais indesejados e supérfluos do que o habitual, enquanto nesta cidade a repressão está na ordem do dia. Envolverde/IPS