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Regras que freiam o desenvolvimento

Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz, conversa con uma delegada na Cúpula Mundial de Microcréditos. Foto: Inés Benítez/IPS

Valladolid, Espanha, 16/11/2011 – O marco regulador do setor financeiro não serve para o desenvolvimento dos microcréditos e não contribui para reduzir a brecha entre ricos e pobres, por não se adaptar ao contexto social e cultural das zonas rurais mais desfavorecidas do mundo, afirmam especialistas. “É óbvio que a regulação é inadequada e deve partir da própria realidade das instituições microfinanceiras”, disse José Moisés Carretero, chefe do Departamento de Cooperação Multilateral e do Fundo para a Promoção do Desenvolvimento, da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid).

“Embora os microcréditos continuem evoluindo, passando de produto para um nicho específico para uma forma reconhecida de finanças, os vazios no marco regulador e de mercado continuam reduzindo a capacidade do setor para atingir seu potencial máximo”, diz o estudo “Microscópio Global Sobre o Entorno de Negócios para as Microfinanças 2011”. Essa pesquisa estabelece um parâmetro de referência das condições de regulação e operacionais destes empréstimos no mundo em desenvolvimento.

Carretero, que participou ontem da Cúpula Mundial de Microcréditos, que acontece nesta cidade espanhola, entre 14 e 17 deste mês, defende o estabelecimento de um diálogo de médio e longo prazo entre os diferentes reguladores e instituições da área. É que até agora “não há um espaço construído no qual se possa sentar e trabalhar”, declarou à IPS. Para a presidente do Fórum Latino-Americano e do Caribe de Finanças Rurais (Forolacfr), a mexicana Isabel Cruz, a regulação financeira se desenvolveu de forma “espetacular e acelerada” nos últimos 20 anos, dotando-se de múltiplos mecanismos, mas “o mundo da pobreza não evoluiu na mesma velocidade”.

Cruz recordou que “em muitas regiões do México e do resto do mundo ainda se trabalha no campo com ferramentas da época neolítica superior, como o facão e a enxada”, e as regulações financeiras “não se adaptam a estes contextos de sociedades rurais primitivas às quais o progresso não chegou”, acrescentou. Nesse sentido, Carretero lamentou que existam sociedades onde o vazio normativo impede o desenvolvimento de ferramentas como o banco móvel, “um instrumento muito importante para favorecer a inserção dos microcréditos em zonas rurais”.

Segundo o informe Microscópio Global, o Peru “aprofundou suas firmes bases em 2010 com novas regras para melhorar a solidez financeira e com a proposta de uma lei sobre banco móvel, sendo um dos primeiros países a fazê-lo na América Latina”. Para Cruz, “todos os mercados financeiros latino-americanos estão muito bem regulados e com leis bem modernas, mas se desenvolvem os que estão em áreas urbanas, não os das zonas rurais, por ser muito caro”.

“Os marcos reguladores não reduzem a brecha entre ricos e pobres, mas as aumentam”, afirmou Cruz, referindo-se à falta de cultura de finanças das pessoas mais pobres “que não sabem o que é um microsseguro ou uma taxa de juros”. Também incide a falta de sensibilidade e conhecimento dos “líderes financeiros” sobre esta realidade, disse a especialista à IPS.

Para Cruz, “os reguladores são pessoas muito técnicas, formadas em escolas de alto nível europeias ou norte-americanas com um modelo liberal, e isto impede que entendam a lógica mais simples da microfinança”. E acrescentou que “também não conhecem as zonas pobres, porque são gente da classe média que conseguiu estudar em escolas particulares e viajaram aos Estados Unidos e regressaram, mas jamais colocaram os pés em uma comunidade indígena”.

A presidente da Forolacfr explicou que é preciso uma “nova era de regulação, que parta da realidade e não das grandes convenções europeias e norte-americanas, bem com educar os responsáveis na matéria, dialogar com eles e levá-los às áreas onde trabalhamos, para que conheçam a vida dos pobres”. A presidente e diretora-executiva do Women’s World Banking, Mary Ellen Iskenderian, expôs durante o encontro as dificuldades que se encontra no contexto regulador para implantar novidades, sobretudo em matéria de poupança para as mulheres e os jovens.

Uma instituição microfinanceira instalada em uma zona rural é diferente de uma situada na cidade ou na área metropolitana, e, portanto, o risco é diferente, disse Cruz. Acrescentou que o fato de ser pequena lhe dá a desvantagem de não ter o alcance da sofisticação e da tecnologia, que se adquire em grande escala, mas tem a vantagem de o risco ser bastante limitado.

Especialistas presentes na cúpula de Valladolid, com participação de dois mil delegados de uma centena de países, concordam que as microfinanças devem estar regidas por princípios de transparência e terem taxas de juros justas. Também se requer um registro da situação financeira da população beneficiária, “de modo que as autoridades cuidem para que a instituição financeira seja sã”, acrescentam.

As regulações devem enquadrar a atividade e estabelecer princípios gerais, e também gerar “direitos de cidadania” para todos os seres humanos, afirmou Cruz, questionando em seguida “por que um camponês indígena tem de estar excluído do acesso a serviços financeiros”. Para a especialista mexicana, “ninguém rejeita as regras, mas estas têm de estar adaptadas também ao mundo dos mais pobres para que haja cidadania financeira, porque sem esta não há democracia, e se não há democracia não há desenvolvimento”. Envolverde/IPS