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Refugiados africanos chegam à Amazônia

Família de refugiados congoleses no Brasil. Foto: Acnur / L.F.Godinho

Rio de Janeiro, Brasil, 14/9/2011 – O congolense Wilson Nicolas, de 56 anos, foi o primeiro refugiado africano a mudar para a Amazônia brasileira, e parece ter inaugurado uma tendência. Nicolas (nome fictício) fugiu do território da ex-província de Équateur, noroeste da República Democrática do Congo (RDC), perseguido por choques entre tribos rivais em uma disputa por recursos naturais como a pesca. Segundo a Organização das Nações Unidas, desde 2010 cerca de 30 africanos que solicitaram asilo ao governo brasileiro vivem em Estados amazônicos. Procedem de Costa do Marfim, Gana, Guiné Bissau, Quênia, Nigéria, Serra Leoa e Zimbábue.

Nicolas chegou a São Paulo no final de 2009, após um contato que lhe oferecera emprego quando fugiu da RDC. Seguiu rumo a Boa Vista, capital de Roraima, no extremo norte do país, e ali se viu sozinho e descobriu que seguira uma falsa promessa. Com ajuda, conseguiu ir para Manaus, capital do Amazonas e maior cidade da região, e com assistência da Pastoral do Imigrante pôde apresentar seu pedido à Polícia Federal e ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Em fevereiro seu pedido foi aceito e transformou-se no primeiro refugiado vivendo na Amazônia.

“Já temos um novo perfil de refúgio na Amazônia. Esta região, que recebe, em geral, mais pessoas da América do Sul, como colombianos e bolivianos, passa a receber também africanos”, disse à IPS o porta-voz do escritório no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Luiz Fernando Godinho. “É uma mudança discreta, mas chama nossa atenção há dois anos”, acrescentou. Por telefone, usando frases curtas, Nicolas contou à IPS que deixou a RDC “por causa da guerra. Mesmo depois dos acordos de paz havia focos e conflito. No lugar onde estava havia uma disputa entre duas tribos rivais que ocupavam a mesma área”.

Nicolas chegou em 2009 à localidade de Dongo, Équateur, perto do fronteiriço Rio Ubangui, como técnico especializado em geologia, enviado pelo governo para organizar a divisão de terras e alimentos. “Quando chegamos, tentamos reconciliar as tribos, mas desencadeou-se uma guerra pela divisão de terras”, contou. O conflito ganhou grandes proporções, com uso de armas pesadas, e Nicolas foi acusado de ser espião do governo e acabou perseguido, segundo explicou. A violência entre os clãs boba e lobala se espalhou por todo Équateur e forçou mais de cem mil pessoas a fugirem para países vizinhos, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

“Fugimos para a selva. Caminhei dias e semanas, meus pés ficaram inchados. Havia muita gente fugindo, crianças e mães com bebês”, lembrou Nicolas. Esse conflito particular integra as sucessivas guerras na RDC, nas quais morreram entre quatro e cinco milhões de pessoas desde o final da década de 1990. As guerras em vários países da região africana dos Grandes Lagos adotaram formas de choques étnicos e genocídios, mas têm raízes nos múltiplos interesses internacionais para assumir o controle estratégico de grandes recursos minerais, abundantes na RDC.

Enquanto esteve escondido na floresta, perto da fronteira com a República do Congo, Nicolas perdeu a noção do tempo, e não voltou a ver sua família, composta por mulher, filhos e irmãos, embora receba deles uma pequena ajuda financeira para sobreviver. Nicolas fala vários idiomas: lingala, uma língua local congolesa, francês, swahili, inglês e português. Contudo, a palavra saudade ganha novo sentido para ele quando fala da falta que sente dos seus familiares.

“Sofro muito com a separação da minha família”, afirmou, mas não tem meios para a viagem nem nada a oferecer em Manaus. Vive de pequenos serviços, ensina francês e aproveita qualquer trabalho temporário. Entretanto, não tem diplomas para revalidar seus estudos universitários junto às autoridades brasileiras, que lhe permitiriam trabalhar em sua área, a geoinformática e a detecção remota. “Espero ter um emprego e estabilizar minha vida”, sonha.

A Amazônia brasileira abriga cerca de 140 refugiados, na maioria bolivianos, e outros 700 solicitantes de diversas nacionalidades aguardam resposta do governo. O trâmite demora quase seis meses. O Brasil não tem cotas para refugiados, embora não seja um grande receptor deste tipo de população. Segundo a lei de refúgio, de 1997, mesmo um estrangeiro que entre com documentos falsos tem direito a pedir essa proteção. A maioria dos quase 4.500 refugiados se concentra em Estados do sudeste, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, que também são as principais portas de entrada. Existe uma quantidade significativa no Rio Grande do Sul e no interior de São Paulo.

Do total (2.841 pessoas), 64% são africanos. Os países com maior presença são Angola (1.686), Colômbia (634), RDC (462), Libéria (258) e Iraque (203), segundo o Conare, formado por representantes de vários ministérios, organizações civis e tendo o Acnur como observador. Nicolas não pensa em voltar. “Meu país tem de estar em paz e com segurança para que eu retorne. Hoje sou refugiado e ficarei no Brasil. A vida é sempre uma batalha e é preciso muito esforço para sobreviver”, afirmou. Envolverde/IPS