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Redes protetoras de animais nas ruas cubanas

Capitán está sob cuidados da Associação Canina da Universidade de Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Capitán está sob cuidados da Associação Canina da Universidade de Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 31/20/2013 – O gato tinha a pele queimada e seus olhos saltavam das órbitas quando a aposentada Neida González o recolheu em uma rua da capital cubana. O felino, que hoje se chama Grenlito, sobreviveu graças a essa protetora, que cuida de um harmonioso grupo de nove animais de estimação.

“Já perdi a conta da quantidade que salvei. Também dou de comer a 16 gatos que vivem na garagem do meu prédio”, contou à IPS essa mulher que desde muito jovem acolhe em seu apartamento cães e outros animais de rua e ajuda em campanhas organizadas pela população de castrações e imunização contra parasitas em massa. “Com os anos foram sendo criadas redes de pessoas dedicadas à proteção de animais. Avisamos sobre as campanhas veterinárias e apoiamos com comida e medicamento”, acrescentou.

Organizações não governamentais, projetos comunitários e pessoas sem uma filiação específica integram um movimento de respeito, amor e ajuda aos animais, em um país onde não existe locais de trânsito (asilos ou abrigos), que facilitem a adoção de cães e gatos abandonados.

“É preciso encontrar o sustento econômico para um lugar de trânsito”, afirmou à IPS a presidente da não governamental Associação Cubana de Proteção de Animais e Plantas (Aniplant), Nora García. A entidade com sede em Havana se dedica a fomentar o respeito e o cuidado com a natureza. “Mas a solução tem de ser mais integral, vinculando um programa de esterilização maciça. Propomos evitar os nascimentos indesejados, em lugar de matar os animais que ninguém quer”, destacou García a respeito de uma ideia defendida e levada à prática desde 1992 pela organização que dirige.

A Aniplant realizou em 2012 mais de quatro mil castrações (pagas e gratuitas), a maioria na capital e nas províncias de Holguín, Artemisa, Matanzas, Camagüey e o município especial Ilha da Juventude, onde está presente. Outras entidades, como a Associação Cubana de Amantes dos Gatos, realizam campanhas sanitárias gratuitas.

Um triste destino paira sobre os animais de rua. Carros estatais que controlam as zoonoses recolhem regularmente cães sem dono e os agressivos para impedir, entre outras coisas, o contágio da raiva, que pode ser mortal para os humanos. As autoridades sanitárias os levam a asilos caninos onde são sacrificados aqueles que ninguém reclama dentro de determinado período.

Cães e gatos sem lar, sobretudo cachorros, costumam ser usados como presas para o treinamento dos chamados “cães de luta”. Essas lutas clandestinas, com seguidores em zonas urbanas periféricas e rurais, se associam ao jogo ilegal, punido no Código Penal com multas ou prisão de dois a três anos. Além disso, os animais de rua podem ser atropelados por algum veículo, violentados por pessoas inescrupulosas, sofrer doenças sem receber cuidados médicos e se converter em foco infeccioso, que afetaria inclusive os seres humanos.

“Maltrata-se muito o animal, consciente e inconscientemente. Por isso enfatizamos o componente educativo e a formação de crianças e adolescentes no cuidado e no amor. Promovemos a proteção afetiva, que vai além de dar comida e contempla aspectos como vacinar e controlar sua reprodução”, explicou García. Porém, o ativismo trabalha em um contexto legal pobre, onde há apenas algumas regulamentações sanitárias e para a exploração de animais de carga.

Por isso, a Aniplant apresenta sistematicamente, sem êxito, desde 1988, um anteprojeto de Lei de Proteção Animal ao Ministério da Agricultura, acrescentou García. A última dessas propostas foi apresentada em 2007 e contou também com a participação do não governamental Conselho Científico Veterinário.

Punir o abandono, a posse irresponsável e o uso de mecanismos dolorosos para sacrifícios nos asilos e matadouros da indústria da carne integram o anteprojeto, detalhou a ativista. Para Neida González, uma lei específica permitiria enfrentar mais “a incompreensão dos seres humanos”.

Apesar do trabalho das organizações e do “exército invisível”, como García chama a rede protetora, há muito por fazer, especialmente nas províncias. “O abandono e a reprodução descontrolada nas casas enchem as ruas, porque e fêmea de rua quase nunca pega ninhada”, acrescentou. Os altos preços dos alimentos e de muitos remédios encarecem a posse de animais de estimação.

Rosario Tio, moradora no município do Cerro, em Havana, aumenta a dieta de seu pastor alemão Chagui com sobras de comida coletada por seus vizinhos. “Minha poupança piorou. Não posso comprar sempre carne e vacinas, que são vendidas apenas em CUC” (moeda forte equivalente a US$ 1), contou à IPS.

A Sociedade Civil Patrimônio, Comunidade e Meio Ambiente, do Escritório do Historiador da Cidade (OHC) realiza imunização contra parasitas em massa e gratuita no centro histórico da capital. A entidade tenta há anos criar um abrigo canino com fins de adoção e aprovou a acolhida de animais em casas-museus e jardins. Muitos deles passeiam pelo centro histórico com uma identificação no pescoço, com sua foto, nome e entidade protetora.

O museu Casa da Obrapía adotou, há oito e dois anos, respectivamente, a cadela Canela e o gato Junípero. “Damos comida e cuidados médicos a eles. Também são uma atração, porque os visitantes se espantam ao encontrá-los aqui”, contou sua diretora, Janet Quiroga. Na rede social Facebook aparece o projeto Proteção Animais da Cidade, PAC-Cuba, que se define como “um grupo de pessoas que trabalham para reduzir o número de animais nas ruas de Havana”. Envolverde/IPS