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Rebeldes da Síria preparam combates em aldeias das montanhas

Combatentes contra o governo sírio nas montanhas da região de Latakia. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Combatentes contra o governo sírio nas montanhas da região de Latakia. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Jabal al Akrad, Síria, 22/5/2014 – Nas montanhas a leste do porto de Latakia, três anos de bombardeios por parte das forças do governo da Síria deixaram faixas inteiras de troncos enegrecidos nas florestas e estruturas de concreto destruídas nas aldeias sunitas, nas quais a maioria dos habitantes apoia as forças da oposição.

Uma aliança de grupos rebeldes moderados e islâmicos limpou a área do extremista Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis), em uma operação iniciada no começo de janeiro. O Isis, um grupo que se separou da Al Qaeda e é repudiado pelo próprio líder do conglomerado jihadista mundial, ainda controla um extenso território na parte oriental desse país.

Vários milhares de habitantes das montanhas próximas à costa da Síria fugiram para a Turquia ou outros territórios. Muitos abandonaram suas áreas sob o assédio do governo de Bashar al Assad, enquanto outras foram submetidas a implacáveis ataques aéreos. A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que cerca de 250 mil pessoas em todo o país estão presas em lugares sitiados. Outros são sunitas que fogem da perseguição do reduto alauita de Latakia, que fica próximo.

As tendências ideológicas variam entre os grupos em combate, e as opiniões de alguns pouco se distinguem das do Isis. Não existem dados precisos sobre os diferentes grupos, mas acredita-se que, em todo o país, a Frente Islâmica – contrária a um Estado laico – tenha mais de 40 mil homens, enquanto a Jabhat al Nusra, ligada à Al Qaeda, teria cerca de seis mil.

No caminho para o pico mais alto de Jabal al Akrad, a IPS pôde observar que combatentes armados patrulhavam o terraço de um prédio onde se abrigavam marroquinos do jihadista Sham al Islã, um pequeno grupo islâmico criado em agosto de 2013 na zona costeira por um ex-preso da base que os Estados Unidos têm em Guantânamo, em Cuba. À IPS foi dito que os jihadistas do norte da África “só ficam ali, sem fazer nada no momento”.

Combatentes fortemente armados da Jabhat al Nusra também estão presentes na área. As brigadas Farouq controlariam diretamente ao menos metade das cinquenta aldeias em Jabal al Akrad e têm 17 mil homens em todo o país. Mantêm uma postura não ideológica e são uma das principais facções rebeldes que lutam contra o Isis em outras regiões do país.

O grupo perdeu combatentes em enfrentamentos contra a Jabha al Nusra no passado, mas agora parecem coexistir com cautela na frente de luta contra as forças do governo. Seu líder, um ex-advogado de Homs conhecido como Abu Sayeh, disse à IPS que o grupo luta exclusivamente pelo direito dos sírios escolherem.

As Farouq foram criadas em 2011 em Homs, a terceira cidade do país e “berço da revolução” que começou em março de 2011 e enfrenta o governo de Assad com diferentes facções. Localizada cerca de 140 quilômetros a nordeste de Damasco, a cidade também é conhecida como a Stalingrado do século 21, devido à destruição e assédio devastadores que sofreu por parte das forças governamentais. Relativamente bem organizadas, com um grande número de oficiais desertores, as brigadas Farouq perderam terreno paulatinamente para facções extremistas melhor financiadas.

Mas seu papel na campanha contra o Isis dos últimos meses junto ao outro e maior grupo sem ideologia religiosa, a Frente de Revolucionários Sírios (SRF), lhe permitiu recuperar algum terreno. A SRF, com sede em Idlib, a leste das montanhas de Jabal al Akrad, diz ter 18 mil combatentes em todo o país. O líder das brigadas Farouq disse à IPS que depende exclusivamente de doações individuais e das armas e munições ganhas em batalha, ao contrário do apoio regular que se diz que o SRF recebe da Arábia Saudita.

Os comandantes insistem que sua luta não é sectária e garantem que os habitantes cristãos da região continuam recebendo ajuda da comunidade. Sobre a questão dos reféns alauitas de aldeias montanhosas presos por combatentes rebeldes no final do verão boreal de 2013, um comandante local disse que são bem tratados.

A IPS pediu um encontro com os reféns, mas não foi atendida, com a alegação de preocupação porque “as forças do regime atacariam o local se soubessem onde estão, para depois dizerem que nós os matamos”. Entre os reféns está “até um xeque alauita”, segundo soube a IPS, mas até o momento o governo sírio se negou a aprovar uma troca de reféns, em claro contraste com o ocorrido no começo de 2013, quando entregou mais de dois mil prisioneiros rebeldes em troca de 48 iranianos.

Muitos dos que fogem do país disseram à IPS que apoiariam uma trégua se esta pusesse fim à matança. O governo de Assad rechaça a ideia e insiste em qualificar de “terroristas” todas as pessoas das zonas rebeldes. Assim, submete vastas áreas à fome e ao bombardeio implacável, e seria responsável por constantes ataques químicos com amoníaco e cloro.

O governo também assegura estar ganhando a guerra, com apoio cada vez mais importante das milícias xiitas iraquianas, do movimento libanês Hezbolá e do Irã. Assad convocou eleições presidenciais para 3 de junho, mas uma lei que exige um cartão de registro recentemente expedido pelas autoridades faz com que a votação seja praticamente impossível nas regiões controladas pelos rebeldes e para os mais de nove milhões de refugiados. Antes da guerra, a Síria tinha 22,4 milhões de habitantes.

Muitos moradores das áreas sitiadas que sofrem fome e aceitaram levantar a bandeira do governo sírio, em troca de uma melhora de sua situação, foram presos desde então. Abu Jihad, ex-oficial que desertou para voltar à sua terra natal nas montanhas com vista para a pátria alauí, depois de ver “muitas matanças por parte do regime”, disse à IPS que nem ele nem seus homens aceitariam menos do que a vitória total. “É só questão de tempo”, acrescentou enquanto outra bomba explodia distante. Envolverde/IPS