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Racismo discrimina indígenas latino-americanos na política

A líder misquita Mirna Cunningham. Foto: Mirnacunningham.org

Cidade do México, México, 29/2/2012 – As mulheres indígenas da América Latina enfrentam a discriminação dos homens de suas comunidades e o racismo da sociedade quando tentam conseguir espaços de tomada de decisão, alerta Mirna Cunningham, presidente do Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso, é necessário que sejam construídos na região mecanismos que garantam a participação política das indígenas, ressalta nesta entrevista exclusiva, durante visita ao México, a nicaraguense miskita que lidera esse fórum.

Cunningham esteve no México para avaliar uma iniciativa que a ONU apoia para fomentar a presença de mulheres de grupos étnicos em cargos públicos. “Custamos a chegar aos espaços de tomada de decisão porque temos que convencer os homens de nossos povoados e enfrentamos sociedades racistas e discriminatórias”, afirmou à IPS/Cimacnoticias.

Nessas sociedades “o indígena é visto de um ponto de vista folclórico, é o vendável para o turismo mas não para a governabilidade e a democracia”, destacou. Cunningham insiste que as cotas nas listas eleitorais “não bastam” para fomentar a participação política das mulheres indígenas, sendo necessárias transformações estruturais e um compromisso real dos grupos de poder nos partidos políticos.

IPS/Cimacnoticias: Atualmente, qual é a situação das mulheres indígenas no México?

Mirna Cunningham: Continuam enfrentando grandes problemas; como em muitos países da América, é necessário constituir mecanismos que garantam sua participação plena e efetiva nos espaços de tomada de decisão. São necessárias políticas públicas de saúde, educação, acesso à justiça e a créditos, mas não como concessões aos povos vulneráveis ou carentes de recursos, mas como direitos individuais e coletivos. Deve haver uma mudança na forma com são organizados estes serviços: precisam ser participativos e contar com o aval dos povos indígenas.

IPS/Cimacnoticias: Qual a importância de participar das esferas políticas?

MC: Primeiro porque os povos indígenas são importantes se queremos falar de governabilidade e democracia. Contudo, para que haja uma participação real dos povos indígenas como protagonistas, precisa haver voz de mulheres e homens. “Nós mulheres podemos contribuir com o que se discute nos países sobre desenvolvimento, mudança climática, medidas para enfrentar a crise, etc. Se temos esses conhecimentos, devemos estar nos lugares onde tais temas são discutidos.

IPS/Cimacnoticias: Pareceria que as indígenas estão presentes, mas não são levadas em conta.

MC: Quando se trata de compartilhar os espaços de poder, muitas vezes para os homens é mais fácil lidar com outros homens e não com mulheres que apresentem inovações, ou que se aproximam da realidade de nossos povos.

IPS/Cimacnoticias: O que fazer para que a sociedade e os institutos políticos se voltem para as indígenas?

MC: O conceito do exercício do poder tem um enfoque bastante individualista e acredita-se que as mulheres devem confrontar os homens. Nós cremos que é preciso fazer mudanças estruturais. Apresentamos um enfoque de gênero intercultural que articula o individual e o coletivo, e às vezes não agrada aos demais, mas também creio que nos falta trabalhar muito e enfrentarmos medidas de participação política que nos mantêm subordinadas.

IPS/Cimacnoticias: Colocar indígenas no poder ainda é um desafio?

MC: Continua sendo um desafio enorme. Lembro da última campanha eleitoral na Bolívia, onde por direito constitucional houve uma participação de 50% de mulheres e 50% de homens nos espaços. Capacitamos nove mil mulheres em todo o país para que se apresentassem como candidatas. O que encontramos? Que foram colocadas candidatas mas em lugares não ganhadores; elas atraem voto, mas quem ganha são os homens.

Cunningham destaca que a participação plena das indígenas deve deixar de ser um discurso e se transformar em políticas públicas e ações concretas: “haverá menos uso político dos povos indígenas se tivermos assegurados mecanismos e espaços de participação plena”, afirmou. Acrescentou que no caso da Nicarágua as cotas “não bastam” para garantir a participação política das indígenas. “Tivemos que promover uma política de igualdade de gênero com enfoque intercultural, negociar com mulheres dos diferentes partidos políticos e promover candidaturas indígenas”, contou.

Cunningham ressalta que atualmente a Região Autônoma do Atlântico Norte, na Nicarágua, está representada por três deputadas indígenas. “É preciso promover medidas de ação afirmativa e isto não tem a ver só com cotas, tem a ver com o compromisso real dos grupos de poder nos partidos políticos”, destacou. Definitivamente, não basta uma lei, nem que as mulheres estejam ativas e vigilantes, são necessárias transformações estruturais de medidas de ação afirmativa que digam que em uma circunscrição eleitoral deve ir uma mulher indígena, porque se isto não for assegurado continuaremos sendo excluídas, insistiu Cunningham.

Cunningam explica que a ONU documenta a participação política dos povos originários, em particular das mulheres e em estudos recentes encontrou que a incorporação das cidadãs e dos cidadãos indígenas nos sistemas de partidos e outras formas de representação é “uma tarefa pendente”. O Fórum Permanente para as Questões Indígenas, organizações de grupos étnicos, órgãos nacionais e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) incentivam a participação política das indígenas por meio de pesquisas feitas no México, Equador, Peru, Guatemala e Nicarágua.

Nestes estudos, conta Cunningham, a ONU encontrou que a participação política das mulheres que pertencem a uma etnia, em geral, é mínima e limitada pelos sistemas de partidos. No caso do México, por exemplo, é de apenas 2%. “Definitivamente, é um tema que afeta todos os países onde há povos indígenas, se trabalha na capacitação e formação de mulheres, damos os primeiros passos e isto enfrentando enormes barreiras, mas estamos certas de que com a capacidade das indígenas iremos em frente”, afirmou.

A funcionária da ONU acredita que o processo mexicano para as eleições presidenciais e legislativas de julho servirá para abrir mais espaços à população indígena. “Encontro no México mulheres indígenas capazes, que conduzem processos importantes organizacionais e que têm toda a capacidade para serem candidatas idôneas”, afirmou.

Porém, Cunningham lamentou que, como foi constatado em outros países da América Latina, são os grupos de poder que no final decidem se elas podem ser, ou não, candidatas. “Temos todas as condições aqui no México, como em outros países da região, para que haja mulheres indígenas à frente de muitos espaços, e esperamos que possam ocupá-los”, afirmou a líder miskita. Envolverde/IPS

* Uma versão deste artigo foi publicada originalmente pela agência mexicana de notícias Comunicação e Informação para a Mulher AC (Cimac).