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Quênia debate implementar opção B+ contra o HIV

Com a nova forma de luta contra o HIV (opção B+), é fornecido às mulheres grávidas um tratamento para toda a vida, que não depende da contagem de células CD4. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Com a nova forma de luta contra o HIV (opção B+), é fornecido às mulheres grávidas um tratamento para toda a vida, que não depende da contagem de células CD4. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 28/5/2014 – Em meio a uma crise no setor da saúde no Quênia, especialistas discutem se convém implementar a nova opção B+ para evitar a transmissão materno-infantil do vírus HIV em escala nacional ou só um plano-piloto em centros de saúde com muitos pacientes, como os hospitais de referência. A opção B+ é o último tipo de tratamento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para grávidas portadoras do HIV, causador da aids.

Com as alternativas anteriores, A e B, eram administrados antirretrovirais à mãe e ao bebê somente durante a gravidez e a amamentação; e só se recomendava um tratamento para toda a vida a quem tinha contagem de células CD4 abaixo de 350. As células CD4 do sistema imunológico são as que lutam contra as infecções no organismo. A opção B+ indica o fornecimento de uma terapia antirretroviral por toda a vida para as mulheres grávidas, sem importar a contagem dessas células.

O debate acontece enquanto a saúde queniana atravessa variadas dificuldades, desde escassez de provedores até uma série de greves que prejudicaram os serviços.

O médico John Ong’ech, diretor-adjunto do Hospital Nacional Queniano, contou à IPS que, em 2013, quando começou a discussão sobre iniciar a opção B+ no Quênia “em escala nacional, as pessoas não concordavam quanto a implantá-la totalmente”. Hoje, o tratamento só está disponível nos dois grandes hospitais de referência, o Hospital Nacional Queniano, na província de Nairóbi, e o Hospital de Referência Moi, no Vale do Rift, e em alguns outros poucos centros de saúde locais.

“Algumas pessoas acreditam que primeiro precisamos acertar os sistemas no setor da saúde”, afirmou Ong’ech. “Para que as pacientes comecem a receber a opção B+ são necessários médicos clínicos porque há muitas coisas a considerar, como toxicidade dos medicamentos, quando se inicia um tratamento para que as enfermeiras possam trabalhar”, explicou o médico.

Em 2013, quase 20 mil grávidas portadoras do HIV começaram uma terapia antirretroviral para toda a vida. É preciso incluir outras 55.860 para conseguir cobertura de 100%, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas contra o HIV/aids (Onusida). O médico Okoth, que trabalha em um centro de prevenção da transmissão materno-infantil do HIV na província de Nyanza, disse à IPS que implantar a opção B+ não é só questão de garantir a disponibilidade de remédios.

“As histórias clínicas devem estar organizadas para saber se as pacientes estão cumprindo e para detectar as omissas. Isso é quase impossível atualmente por falta de pessoal. Temos uma crise de recursos humanos no setor da saúde”, explicou Okoth. O Quênia tem cerca de 36 mil enfermeiras nos setores público e privado, mas necessita de pelo menos mais 80 mil, segundo estatísticas oficiais.

Ong’ech concorda. “Há problemas com o cumprimento entre pacientes com HIV que estão em tratamento, não se deve implantar a opção B+ porque só vai piorar a situação”, opinou. O diretor de serviços médicos, Simon Mueke, reconhece os problemas na atenção com a saúde devido aos conflitos trabalhistas que afetaram os serviços dedicados à prevenção do contágio materno-infantil.

Em dezembro de 2011, os médicos fizeram uma greve pedindo mais orçamento para a saúde. Em março do ano seguinte, foi a vez das enfermeiras, que estiveram em conflito durante duas semanas. Cinco meses depois, novamente os médicos decidiram parar por três semanas. Em 2013, houve mais greves, e este ano poderão continuar se o governo não aumentar o pessoal.

Não surpreende que a cobertura na prevenção da transmissão materno-infantil do HIV tenha caído 20% em 2011 e 2012, segundo a Onusida. O preço e a logística de implantar a opção B+ em todo o país implicam desafios adicionais. Ong’ech pontuou que embora haja disponibilidade de antirretrovirais em todo o país, “o Quênia deve desenhar uma forma rentável de fornecer os medicamentos adicionais para a opção B+”.

O atual tratamento com antirretrovirais exige medicamentos que saem 30% abaixo de seu custo total. O novo regime de dose fixa com um único comprimido chega a cerca de US$ 180 por paciente por ano, segundo o Ministério da Saúde. E se prevê que no futuro seja inclusive menor. “O sistema de saúde e a prestação dos serviços são responsáveis pelos outros 70% a 80%”, explicou Ong’ech. “São necessários mais laboratórios e a realização de detecções da carga viral para garantir que as mulheres cumpram o tratamento”, acrescentou.

Outro problema é a distância entre o lugar de residência e o centro de saúde. Em Kisumu, na província de Nyanza, a distância média é de aproximadamente 5,8 quilômetros, enquanto em Mandera, na província Nordeste, chega a 20 quilômetros, detalhou Ong’ech. Mas a diretora da Onusida no Quênia, Maya Haper, disse à IPS que a opção B+ é uma iniciativa rentável. “No longo prazo reduz a carga sobre o sistema de saúde e sobre as mulheres pobres. Fornecer e retirar o tratamento cada vez que engravidam é muito mais caro”, assegurou.

Além dos problemas de infraestrutura, o médico Dave Muthama, da Fundação Elizabeth Glaser para a Atenção Pediátrica da Aids, disse que o estigma “continua sendo um dos maiores obstáculos”. No Hospital Nacional Queniano, Ong’ech vê diariamente como o estigma afeta as pacientes. Algumas recebem os antirretrovirais, mas não os tomam, enquanto outras se negam a retirá-los por medo de serem descobertas.

A pobreza é outro problema na luta contra o HIV/aids. “As mulheres não vão às consultas médicas porque precisam ganhar dinheiro”, explicou Muthama. Segundo esse médico, a erradicação da transmissão materno-infantil do HIV exige estruturas sociais que apoiem as mulheres soropositivas. “A sociedade deve atravessar as mesmas quatro etapas que a maioria das pessoas que ficam sabendo que são portadoras do HIV: negação, raiva, aceitação, superação”, enfatizou. Envolverde/IPS