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Quênia agrícola entre a tradição e a inovação

A pequena agricultura do Quênia está em risco por consequências da mudança climática, como a falta de água. Foto: Miriam Gathigah/IPS
A pequena agricultura do Quênia está em risco por consequências da mudança climática, como a falta de água. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 18/7/2013 – No atual contexto em que a mudança climática representa uma ameaça à segurança alimentar e ao sustento dos pequenos agricultores, o Quênia tem a opção de apelar para novas tecnologias ou voltar-se ao conhecimento tradicional e se apoiar na biodiversidade local. Dados do Ministério da Agricultura indicam que cerca de cinco milhões dos oito milhões de famílias do país dependem diretamente desta atividade para sobreviver. Contudo, os produtores, especialmente os de pequena escala, vivem tempos de incerteza devido aos fenômenos climáticos extremos. Os informes da última safra reafirmam a preocupante tendência dos últimos tempos.

“Uma grande quantidade de rios e riachos atualmente têm menos água ou secam totalmente quando não chove”, disse à IPS Joshua Kosgei, responsável de extensão agrícola em Elburgon, na província Vale do Rift. O documento preparado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para este país indica que as chuvas que caíram entre outubro e dezembro do ano passado foram bem menores do que a média. “Vários poços secos prejudicaram a germinação, o que exigiu que se voltasse a plantar (até três vezes), e os cultivos murcharam e secaram”, acrescenta o informe.

Segundo o Instituto de Pesquisa Agrícola do Quênia (Kari), mais de dez milhões dos 40 milhões de quenianos sofrem insegurança alimentar, a maioria deles vivendo da assistência. O setor agrícola representa 25% do produto interno bruto e pelo menos 60% das exportações do país. Estatísticas oficiais mostram que a produção de pequena escala representa 75% do total e 70% do que se comercializa. O chá, um dos principais produtos de exportação, que gera cerca de US$ 1,17 bilhão, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas, é um dos cultivos que corre maior risco. Especialistas estimam que a mudança climática poderá custar aos produtores 30% de sua renda.

Kiama Njoroge, responsável de extensão agrícola na província Central, disse à IPS que “o chá é um produto muito sensível à mudança climática. Isso faz com que cerca de 500 mil pequenos agricultores vivam na incerteza”. Joel Nduati, pequeno agricultor desta província, ressaltou que “a falta de informação sobre intervenções para enfrentar a mudança climática é nosso principal problema”. Outra dificuldade é o estresse hídrico: “muita água quando não precisamos e depois períodos prolongados de poços secos. Necessitamos variedade de cultivos que possam aguentar as mudanças”, acrescentou.

Segundo Kosgei, já foram desenvolvidas intervenções contra a mudança climática, o que falta é uma forma efetiva de passá-las aos agricultores. “Por exemplo, a Fundação para a Pesquisa do Chá do Quênia desenvolveu 45 variedades, mas os agricultores ainda não as adotaram porque nem mesmo sabem que existem”, pontuou. O Kari criou cinco novas variedades de batata e várias outras de couve. “Porém, quantos agricultores estão inteirados de sua existência, quanto mais pensar em adotá-las?”, ressaltou.

A difusão deste tipo de informação é difícil pela falta de trabalhadores de extensão. A FAO recomenda que haja um para cada 400 produtores, mas o Quênia tem um para cada 1.500, segundo a Associação para o Desenvolvimento Rural e Agrícola Internacional. Os pequenos agricultores quenianos produzem apenas um quinto de sua capacidade, contou Kosgei. Entretanto, nem todos concordam com a avaliação do funcionário de extensão.

“A solução é voltar ao conhecimento indígena, promovido por um amplo movimento agroecológico local”, disse à IPS Gathuru Mburu, coordenador da Rede de Biodiversidade Africana. “É um enfoque que combina estratégias agrícolas sem produtos químicos”, acrescentou. “Não há produção adequada porque são usados muitos químicos. A agroecologia utiliza adubo animal. As sobras da colheita anterior também podem servir como adubo”, explicou.

Njoroge concordou, e acrescentou que países como Ruanda, Etiópia e Gana estão conseguindo avanços significativos em matéria de segurança alimentar e na melhoria do sustento mediante o conhecimento indígena. Para alguns especialistas, no entanto, a agroecologia se assemelha a dar às costas às novas tecnologias que têm enorme potencial. “Criminalizar os químicos não é a solução”, opinou John Kamangu, pesquisador especializado em biodiversidade, consultado pela IPS. “Precisamos de modificações genéticas que nos permitam produzir sementes que suportem temperaturas mais altas e chuvas mais forte”, enfatizou.

Porém, Mburu se opõe a depender das grandes multinacionais da agroindústria para desenvolver estratégias contra a mudança climática, e alertou que esse caminho não é benéfico para a África. “Os governos africanos entregam a responsabilidade que têm pelo setor agrícola e criam um espaço para que as multinacionais ofereçam financiamento enquanto exploram o continente”, afirmou. “Essas empresas desenvolvem e vendem químicos. Suas sementes costumam precisar de muitos desses produtos para se desenvolverem e só prosperam em áreas específicas”, advertiu Mburu.

Kosgei concorda que a agroindústria se preocupa com o lucro, não com alimentar a população africana. Para Mburu, é preocupante que, ao deixar o caminho livre para as multinacionais, o governo adote políticas que prejudiquem os pequenos agricultores, que continuam produzindo pelo menos 70% dos alimentos deste país. “As multinacionais estão por trás de várias políticas para criminalizar os pequenos agricultores. Algumas das medidas previstas são uma lei de sementes e outra contra as falsificações”, detalhou.

Esse último projeto de lei “promove as sementes certificadas. Nosso povo que usa as autóctones (não certificadas) já não poderá fazê-lo quando a lei estiver vigorando”, alertou Mburu. “Essas sementes nada têm a ver com a mudança climática. São controladas por seis grandes transnacionais e representam investimento milionário, além de não serem adequadas para nosso ecossistema em comparação com as autóctones”, ressaltou. Envolverde/IPS