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Prolifera a violência em hospitais

Foto: Reprodução/Júnior Santos

Cairo, Egito 6/9/2012 – A sala de emergências do Hospital Internacional de El Mansurá, norte do Egito, está fechado com corrente e cadeado. As ambulâncias que chegam trazendo pacientes têm de procurar outro hospital. Apenas algumas horas antes, dezenas de pessoas chegaram a este hospital trazendo um ferido em acidente de trânsito, dominaram os militares que guardavam a entrada, dispararam para o ar e ameaçaram os médicos e as enfermeiras para que operassem imediatamente o ferido. Cinco funcionários da segurança foram feridos e um trabalhador da saúde apanhou tanto que ficou em estado de coma. E este não foi um incidente isolado.

Os ataques a pessoal hospitalar por parte de pacientes e familiares desesperados por cuidados médicos, particularmente nas salas de emergência, se espalham pelo Egito desde o levante popular que acabou com o regime de Hosni Mubarak (1981-2011). O pessoal da saúde se queixa de constantes ataques por parte de pacientes, famílias e até grupos armados, que exigem atenção médica à força.

O secretário-geral do Sindicato Médico do Cairo, Ahmad Bakr, documenta os incidentes desde que foi eleito para o cargo em outubro passado. Já possui registradas várias centenas de ataques a hospitais na capital, e estima que outros milhares tenham ocorrido no resto do país. “Conheço pessoalmente dezenas de médicos e trabalhadores da saúde que ficaram feridos nestes ataques, dois deles seriamente”, disse Bakr à IPS, acrescentando que “também morreram ou ficaram feridos pacientes e familiares”.

A falta de uma força policial efetiva facilita a ocorrência deste incidentes. “Há brigas que começam nas ruas e, quando um dos agredidos corre para o hospital, seus inimigos o seguem para liquidá-lo. Os poucos policiais ou soldados destinados à segurança do hospital estão desarmados ou não querem intervir”. Há alguns dias, médicos de um hospital público da localidade de Matariya (norte do país) tiveram que fugir quando um grupo armado com espadas e revólveres entrou em uma sala de emergência e matou um paciente recém-chegado.

Entretanto, segundo Bakr, a maioria dos casos de violência é causada pelos pacientes e seus familiares, frustrados pelas deficiências do sistema de saúde. Décadas de corrupção e negligência corroeram o setor, obrigando os médicos a operarem em instalações mal equipadas. “Nosso sistema de saúde se deteriorou durante mais de 30 anos”, lamentou. “A maioria dos países destina cerca de 15% do orçamento do Estado à saúde. No Egito, este índice é inferior a 4%, por isso estamos retrocedendo”, ressaltou.

Sem dúvida, os egípcios têm muito do que se queixar. Este país sofre uma grave carência de unidades de cuidado intensivo. As ambulâncias chegam a passar horas procurando um lugar para deixar um paciente em estado crítico. Enquanto isso, as limitações de orçamento e a má administração provocam escassez crônica de suprimentos médicos. Em muitos casos, os pacientes devem enviar seus familiares para que encontrem e comprem remédios necessários para seu tratamento.

Medicamentos vitais para salvar pessoas com determinadas condições cardíacas devem ser contrabandeados da Europa. “O deteriorado estado de nosso sistema de saúde é o contexto dos confrontos”, alertou Bakr. “Antes do levante (contra Mubarak) as pessoas não tinham motivação para defender seus direitos, mas a revolução mudou o espírito da população, agora disposta a lutar”, ressaltou.

E, diante da inadequada segurança, médicos e trabalhadores dos hospitais são vítimas da ira. O abuso verbal e a intimidação são a rotina, enquanto aumentam as agressões físicas com armas. “Antes tínhamos um ou dois incidentes ao ano, agora são cinco ou seis por semana”, disse Mohammad Abdel Ghaffar, que renunciou como diretor-geral do Hospital Escola Ahmed Maher.

Os médicos estão na encruzilhada ética de tratar seus pacientes ou se proteger dos ataques. “Em cada ataque, o pessoal do hospital fecha as salas de emergência até que a segurança seja restaurada. El-Demerdash e Qasr El-Ainy, dois dos maiores hospitais da capital, foram forçados a fechar suas salas de emergência dezenas de vezes nos últimos meses”, contou Bakr.

“É lamentável, mas os médicos não podem trabalhar sob essas perigosas condições”, afirmou George Nashed, professor de cirurgia na Escola Médica da Universidade do Cairo. As medidas de segurança são insuficientes, os policiais destinados à segurança dos hospitais “parecem desaparecer” quando ocorre um ataque, acrescentou.

Em resposta aos protestos, o governo ordenou aos militares que garantam os cem maiores hospitais do Cairo. O Ministério do Interior também anunciou planos para criar uma força policial especial para essa tarefa. Mas “o problema não pode ser solucionado apenas com segurança. É preciso um enfoque multidisciplinar”, opinou Nashed.

Muitos ataques poderiam ser evitados se os hospitais recebessem suficientes recursos e suprimentos para atender pacientes críticos. Além disso, segundo Nashed, os médicos e o pessoal da saúde deveriam estar melhor capacitados para tratar pacientes enfurecidos e com seus familiares. Melhores habilidades de comunicação poderiam ajudar a aliviar as tensões. Envolverde/IPS