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Projeto de submarino nuclear emerge do passado

Itaguaí, Brasil, 21/7/2011 – Adiado desde a década de 1970, começa a se tornar realidade o projeto de um submarino nuclear brasileiro: estratégico para custodiar riquezas como o petróleo de águas profundas e para mostrar que este país está à altura de suas aspirações globais. Algumas placas empilhadas no solo de um galpão da empresa mista Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), em Itaguaí, a cerca de 80 quilômetros do Rio de Janeiro, anunciam que se trata de “chapas para submarinos”. Isto é confirmado pela presença da presidente Dilma Rousseff para inaugurar, no dia 16, a fábrica das estruturas cilíndricas que formarão só cascos dos submarinos, onde cortou simbolicamente a primeira placa de aço para produzi-los.

“Hoje é um momento especial”, afirmou Dilma, colocando em marcha o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub) da Marinha brasileira, que construirá inicialmente quatro destas embarcações convencionais S-BR com tecnologia francesa. “O Brasil dá um passo a mais para afirmar-se na sua condição de país desenvolvido, de país com uma indústria sofisticada e, portanto, de um país capaz de absorver, dominar e utilizar tecnologias avançadas”, acrescentou.

O ProSub nasceu de um acordo, alcançado em dezembro de 2008, entre o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e o então governante brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa aliança, a França se comprometeu a transferir conhecimento tecnológico para as indústrias brasileiras envolvidas no desenvolvimento e na construção de submarinos. Além disso, começou a ser construído um estaleiro, uma base naval e uma fábrica de estruturas metálicas e, segundo destacou a Marinha, mais de 30 empresas nacionais começarão a produzir mais de 36 mil peças.

O Brasil criou a empresa Itaguaí Construções Navais, em associação com o grupo francês DCNS (Direction de Constructions Navales et Services), a gigante da construção brasileira Odebrecht e a Marinha nacional com direito a veto. O esforço é parte de um plano mais ambicioso. Segundo o Ministério da Defesa, representa “o primeiro passo para a construção de um submarino de propulsão nuclear brasileiro (SN-BR)”, previsto para ser entregue em 2023.

O país, que já domina o ciclo de enriquecimento de urânio necessário para produzir combustível nuclear, quer utilizar essa tecnologia para a propulsão do submarino. Trata-se de uma tecnologia altamente sensível, dominada até agora apenas por um seleto grupo de países: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.

Para o especialista político Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas, trata-se do projeto mais importante e simbólico da Marinha brasileira nas últimas décadas. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos, consideram a propulsão nuclear fundamental em suas frotas de guerra, disse Santoro à IPS. Por isso, seria “essencial” ao Brasil dominar essa tecnologia como “protótipo de produção” aplicável depois a outros veículos navais militares, como porta-aviões.

A Marinha afirma que o submarino nuclear é “um dos mais complexos meios navais” já concebidos, por suas vantagens táticas e estratégicas, com maior autonomia de imersão e de velocidade em relação a submarinos a propulsão diesel-elétrica, que permitem à embarcação patrulhar por mais tempo áreas mais amplas do oceano. Santoro recordou que o Brasil tem razões históricas. O estopim de sua participação nas duas guerras mundiais do Século 20 foi precisamente o ataque de submarinos alemães à Marinha mercante nacional no Atlântico Sul, quando o país não tinha condições de se defender.

Além disso – argumentam sempre os oficiais da Marinha –, o resultado da Guerra das Malvinas, em 1982, entre Grã-Bretanha e Argentina pela posse desse arquipélago austral, teria sido outro se os argentinos possuíssem uma frota de submarinos nucleares para garantir sua defesa. “Do ponto de vista estratégico, talvez seja a arma defensiva mais eficiente da Marinha”, destacou Santoro. A função de defesa, e não de ataque é ressaltada sempre pelo governo do Brasil.

“Este projeto tem o objetivo fundamental de modernizar a Marinha e dar-lhe armas para dominar a tecnologia da produção de submarinos à propulsão nuclear, em um quadro de defesa e não de ataque, porque somos um país comprometido com os princípios da paz”, destacou Rousseff. Trata-se de um esclarecimento importante para mostrar que “o Brasil não tem intenção expansionista nem agressiva”, especialmente em relação aos seus vizinhos sul-americanos, disse o especialista em relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Williams Gonçalves.

É uma mensagem para “que estejam conscientes de que o Brasil tem necessidades estratégicas específicas, mas que não está sinalizando uma corrida armamentista nem quer se converter em potência militar”, disse Gonçalves à IPS. Para este especialista, um submarino nuclear se justifica porque “as necessidades estratégicas do Brasil também mudaram”. O país, com 190 milhões de habitantes, deve proteger 3,6 milhões de quilômetros quadrados de território submarino, sobretudo a partir da descoberta de novas jazidas de petróleo, situadas a grande profundidade e debaixo da camada de sal, que podem garantir o abastecimento nacional e a exportação no futuro.

Nas palavras de Dilma, “nada mais justo termos na Marinha um dos meios para garantir a soberania do Brasil e a proteção de suas riquezas”. Além disso, segundo Gonçalves, o “Brasil tem cada vez maiores responsabilidades de ordem internacional” em assuntos políticos, energéticos, comerciais e ambientais. Não é “uma potência militar nem pretender ser, mas é um ator internacional cada vez mais relevante”, ressaltou.

Por seu lado, Santoro acrescentou outros motivos estratégicos, como a necessidade de vigiar 95% de seu comércio exterior, que circula por mar. Um submarino nuclear mostraria “a importância que tem para o Brasil a agenda de defesa” e a melhoria de sua capacidade tecnológica. O analista também mencionou o desejo do país de conseguir um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Precisaria “de forças armadas mais habilitadas para exercer essa função”, acrescentou.

Assim como Gonçalves, Santoro acredita que a ênfase na função defensiva do ProSub é “para afirmar essa ideia de país tradicionalmente pacífico, que não tem uma agenda expansionista, que não quer aumentar seu território nem conquistar outros países, que não quer uma corrida armamentista nem imperialista”. Envolverde/IPS