Arquivo

Proibição de tabaco em Cuba, berço dos puros

Uma cliente fuma um cigarro no bar e restaurante Floridita, no emblemático bairro de Havana Velha. A proibição de fumar chega aos bares, restaurantes e centros noturnos de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Uma cliente fuma um cigarro no bar e restaurante Floridita, no emblemático bairro de Havana Velha. A proibição de fumar chega aos bares, restaurantes e centros noturnos de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 23/10/2014 – “Aqui se pode fumar?”, pergunta um hóspede ao recepcionista de um hotel na capital cubana. “Não”, responde o empregado. O hóspede insiste: “E essas bitucas no chão?”. “São das pessoas que não perguntaram”, responde o funcionário. A piada, muito repetida nesse país, descreve a situação do direito a um ambiente livre de fumo em Cuba, reconhecida por produzir os melhores puros (charutos) tipo Premium do mundo.

Várias regulamentações antitabaco estão vigentes, mas são pouco aplicadas no país, onde persiste uma cultura permissiva do tabaco, segundo fumantes e não fumantes ouvidos pela IPS. “Esses direitos são violados porque qualquer um fuma nas “guagas” (ônibus) e nas áreas comuns de muitos locais de trabalho”, disse Jordán Puebla, biólogo de 26 anos que trabalha em um laboratório de medicamentos em Havana.

Puebla contou que costuma voltar para casa com a roupa impregnada do forte cheiro dos cigarros fumados por seu chefe no escritório climatizado, compartilhado por toda a equipe. “Muitos não gostam de ser fumantes passivos e sabem que têm a lei ao seu lado. Alguém às vezes protesta, mas em geral se cala”, detalhou. “Não há uma consciência dos danos à saúde e ao ambiente causados pelo tabaco. E isso com a incidência de câncer tão evidente, porque qualquer pessoa tem um amigo, parente ou vizinho com a doença”, acrescentou.

O jovem, que fumou “por modismo” em sua adolescência, se refere aos tumores malignos, que em 2012 foram a primeira causa de morte em Cuba. Desde então, as autoridades de saúde destacam os fatores de risco do câncer, como fumar e estar exposto à fumaça de tabaco, que fontes científicas identificam como causadores de incapacidade, doenças e morte.

O alerta aumentou em agosto, quando fontes do Ministério da Saúde Pública informaram alguns resultados da última pesquisa sobre fatores de risco, que em 2013 ouviu nove milhões dos 11,2 milhões de habitantes em Cuba. Cerca de 24% da faixa etária de 15 anos para cima fuma, revelou à imprensa a médica Patricia Varona, do Programa Nacional de Prevenção e Controle do Tabagismo, do Ministério.

Os dados conspiram contra a meta oficial de, em 2015, os fumantes serem 19,2% nessa faixa etária, embora represente redução em relação aos fumantes de 2001, que chegavam a 31,9% da população. A pesquisa, ainda não divulgada totalmente, observou esse hábito em duas a cada dez mulheres e em três a cada dez homens. O grosso do vício está na faixa etária entre 40 e 50 anos, enquanto 17% dos adolescentes de 13 a 15 anos consomem cigarros. E, apesar das restrições e campanhas educativas, mais de 50% da população está exposta à fumaça em casa, no trabalho ou locais públicos, disse Varona.

Cuba proíbe fumar em espaços públicos fechados, no transporte público, em instituições educativas, de saúde e esportivas, desde que em 2005 entrou em vigor o Acordo 5.570 do Comitê Executivo do Conselho de Ministros. Também é proibida a venda de cigarros e tabaco – em mãos estatais – para menores de 18 anos e se estabelece que devem estar sinalizadas as áreas de fumantes e não fumantes nos centros.

“Antes dessa lei, a situação era muito pior. Havia quem sem mais nem menos acendia um cigarro em meio a uma reunião”, disse Raquel León, de 51 anos que há 30 trabalha em repartições estatais. A contadora da província de Mayabeque, vizinha à capital, afirmou que não permite “que entrem fumando em meu escritório. Com jeito, faço uso do meu direito”.

Outro lado do problema é destacado pela professora universitária Ileana García, de 27 anos. “Há sempre gente indisciplinada, mesmo nos lugares onde é proibido fumar, como ônibus, corredores de hospitais e clínicas, porque costumam ficar impunes”, opinou. A seu ver, é necessário criar mais espaços livres de fumaça e aumentar o controle e a exigência para mantê-los amparados pela lei. Atualmente, acrescentou, só se tem ambientes sadios “quando não há nenhum fumante, como acontece no meu trabalho”.

As baforadas ocorrem uma após outra em restaurantes, bares, pubs, discotecas e centros noturnos de Cuba, porque a norma não cobre esses estabelecimento, segundo o Informe sobre Controle do Tabaco para a Região das Américas, realizado em 2013 pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPS).

Menos da metade da população da América está protegida da exposição à fumaça de tabaco em lugares públicos e de trabalho fechados. No continente existem 145 milhões de fumantes, 12% do total mundial. Apenas 16 países da área exigem advertências gráficas sobre saúde que ocupem pelo menos 50% das superfícies principais dos maços de cigarro. Para Cuba, a OPS indica que os avisos ocupem apenas 30% dessas embalagens.

Algumas advertências locais indicam os danos para o fumante passivo e o efeito contaminante da queima de tabaco, que emite até gases que aceleram o efeito estufa e, portanto contribuem para a mudança climática. Os fumantes também incidem na má qualidade do ar urbano, porque a fumaça acarreta níveis de concentração de partículas contaminantes até dez vezes superiores do que os causados pelas emanações de alguns motores a diesel.

“Há um déficit de políticas mais efetivas na comunicação do bem público. Não é suficiente campanhas antitabaco na televisão, pois muitas são reducionistas, moralistas e chatas”, disse o comunicador social Marcel Luheiro.

O último estudo sistemático do mercado de cigarros em Cuba, divulgado na Revista Cubana de Saúde Pública, mostra que o consumo por pessoa aumentou 4,8% em 2013 com relação a 2012. Sua autora, Nery Suárez, garante que esse aumento “poderia ser tomado como indício de uma nova tendência crescente” e propõe “aumentar os preços em proporções que regulem a demanda”.

Dessa forma é reavivado um antigo paradoxo do Estado cubano, apontado por especialistas. As autoridades fornecem gratuitamente todos os serviços de saúde à população local, inclusive contra o tabagismo, cujos custos correm por conta dos cofres públicos, minguados pela crise econômica que persiste desde 1991. Por outro lado, fortalecem a indústria do tabaco, sob controle do Estado, que é o terceiro item de exportação do país, um problema qualificado de sensível porque muitas famílias dependem do cultivo e processamento da folha de tabaco. Envolverde/IPS