Arquivo

Professores e alunos de Camarões fogem da violência do Boko Haram

Refugiados nigerianos em Mora, Camarões, após fugirem dos ataques armados do Boko Haram, em setembro de 2014. Foto: D. Mbaoirem/Acnur
Refugiados nigerianos em Mora, Camarões, após fugirem dos ataques armados do Boko Haram, em setembro de 2014. Foto: D. Mbaoirem/Acnur

 

Maroua, Camarões, 16/1/2015 – “Prefiro renunciar a trabalhar em um lugar como esse”, respondeu um professor quando questionado sobre se aceitaria um emprego na região do Extremo Norte de Camarões. James Ngoran não é o único professor que rejeita se mudar para essa zona de conflito armado, fronteiriço com a Nigéria, onde se concentra o grupo extremista nigeriano Boko Haram para realizar seus ataques à isolada região.

“Muitos professores destacados ou enviados para a região do Extremo Norte simplesmente não ocupam seus postos. Todos temem por suas vidas”, afirmou Wilson Ngam, funcionário da Delegacia Regional para a Educação Básica. De fato, mais de 200 docentes se negaram a trabalhar na região em 2014, acrescentou.

As incursões do Boko Haram no Extremo Norte provocaram um ciclo de medo e incerteza que levou professores e professoras a resistirem a cumprir suas responsabilidades e obriga os trabalhadores locais a pagar subornos para escapar da “zona da morte”.

O líder do Boko Haram, Abubakar Shekau, ameaçou Camarões em um vídeo divulgado no dia 5 deste mês no YouTube, e advertiu que o país sofrerá a mesma sorte da vizinha Nigéria. Ele dirigiu sua mensagem diretamente ao presidente camaronês, Paul Biya, no contexto dos reiterados enfrentamentos entre os insurgentes e as forças militares no Extremo Norte. Em setembro foi divulgado que Shekau havia sido abatido por militares do Camarões, versão que logo se mostrou infundada.

Na medida em que o grupo nigeriano intensificou os ataques contra o território camaronês, o governo teve que fechar mais de 130 escolas, apontou Mounouna Fotso, alto funcionário do Ministério da Educação Secundária. A maioria dos centros de ensino se encontra em Mayo-Tsanaga, Mayo-Sava, Logone e Chari, zonas fronteiriças com a Nigéria, país a partir do qual os extremistas lançam seus ataques.

“O governo teve que fechar temporariamente as escolas e realocar os estudantes e professores. As vidas de milhares de alunos estão em perigo enquanto o Boko Haram continuar seus atraques. Não podemos arriscar as vidas das crianças”, afirmou Fotso. “Perdemos estudantes cada vez que se ataca um povoado, ainda que a vários quilômetros daqui”, afirmou Christophe Barbah, diretor escolar da localidade de Kolofata, em entrevista à imprensa.

O fechamento de escolas e o trauma psicológico experimentado por docentes e alunos fazem temer que não se possa cumprir na região do Extremo Norte o segundo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que estabelece o acesso universal à educação primária até o fim de 2015.

Governo e sociedade civil concordam que esse objetivo pode ser alcançado no sul do país, mas a taxa de 49% de matrícula escolar alcançada no Extremo Norte, em comparação com a média nacional de 83%, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), indica que ainda há muito por fazer.

Mahamat Abba, morador de Fotocol com quatro filhos que frequentavam uma das três escolas públicas da cidade, fugiu com toda sua família para Kouseri, na fronteira com o Chade. “Olhei para meus filhos e minha linda mulher e percebi que uma bala ou bomba poderia atingi-los a qualquer momento. Tivermos que fugir para um ambiente mais seguro. Mas começar uma vida nova aqui é um pesadelo, tendo abandonado tudo”, contou à IPS.

Alhadji Abakoura, de Amchidé, afirmou que a região praticamente se converteu em um povoado fantasma. “A cidade tinha seis escolas primárias e um jardim de infância. Todos fecharam”, afirmou. Na medida em que alunos, seus professores e pais se mudam para áreas mais seguras, aumenta a pressão sobre as escolas, que devem receber novos estudantes sem fundos adicionais.

O Unicef informa que a participação escolar de meninos chegou a 90% em 2013, enquanto a de meninas alcança 85% ou menos. Mas a taxa é muito inferior no Extremo Norte. Segundo o governamental Instituto Nacional de Estatística, a alfabetização é inferior a 40% na região do Extremo Norte, de 40% a 50% na do Norte, e de 60% a 70% no Estado norte-central de Adamawa.

“Muitos são obrigados a acompanhar as aulas das janelas das salas, porque o espaço para sentar no interior é muito limitado”, explicou Ahmadou Saidou, aluno da escola secundária pública de Maroua. O jovem escapou de Amchidé em setembro, quando dois estudantes e um professor morreram em um ataque. Antes se sentavam três alunos em cada banco, agora são seis, acrescentou.

“É um tema de grande preocupação”, disse Mahamat Ahamat, delegado regional para a educação básica. “Em circunstâncias normais, cada sala deveria ter no máximo 60 alunos. Mas agora estamos em uma situação em que uma única sala chega a ter mais de 130”, acrescentou. “Estamos recolocando os professores que fogem das zonas de risco e enviando-os para as escolas para onde fugiram os estudantes. Esses ataques estão freando muito as coisas”, destacou.

O Boko Haram reforçou seus ataques contra Camarões nos últimos anos, matando civis e militares e sequestrando cidadãos nacionais e estrangeiros para pedir resgate. Camarões respondeu à crise com reformas militares e legais. Criou uma quarta região militar no Extremo Norte do país, para que suas forças estejam perto da zona de conflito, bem como para “impulsionar os meios operacionais, tanto em recursos humanos quanto materiais”, explicou o ministro da Defesa, Edgar Alain Mebe Ngo’o.

Os equipamentos militares foram fornecidos por Alemanha, Estados Unidos e Israel, segundo a imprensa. Ngo’o afirmou que Camarões recrutará 20 mil soldados nos próximos dois anos para reforçar a luta contra os insurgentes.

Por sua vez, o parlamento aprovou uma lei antiterrorista em dezembro que pune com pena de morte os culpados de atos terroristas. Mas políticos da oposição, ativistas da sociedade civil e líderes religiosos consideram a lei antidemocrática e temem que seja usada para restringir as liberdades civis. Envolverde/IPS