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Precária paz no estratégico sul da Líbia

Guardas tubu de segurança vigiam um campo de petróleo no sul da Líbia. Foto: Rebecca Murray/IPS

 

Ubari, Líbia, 21/5/2013 – Kaltum Saleh, de 18 anos e pertencente à etnia tubu, contou que durante décadas o regime de Muammar Gadafi (1969-2011) discriminou seu povo que vive no indômito sul da Líbia. Saleh está feliz por terminar o curso secundário, no povoado de Ubari, no Deserto do Saara, perto da fronteira com a Argélia. A discriminação estava institucionalizada, pois este povo não estava registrado segundo a lei de cidadania de 1954.

A campanha de “arabização” lançada por Gadafi para eliminar as culturas e línguas indígenas também trouxe consigo a discriminação dos tubus, muitos dos quais ficaram sem documentos de identidade. Com isto foram privados de assistência médica, educação e trabalho, além de muitas vezes serem obrigados a aceitar empregos com salário baixo ou se dedicar ao contrabando. Com a revolta de 2011 contra o regime de Gadafi, os tubu não demoraram para se unir e ajudar a derrubá-lo, na esperança de concretizar seu sonho: gozar de plenos direitos como cidadãos.

Mais de dois anos depois, Saleh conta com orgulho que seu pai, que foi um guarda de segurança, agora dirige um hospital. Ela mesma espera se tornar advogada especializada em direitos humanos e defender seu povo. “A revolução foi boa para nossa autoestima. Agora me sinto uma cidadã da Líbia”, afirmou, otimista. Mas a revolução não chegou com todos os benefícios esperados pelos tubus. Carecem de suficiente representação no governo, estão em conflito com tribos árabes vizinhas, em parte pelos recursos em um contexto de poder difuso, e ainda há líbios que os consideram “estrangeiros”.

Em sua luta pela igualdade de direitos, os tubus da Líbia se posicionam como guardiões naturais e valiosos da vasta fronteira do sul do país. Os tubus vivem em Ubari, Sebha e Murzuq, no sudoeste, e pelo Saara, quase mil quilômetros até o oásis de Kufra, em direção leste. O deserto, sem nenhum caminho, tem água subterrânea abundante – que é desviada para atender 90% da população da Líbia que vive na zona costeira –, bem como petróleo e minerais preciosos. A região também é abrigo para o contrabando. Saem armas, gasolina subsidiada e alimentos e entram migrantes e drogas.

No começo da revolta de 2011, Gadafi prometeu documentos em ordem para os tubus e os tuaregues líbios, bem como mais direitos, em troca de seu apoio. Os tuaregues apostaram no regime vigente e ficaram do lado perdedor, enquanto os tubus tomaram as armas de Gadafi e, graças à sua experiência no deserto, se puseram contra ele. “Nossos antepassados vieram para cá há centenas de anos. Quando pegamos a areia, mesmo à noite à luz da Lua, sabemos onde estamos”, explicou Ibrahim Abu Baker, um arqueólogo tubu de Ubari.

Os tubus foram proclamados, por seu papel revolucionário, guardiões dos poços de petróleo e da fronteira sul do Líbano. Contudo, com dois representantes entre os 200 membros do atual Congresso Geral Nacional, sua luta pela igualdade de direitos apenas começa. Em 2012, houve fortes enfrentamentos entre grupos tubus e árabes nas cidades de Sebha e Kufra, pelo poder e controle dos recursos, além das rotas de contrabando. Os combates deixaram centenas de feridos e mortos, infraestrutura destruída e maior animosidade entre as etnias vizinhas.

Um muro enorme e uma faixa larga rodeiam Kufra, construída e controlada pela etnia árabe zwei, que divide a cidade com a minoria tubu, vigora um tenso cessar-fogo que não se pode chamar de paz. Em Sebah a situação é um pouco melhor. Os anciãos forjaram em abril um acordo de reconciliação entre os tubus e a tribo árabe awlad suleiman. “Os tubus querem encerrar o capítulo para obter cidadania, saúde e educação”, contou Mohammad Sidi, um dos responsáveis pelas negociações.

Ubari, cerca de cem quilômetros a oeste de Sebha, é o último de uma série de oásis férteis rodeados por dunas antes da fronteira com a Argélia. Dominado pelos seminômades tuaregues líbios, esta área desolada floresceu como destino turístico até a revolução de 2011. Esta cidade é conhecida como parada das supostas rotas de contrabando para o sul, com destino a Mali, bem como por seus lucrativos campos de petróleo. Foi em Ubari que Saif al-Islã Gadafi, filho de Muammar, foi detido quando tentava fugir do país após a queda de Trípoli, a capital líbia.

Os tubus, junto com milícias árabes e tuaregues, mantêm uma preocupante presença no lugar, legitimada e paga no contexto das brigadas da Força Escudo da Líbia, do Ministério da Defesa, e pelas companhias de segurança petroleiras. No momento são a guarda fronteiriça. Enquanto os tubus patrulham livremente a fronteira sul, de Níger ao Egito, os tuaregues controlam o extremo sudeste e a fronteira com a Argélia para o norte, até a cidade de Gadamés.

O conflito em Mali, o ataque terrorista contra o campo de petróleo de Amenas, no sudeste da Argélia, o atentado contra a embaixada da França em Trípoli, e boatos de islâmicos traficando armas e combatentes para o sul aumentaram as tensões na comunidade líbia. “Os líbios estavam muito preocupados quando começou a intervenção francesa no Mali”, disse à IPS um diplomata de um país ocidental que pediu para não ter o nome revelado. “Sua principal preocupação era que os islâmicos, varridos pelos aviões franceses, se refugiassem no espaço sem governo do sul da Líbia. Se preocupavam pelo movimento de grupos extremistas na região”, acrescentou a fonte.

Preocupados por esta situação, a União Europeia, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha começaram a oferecer “assessoria” na consolidação da guarda fronteiriça. “Uma solução de longo prazo para a segurança na fronteira provavelmente incluirá os tubus e os tuaregues, pois conhecem a região e vivem nela”, disse o diplomata. O caótico centro de Ubari está cheio de imigrantes, a maioria de Mali e Níger, que se reúnem à beira dos caminhos com a esperança de encontrar trabalho. Por sua vez, os tuaregues e os tubus, totalmente cobertos com sua roupa típica que os protege do pó, fazem soar as buzinas de suas caminhonetes Toyota. Envolverde/IPS