Arquivo

“Portal climático” não leva a lugar algum

As comunidades pobres costumam ser as mais afetadas por eventos climáticos extremos. Foto: Amantha Perera/IPS

Doha, Catar, 12/12/2012 – As nações ricas foram à conferência sobre o clima da Organização das Nações Unidas (ONU) no Catar com a intenção de atrasar por outros três anos as ações para conter a mudança climática. Este atraso será extraordinariamente caro e perigoso, segundo ativistas. Para cada ano que as emissões contaminantes não são reduzidas, aumenta o custo e diminuem as possibilidades de a temperatura global aumentar menos que dois graus.

“A ciência diz que as emissões devem atingir seu máximo em 2015”, disse Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace International, no encerramento da plenária final da 18ª Conferência das Partes (COP 18) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que terminou no dia 8 na capital do Catar, um dia após o previsto.

As 195 partes da Convenção aprovaram vários documentos chamados “Portal Climático de Doha”, que não aumentam as quantidades de emissões contaminantes que devem sofrer reduções, nem garantem assistência econômica aos países pobres que sofrem agora, ou sofrerão no futuro, o impacto da mudança climática. “Doha é uma traição para as pessoas que estão sofrendo. E é uma entrega do futuro de nossos filhos e netos”, criticou Naidoo.

“A indústria dos combustíveis fósseis venceu”, sentenciou Alden Meyer, diretor de estratégia e política da Union of Concerned Scientists, que participou de quase todas as negociações climáticas nos últimos 18 anos. “A ciência é clara ao afirmar que quatro quintos das reservas conhecidas de combustíveis fósseis devem permanecer debaixo da terra, mas continuamos queimando-os como se não houvesse um amanhã”, acrescentou. “Doha se converteu em uma feira comercial. Os negociadores protegeram os interesses corporativos e não as necessidades das populações”, lamentou Meyer à IPS.

Mais de 16 mil delegados participaram durante duas semanas de reuniões da COP 18 no Catar, país rico em petróleo e gás no coração do Oriente Médio, o império dos combustíveis fósseis. Meyer e outros representantes de mais de 700 organizações da sociedade civil responsabilizaram os Estados Unidos por bloquearem as propostas para reduzir mais as emissões que contaminam a atmosfera.

Além disso, Washington se negou a comprometer um único centavo para ajudar os Estados mais afetados pela mudança climática, embora os negociadores norte-americanos tenham reconhecido que as nações pobres sofrem prejuízos e perdas elevadas.

A temperatura da Terra já aumentou 0,8 grau, o que gerou modificações climáticas e o aumento de eventos extremos que deixaram quase 400 mil mortos e prejuízos que chegaram a mais de US$ 1,2 trilhão por ano, segundo estudo feito em 2011 pela organização independente Dara.

Um delegado de Bangladesh disse à IPS que as perdas por razões climáticas giram em torno de 3% a 4% do produto interno bruto anual do seu país. E acrescentou que a mudança climática, cujos efeitos pioraram com o desmatamento e o uso de terras para a agricultura, afeta o desenvolvimento, e empurrará a economia de seu país e de outros para uma queda sustentada.

Para ajudar os governos a enfrentarem a situação as nações industriais prometeram US$ 100 bilhões ao ano para o Fundo Verde para o Clima até 2020. Contudo, para vencer a brecha até então, os países em desenvolvimento pediram US$ 60 bilhões no total até 2015. Alemanha, Grã-Bretanha e outros poucos Estados prometeram colaborar com US$ 6 bilhões.

No entanto, Canadá, Estados Unidos e Japão, entre outros, só concordaram em continuar conversando no ano que vem. “Os Estados Unidos gastaram US$ 60 bilhões em suas bandas militares”, lamentou Naidoo. “A única esperança é gerar um forte movimento social que obrigue os países a defenderem o interesse público e o das gerações futuras”, enfatizou.

“Temos que criar um novo movimento social como o que aboliu a escravidão”, afirmou, por sua vez, o assessor em políticas de mudança climática Tim Gore, da organização Oxfam Internacional. “Lamentamos o que nossos representantes estão fazendo aqui. Estamos com raiva e com maior fervor para derrotar este processo”, acrescentou.

A dinâmica da COP é um obstáculo porque os países grandes podem bloquear facilmente a vontade da maioria, disse Mohammad Aslam, ex-ministro do Meio Ambiente e negociador chefe de Maldivas. “Os sinais do aquecimento global são óbvios e sabemos que o limite seguro está abaixo de 1,5 grau, e mesmo assim não se age”, afirmou em uma entrevista coletiva. A ONU gastou milhões de dólares nestas negociações que não levam a lugar algum, acrescentou, ressaltando que “o tempo está acabando. Precisamos levar isto a outro fórum”.

Necessitamos um compromisso verdadeiro para reduzir as emissões contaminantes, declarou Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção Marco. “O que mais deve mudar é a vontade política”, afirmou à IPS. Já o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, anunciou em Doha uma cúpula de chefes de governo em 2014 para trabalhar sobre uma redução de emissões para manter o aumento da temperatura abaixo dos dois graus.

O Portal Climático de Doha confirma detalhes para uma nova linha de negociações a fim de contar com um novo tratado climático, que seja ratificado em 2015 e entre em vigor em 2020. Com esse acordo, todos os países estarão obrigados a reduzir os gases-estufa liberados. Sem reduções antes de 2020, as diminuições posteriores deverão ser rápidas e volumosas para avançar rumo a uma sociedade sem emissões de combustíveis fósseis em poucas décadas.

O acordo de Doha inclui uma segunda fase do Protocolo de Kyoto, e União Europeia e Austrália, entre outros países, se puseram de acordo para reduzir suas emissões entre 2013 e 2020, sem fixar novos objetivos, com apenas uma revisão obrigatória das metas em 2014. Porém, as nações envolvidas são responsáveis por apenas 12% das emissões globais, e não incluem os grandes países emergentes, como Brasil, China e Índia.

Os Estados Unidos nunca participaram, enquanto Canadá e Japão optaram por não fazê-lo na segunda etapa. Supõe-se que farão reduções comparáveis, mas não ofereceram nada novo. “Os países ricos acreditam que se protegerão das consequências da mudança climática deixando os pobres sem caminho para o futuro”, disse Mohammad Adow, da Christian Aid. “Nossos dirigentes nos fraudaram. A sociedade civil terá que encabeçar a mobilização para criar o futuro que realmente queremos”, ressaltou. Envolverde/IPS