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Pode-se deter a violência em Honduras?

Pelo quarto ano consecutivo, San Pedro Sula foi um dos lugares mais perigosos do planeta fora de uma zona de guerra. Foto: Daviditzi/Flickr
Pelo quarto ano consecutivo, San Pedro Sula foi um dos lugares mais perigosos do planeta fora de uma zona de guerra. Foto: Daviditzi/Flickr

Washington, Estados Unidos, 25/2/2015 – Honduras é um dos países mais violentos do mundo. A situação na segunda maior cidade do país, San Pedro Sula, demonstra a magnitude do problema. Pelo quarto ano consecutivo, a cidade foi um dos lugares mais perigosos do planeta fora de uma zona de guerra. Em 2014, teve taxa de assassinatos de 171 para cada cem mil habitantes. Presa no fogo cruzado de bandos criminosos, é a principal origem das 18 mil crianças hondurenhas que fugiram para os Estados Unidos nos últimos anos.

A grande maioria dos assassinatos em Honduras é cometida com impunidade. Por exemplo, 97% dos registrados em San Pedro Sula seguem sem solução. A corrupção e os abusos da polícia civil prejudicam sua efetividade. Uma nova e controvertida força de segurança interna, a Polícia Militar da Ordem Pública (PMOP), não realiza as investigações necessárias para dissuadir a criminalidade e enfrenta várias denúncias de abusos no breve período de sua existência.

Atualmente, há três mil soldados da PMOP em todo o país, mas está previsto que esse número suba para cinco mil este ano. A polícia nacional sente que o governo está lhe tirando fundos para substituí-la pela nova força. A ascensão da PMOP é parte de uma tendência maior rumo à militarização do governo e da sociedade civil. Os militares controlam a maior parte da segurança pública em Honduras. Mas os sinais de militarização estão em todas as partes.

Por exemplo, todos os sábados, 25 mil crianças recebem treinamento militar como parte do programa Guardiões da Pátria, que, segundo o governo, busca manter crianças e jovens entre cinco e 23 anos afastados das gangues de rua que controlam áreas inteiras das cidades mais violentas. Mas é pouco provável que a incorporação de mais armas na rua freie de forma sustentável a onda de violência. O que na verdade teria efeito seria o fim do clima de impunidade que permite aos assassinos matar pessoas sem medo das consequências.

“Esse país precisa fortalecer sua capacidade e vontade para realizar investigações criminais. Esta é a chave de tudo”, afirmou um especialista que passou anos trabalhando nos órgãos de justiça hondurenhos e que falou à IPS com a condição de permanecer no anonimato.

O governo tem três desafios fundamentais. Deve reformar a força policial corrupta e abusiva, fortalecer as investigações penais e garantir a imparcialidade e independência do poder judicial. A reforma da polícia parece estar parada. Alguma esperança foi gerada pela grande pressão após os assassinatos, em 2011, do filho da reitora da Universidade Nacional Autônoma de Honduras e um amigo.

A Comissão de Reforma da Segurança Pública elaborou uma série de propostas, entre elas recomendações para melhoria da formação policial, dos procedimentos disciplinares e da estrutura das instituições de segurança pública. Lamentavelmente, o Congresso dissolveu a Comissão em janeiro de 2014, pouco antes de o presidente Juan Orlando Hernández assumir o cargo. Poucas de suas recomendações foram aplicadas.

“Poderiam ter purgado e capacitado a polícia nesse tempo. Ao invés disso, puseram cinco mil policiais militares nas ruas que não sabem o que é uma cadeia de custódia”, lamentou o especialista em violência.

O governo hondurenho afirma que mais de dois mil policiais foram destituídos desde maio de 2012, mas há pouca informação pública que permita uma avaliação independente dos motivos das exonerações. Embora sejam afastados da polícia, os ex-agentes não são processados. Alguns inclusive têm permissão para voltar à força. Essa não é maneira de inculcar responsabilidade.

Enquanto isso, a independência do poder judicial está sob ataque. Desde novembro de 2013, o Conselho de Justiça demitiu 29 juízes e suspendeu outros 28 sem o devido processo, segundo um membro da Associação de Juízes pela Democracia. “Isso significa que os juízes se sentem intimidados. Sentem que se decidirem contra pessoas com boas ligações, contra os políticos, podem ser demitidos”, acrescentou.

Na tentativa de melhorar o trabalho judiciário foram criadas unidades especiais para investigar determinados tipos de crimes. Por exemplo, com fundos dos Estados Unidos, em 2011 criou-se o Grupo de Trabalho para Vítimas Especiais, para tratar dos crimes contra grupos vulneráveis, como jornalistas, defensores dos direitos humanos e pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans. Essa iniciativa é promissora, mas sem resultados claros até agora. Tampouco se sabe se esses esforços especializados podem gerar uma melhoria mais ampla do sistema judiciário.

A segurança dos agentes judiciais é um problema particularmente grave. Entre 2010 e 2014, foram assassinados 86 profissionais do direito, segundo informação recebida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CDHI). Embora o Estado dê alguma proteção, os fundos destinados para esse fim são insuficientes. Em “um país com os maiores níveis de violência e impunidade da região, se requer por parte do Estado um dever especial de proteção para que seus operadores de justiça possam realizar seus trabalhos de luta contra a impunidade sem se converterem em vítimas dos próprios casos que investigam ou resolvem”, destacou a CIDH.

Para atender os problemas que impulsionam a violência endêmica, o governo de Honduras, junto com os de El Salvador e Guatemala, apresentou o plano Aliança para a Prosperidade, a fim de aumentar o investimento em infraestrutura e fomentar o investimento estrangeiro. O governo norte-americano anunciou que solicitará ao Congresso US$ 1 bilhão para ajudar a financiar a iniciativa, mas pouco se sabe sobre a estratégia de segurança.

Quanto a San Pedro Sula, falta uma mudança drástica na vontade política para que uma iniciativa desse tipo prospere. Os doadores internacionais não deveriam apoiar uma estratégia de segurança militarizada, o que exacerbará os abusos e não dará uma segurança sustentável.

O financiamento de programas comunitários de prevenção da violência seria útil, mas só se o governo estivesse disposto a reformar a polícia, defender a justiça e investir em educação, emprego, prevenção da violência, saúde, proteção da infância e programas de desenvolvimento comunitário para proteger seus cidadãos mais pobres. Envolverde/IPS

* Lisa Haugaard é diretora-executiva da Latin America Working Group (LAWG). Sarah Kinosian é a investigadora principal para a América Latina da Security Assistance Monitor (SAM), do Center for International Policy (CIP). William D. Hartung é assessor principal da SAM. Este artigo se baseia em um novo informe conjunto da LAWG e do CIP intitulado Honduras: Um Governo Que Não Protege Seu Povo.