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Pescadores de El Salvador em disputa por recursos minguantes

Venda febril de pescado no Porto de La Libertad, El Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS

 

Puerto de la Libertad, El Salvador, 7/2/2013 – De pé junto à sua lancha, o salvadorenho Víctor Flores, recém-chegado do mar, olhava decepcionado o resultado de seu trabalho de dois dias: dez pescados amontoados no centro da embarcação. “A gente entra no mar contente, pensando que vai trazer comida, mas hoje não quero ir para casa, de vergonha e tristeza”, disse Flores, natural de Puerto de La Libertad, sudoeste de El Salvador, no Oceano Pacífico.

No molhe passavam as lanchas e a atividade era intensa: vendedoras oferecendo mariscos a potenciais compradores, e jovens, de faca na mão, fazendo filés de corvinas e pargos. Enquanto isso, na faixa de beira-mar, músicos octogenários tocavam cúmbias e boleros de antigamente para os frequentadores dos restaurantes. Flores, de 44 anos e pele queimada de sol, recordou à IPS que há alguns anos a mesa familiar sempre tinha bagres, pargos, corvinas ou cavalas. Mas a pequena pesca já não rende o mesmo de antes, disseram à IPS pescadores artesanais de Puerto de La Libertad e de outras áreas costeiras.

Para eles, a escassez tem um responsável: a pesca de arrasto praticada durante décadas por grandes barcos camaroneiros, que “dragam” o fundo marinho e de passagem levam outras espécies e exemplares muito jovens que não terminaram seu ciclo de amadurecimento. Parar com a pesca de arrasto é vital para conservar as espécies marinhas neste pequeno país centro-americano, afirmam especialistas. Contudo, na redução da pesca também influem outros fatores, como a poluição e a mudança climática, acrescentam.

“É uma mistura de motivos, não se pode dizer com certeza que é apenas efeito da sobrepesca”, ponderou Enrique Patiño, presidente da Fundação ProPesca, que busca o aproveitamento sustentável dos recursos aquáticos da América Central e do Caribe. No entanto, é urgente deter a técnica da arrasto, pois tem um impacto imediato, afirmou à IPS.

Tampouco o camarão é abundante como antes. Sua captura caiu 35% entre 2005 e 2011, diz a Análise da Situação da Pesca do Camarão, do Camarão Cultivado e das Espécies Relacionadas às Mesas em El Salvador”, publicado em maio de 2012 pela Organização do Setor Pesqueiro e Aquicultura do Istmo Centro-Americano junto com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Mais preocupante ainda é que “desde 2005 está impossível calcular a biomassa que pode ser pescada do camarão”, afirma o estudo escrito por Lilián Orellana. “A falta de monitoramento de pesquisas e de estimativa dos reservatórios da espécie dificultam a determinação dos estoques existentes”, destaca. A queda nas capturas coloca em dúvida a capacidade de alimentação de 128 comunidades costeiras, espalhadas em um litoral de 321 quilômetros.

O pescado é parte essencial da dieta de aproximadamente 28 mil pescadores artesanais e de suas famílias, e também dos que se dedicam a atividades vinculadas, como o pequeno comércio desse alimento. As pessoas da costa são felizes quando se sentam à frente de um prato de pescado frito, feijões fervidos e um tomate em rodelas, descreveu o pescador Fredy Pérez, de 47 anos. “Em El Salvador, 95% da pesca artesanal é consumida no país”, enfatizou Patiño, por isso que, “naturalmente, é importante para a segurança alimentar”.

O consumo anual de pescado na América Latina e no Caribe é o segundo menor do mundo, depois da África, com apenas 9,9 quilos por pessoa, afirma o estudo O Estado Mundial da Pesca e da Aquicultura, publicado pela FAO. Na América do Norte, por exemplo, a ingesta anual é de 24,6 quilos por habitante. E se a pesca de arrasto não parar, o acesso a essas proteínas de grande qualidade continuará diminuindo. Após uma década de intrigas, em abril de 2011 duas federações de pescadores artesanais conseguiram que o Poder Legislativo estabelecesse uma zona de exclusão de três milhas marítimas para os barcos industriais de pesca de camarões, que utilizam pesca de arrasto.

Em resposta, as empresas reunidas na Câmara Salvadorenha de Pesca e Aquicultura (Campac) apresentaram, em fevereiro de 2012, um recurso de inconstitucionalidade contra a reforma legal junto à Suprema Corte de Justiça. É que a lei “está obrigando as empresas a encerrarem suas operações, porque não é viável que subsistam fora dessa zona”, disse à IPS o presidente da Campac, Waldemar Arnecke.

As capturas menores também são sentidas no setor industrial de camarão . E essa faixa de três milhas representa 61% da área produtiva. Atualmente, enquanto estima-se que existam cerca de 5.800 pequenas embarcações de pescadores artesanais, trabalham apenas 30 barcos da Campac, que argumenta que a lei violenta o princípio da igualdade. “Não se pode dar exclusividade no uso do mar, deixar uns dentro e outros fora”, afirmou Arnecke.

A importância econômica do camarão como produto de exportação também diminui desde a década de 1990 – em favor da nova estrela, o atum –, e com isso o peso da Campac também é menor. O estudo de Orellana estima que o setor gera 175 empregos diretos e 210 indiretos. Segundo Arnecke, as entidades que promoveram a reforma não representam o todo da pequena pesca. A Campac aliou-se à recém-criada Federação de Cooperativas de Pescadores Artesanais da Baía de Jiquilisco, Puerto El Triunfo, que reúne 12 associações, para trabalhar em projetos ambientais nessa região do sudeste do país.

No entanto, filiados à Federação de Associações Cooperativas de Pescadores Artesanais de El Salvador e à Federação de Cooperativas de Produtos e Serviços Pesqueiros de La Paz (Fercoopaz) viajaram até a capital, em janeiro, para apresentarem suas alegações em favor da lei perante os juízes da Suprema Corte. “Defendemos a segurança alimentar e para isso precisamos defender as três milhas”, declarou aos jornalistas o pescador Armando Erazo, presidente da junta de vigilância da Fecoopaz.

Os pequenos pescadores denunciaram que a indústria de camarão viola constantemente a lei, que continua em vigor. Arnecke reconheceu que alguns barcos podem ter incursionado na zona restrita e que as autoridades já têm vários casos registrados. A IPS não pôde confirmar este dado, pois não teve resposta dos funcionários do Centro de Desenvolvimento da Pesca e da Aquicultura, que regula o setor. Envolverde/IPS