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Partidos políticos espanhóis desfiliam a transparência

As ruas centrais de Málaga sentem a condenação dos espanhóis à corrupção no manejo financeiro do próprio governante Partido Popular. Foto: Inés Benítez/IPS
As ruas centrais de Málaga sentem a condenação dos espanhóis à corrupção no manejo financeiro do próprio governante Partido Popular. Foto: Inés Benítez/IPS

 

Málaga, Espanha, 9/8/2013 – O escândalo de corrupção que envolve o governante Partido Popular (PP) da Espanha e o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, coloca em xeque o modelo de financiamento das agrupações políticas. “Os dirigentes políticos espanhóis gozam da mais absoluta impunidade”, disse à IPS o advogado José Cosín, de Málaga, autor do livro Máfia e Corrupção, no qual, já em 2008 – data da publicação –, falava da relação entre a máfia, lavagem de capitais e corrupção política.

Cosín afirmou que hoje na Espanha “há muitos juízes politizados e os tribunais carecem de meios para investigar os partidos”. Segundo a Lei Orgânica 8/2007 de Financiamento de Partidos Políticos, estes são associações privadas com “um sistema misto que de um lado recolhe recursos procedentes dos poderes públicos, em proporção à sua representação parlamentar, e, de outro, as contribuições privadas de pessoas fisicas e jurídicas que não contratem com as administrações públicas e não excedam limites razoáveis”.

O financiamento ilegal dos partidos políticos não está tipificado como crime pelo Código Penal espanhol, mas como infração administrativa, embora seja crime pagar em troca de favorecer a contratação de serviços públicos. Em 2008, os partidos receberam 299,5 milhões de euros (US$ 398,7 milhões) em subvenções públicas para funcionamento ordinário e eleições, 44,7 milhões de euros (US$ 59,5 milhões) em cotas de filiados e contribuição de simpatizantes, e 6,4 milhões de euros (US$ 8,5 milhões) por doações, segundo o último informe do Tribunal de Contas.

O fato de o Tribunal de Contas, máximo órgão fiscalizador dos estados contábeis das formações políticas, acumular atraso de cinco anos facilita que, havendo casos de financiamento irregular, estes acabem prescritos, já que o prazo para iniciar uma investigação é de quatro anos, com estabelece a Lei Orgânica 5/2012, de 22 de outubro de 2012, que reformou a de 2007.

Rajoy anunciou “um conjunto amplo de medidas para lutar contra a corrupção”, como o projeto de lei de transparência, acesso a informação pública e bom governo, “que estará aprovado antes do final do ano”, segundo prometeu ao comparecer ao Parlamento, no dia 1º, para falar das acusações que pesam sobre ele e o PP.

Após negar-se e deixar o cargo, como cobra a oposição, Rajoy rechaçou toda ligação com o escândalo desatado por Luis Bárcenas, durante mais de duas décadas gerente e depois tesoureiro do PP, que denunciou uma suposta contabilidade partidária ilegal no manejo do dinheiro procedente de doações de empresários e pagamento extra aos seus dirigentes. Bárcenas, na prisão desde junho, é investigado por fraude, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

O Plano Nacional de Regeneração Democrática, projetado pelo governo do PP, contempla incluir o crime de financiamento ilegal no Código Penal e na reforma da Lei de Ajuizamento Criminal para agilizar os procedimentos que ajuízam essa prática. “Estou convencido de que a modificação de penas, prazos e procedimentos acabará com a sensação de impunidade que tanto irrita a sociedade espanhola”, afirmou.

Na Espanha, castigada pelos recentes cortes em razão da crise econômico-financeira e um consequente desemprego que chega a mais de 26% dos ativos, se levantam inúmeras vozes que apontam os partidos como as instituições mais afetadas pela corrupção, com pontuação de 4,4 em uma escala de 5 na última consulta do Barômetro Global da Corrupção 2013, divulgado no dia 9 de julho pela Transparência Internacional.

“A opacidade em relação às contas dos partidos políticos propiciou o surgimento de casos como o de Bárcenas”, disse à IPS a porta-voz do novo partido EQUO na cidade de Málaga, Carmen Molina. A ativista entende que não basta a promessa de Rajoy, pois “a cidadania está desencantada porque os políticos não fazem o que dizem, não se consegue avanços nem a adoção de medidas drásticas para acabar com a corrupção”. São necessárias reformas mais amplas, que incluam também modificações na lei eleitoral que favorece o bipartidarismo do PP e do opositor Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), em detrimento das formações minoritárias, pontuou Molina.

José Luís Centella, porta-voz do partido A Esquerda Plural na Câmara dos Deputados, defende a instalação de controles rígidos para garantir a transparência e evitar o financiamento irregular, ao mesmo tempo em que acredita que o Tribunal de Contas “tem muitas limitações e conta com poucos meios” para exercer seu trabalho.

Sobre isso, Cosín alertou que hoje “não sabemos com certeza quanto dinheiro se dá aos partidos políticos e a que é dedicado”. Em sua opinião, o projeto de lei de transparência, aprovado pelo Conselho de Ministros em 27 de julho de 2012, é “insuficiente” e viola o direito de acesso à informação, porque propõe o silêncio administrativo negativo, isto é, se o órgão consultado não responde, entende-se que indefere a solicitação.

“Deve existir a obrigação de as organizações responderem, porque o direito à informação é fundamental”, ressaltou Cosín. Centella afirmou à IPS que A Esquerda Plural defende o financiamento público dos partidos, “limitando ao máximo a capacidade de contribuições privadas” à margem das cotas dos filiados, “onde há maior risco de tráfico de influências”.

A lei de financiamento de partidos aprovada em outubro de 2012 estabelece que todas as doações privadas superiores a 50 mil euros (US$ 66 mil) e as de bens imóveis deverão ser notificadas ao Tribunal de Contas em três meses e que, se esses limites e requisitos forem ultrapassados, poderá haver punição com uma quantia equivalente ao dobro da contribuição ilegalmente recebida. Esta norma coloca limite de cem mil euros (US$ 133 mil) para perdão de dívida dos partidos por parte de entidades de crédito.

Centella criticou que, apesar da bancarrota econômica, disparam os gastos em época de eleições e as campanhas de massa parecem perseguir “mais a venda de um produto” do que propor “um debate de ideias, o que leva a custos milionários” que incitam o financiamento ilegal. O Tribunal de Contas publicou que as últimas eleições gerais, de novembro de 2011, significaram um desembolso superior a 62 milhões de euros, dos quais 41,6 milhões corresponderam ao PP e PSOE juntos. Contudo, Centella acredita que os números são maiores e pede “maior pluralidade” para que, por exemplo, os partidos minoritários possam fazer campanha na televisão pública. Envolverde/IPS