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Paraplégicos do Paquistão aprendem a se valorizar

Mais de duas mil mulheres deficientes físicas recebem tratamento no Centro para Paraplégicos de Peshawar, norte do Paquistão, onde aprendem ofícios para ganhar a vida ao receberem alta. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Mais de duas mil mulheres deficientes físicas recebem tratamento no Centro para Paraplégicos de Peshawar, norte do Paquistão, onde aprendem ofícios para ganhar a vida ao receberem alta. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 26/11/2014 – Quando, no dia 22 de agosto, uma bala perdida, disparada por um integrante do movimento extremista Talibã, se alojou em sua coluna, a paquistanesa Shakira Bibi, de 22 anos, perdeu toda esperança de algum dia ter uma vida normal. Sua família mudou-se apressadamente para o Complexo Médico de Hayatabad, em Peshawar, capital da província de Jyber Pajtunjwa, mas os médicos lhe disseram que ficaria prostrada para toda vida.

Bibi sofreu uma forte depressão, convencida de que sua família a rejeitaria por sua deficiência. Inclusive pensou que não poderia cuidar de sua filha, especialmente porque seu marido pegou tuberculose em 2012 e ela se convertera no único meio de sustento da família. Mas seus temores eram infundados. Atualmente Bibi, que mora na atribulada Agência do Waziristão do Norte, nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), fronteiriças com o Afeganistão, é uma costureira e bordadeira de sucesso e cuida perfeitamente de sua pequena família.

Tudo isso graças ao Centro para Paraplégicos de Peshawar (PPC), o único de seu tipo no Paquistão, onde Bibi realiza tratamento intensivo de fisioterapia. Ela já dá sinais de recuperação, mas isso não é a única coisa que a faz feliz. “Sua verdadeira alegria é o ofício que aprendeu no Centro”, contou à IPS sua mãe, Zar Lajta. “Seu futuro já não nos preocupa”, afirmou.

Segundo o diretor-executivo do PPC, Syed Muhammad Ilyas, a maioria das pessoas que sofre uma lesão na coluna vertebral perde a mobilidade para sempre. “Ao contrário de outros ossos, a coluna não só mantém nosso corpo como protege o tecido nervoso chamado medula espinhal, que conecta o corpo ao cérebro”, explicou à IPS. Se essa conexão for cortada, uma pessoa pode ficar literalmente prisioneira de seu próprio corpo, perder o controle de esfíncteres, bem como o uso das pernas. O aspecto físico desse tipo de lesão é suficiente para afundar o paciente em um profundo desespero.

“Embora não acreditem, 80% de nossos pacientes são arrimo de suas famílias”, ressaltou Ilyas. “Mais de 90% são pobres” ou vivem com menos de US$ 2 por dia, acrescentou. Por isso é tão importante encontrar emprego para esses pacientes quanto submetê-los a um tratamento de fisioterapia que lhes permita recuperar o controle de seus membros.

A maioria das famílias viaja entre cem e 140 quilômetros para chegar ao PPC, um esforço sempre compensado. Além do tratamento e da capacitação, o Centro oferece atendimento psicológico em grupo e individual como forma de ajudar o paciente a recuperar sua dignidade e autoestima.

Esse foi o caso de Muhammad Shahid, de 40 anos, que sofreu uma lesão na coluna no distrito de Swat, província de Jyber Pajtunjwa, em 2008. “Após passar por cirurgia em um hospital estatal, me mandaram para o CPP, onde aprendi a bordar. Agora trabalho em casa e ganho cerca de US$ 300 por mês, com os quais posso educar meus dois filhos e minha filha”, afirmou.

O PPC foi criado em 1979 pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para oferecer tratamento gratuito às pessoas feridas durante a intervenção soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989. Depois, o governo passou a administrar o Centro e abriu várias clínicas nas áreas tribais. O centro é uma benção para milhares de pessoas feridas em enfrentamentos armados entre insurgentes e as forças do governo, as quais desde 2001 lutam para controlar a região montanhosa do Paquistão na fronteira com o Afeganistão.

O diretor-geral dos serviços de saúde de Jyber Pajtunjwa, Wahid Burki, detalhou à IPS que mais de 40 mil pessoas, entre elas cinco mil funcionários de segurança e 3.500 civis, perderam a vida desde 2005. Outras dez mil ficaram feridas. Além disso, aproximadamente 90% das pessoas atendidas no PPC foram feridas em conflitos.

“A maioria dos pacientes tem entre 20 e 30 anos, isto é, integram o setor mais produtivo da população economicamente ativa. Eles chegam ao Centro temendo o pior”, pontuou Burki. Mas todos saem se sentindo integrantes produtivos da sociedade, capacitados para ganhar a vida, apesar de estarem em uma cadeira de rodas. “Cerca de três mil pacientes estão progredindo. Deles, cerca de duas mil são mulheres”, destacou.

Em um país onde a renda média anual é de US$ 1.250, segundo dados oficiais, o custo do tratamento de lesões de medula supera amplamente as possibilidades da maioria das famílias. Em lugares como Estados Unidos ou Europa a reabilitação de um paciente com esse tipo de problema pode chegar a US$ 1 milhão.

Ao oferecer serviços gratuitos e desenvolver equipe e tecnologia de baixo custo, o PPC fecha uma enorme brecha em saúde em um país muito desigual. Ziaur Rehman, administrador do Centro, apontou à IPS que há planos para o PPC se converter em um “centro de excelência” para pacientes com lesões de medula espinhal de todas as partes do mundo nos próximos cinco anos.

Espera-se criar um efeito multiplicador, com os que recebem tratamento no PPC compartilhando o que aprenderam com suas respectivas comunidades. Um exemplo desse desejo é Sahin Begum, de 24 anos, que agora dirige sua própria oficina de bordado no distrito de Hangu, em Jyber Pajtunjwa. Imobilizada por uma lesão de coluna em 2011, recebeu um tratamento rigoroso, ao mesmo tempo em que aprendia computação e pintura de telas. “Agora ensino as técnicas a outras mulheres do meu bairro e meus filhos frequentam uma boa escola”, contou com satisfação. Envolverde/IPS