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Paradoxal candidatura saudita ao Conselho de Direitos Humanos

A segurança das mulheres sauditas depende da boa vontade de seus guardiões homens. Foto: Rebecca Murray/IPS
A segurança das mulheres sauditas depende da boa vontade de seus guardiões homens. Foto: Rebecca Murray/IPS

 

Nações Unidas, 5/11/2013 – A monarquia da Arábia Saudita adotou a histórica decisão de permitir o voto das mulheres a partir de 2015, mas ao mesmo tempo endurece os controles para impedir que dirijam automóveis. A incongruência foi ilustrada com ironia em uma charge publicada em um jornal. Nela se mostra um grupo de mulheres vestidas com burca fazendo fila para votar em Riad e um agressivo funcionário que lhes diz: “Temos um pequeno problema. Precisamos de sua carteira de motorista como identificação”.

O único país do mundo onde as mulheres não têm permissão para dirigir se apresenta como candidato a uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), com sede em Genebra, para o período de três anos a partir de 2014. As eleições para as quatro vagas no grupo da Ásia Pacífico estão previstas para o dia 12 deste mês na Assembleia Geral da ONU, e os cinco candidatos são China, Jordânia, Maldivas, Vietnã e Arábia Saudita.

Desde que Riad rejeitou, no mês passado, sua designação para um posto não permanente no Conselho de Segurança, começou a se especular se poderia ocorrer o mesmo com relação ao Conselho de Direitos Humanos, de 47 membros. Porém, Adam Coogle, da organização Human Rights Watch (HRW) disse à IPS: “Nossa equipe em Genebra fez consultas e ao que parece ninguém ouviu que a Arábia Saudita vai rejeitar o posto. Obviamente isso não significa que não possa ocorrer, mas não podemos fazer comentários sobre esse ponto”.

Suad Abu-Dayyeh, da organização Equality Now, afirmou à IPS que a Arábia Saudita, como muitos outros países, necessita de melhoras substanciais para proteger os direitos humanos, em particular das mulheres e meninas. “Os abusos contra direitos humanos fundamentais, como a falta de uma idade mínima para casamento e a proibição de as mulheres dirigirem, estão bem documentados e são muito prejudiciais”, acrescentou.

Todos os dias a segurança das mulheres sauditas depende da boa vontade de seus guardiões homens, que limitam sua liberdade de movimento. Isso precisa mudar de forma urgente, destacou Abu-Dayyeh. Há sinais de que a Arábia Saudita deu passos na tentativa de atender essa situação, mas deve fazer muito mais, insistiu. “Exortamos o reino a aproveitar todas as oportunidades para avançar para uma mudança no trato com as mulheres e meninas”, pontuou.

Há duas semanas, centenas de mulheres desafiaram o governo saudita dirigindo automóveis pelas ruas do país. Segundo informações, a polícia deteve várias e as exortou a não pegarem novamente no volante. O xeque Mohammad al Nujaimi, clérigo muçulmano saudita, advertiu que a campanha pelo direito das mulheres dirigirem poderia arruinar casamentos, diminuir a taxa de natalidade, propagar o adultério, causar acidentes de trânsito e gerar um “gasto excessivo em produtos de beleza”.

O Exame Periódico Universal, ao qual o Conselho de Direitos Humanos submete cada país membro da ONU, colocou, na semana passada, a situação da Arábia Saudita sob foco. Coogle se queixou de que a contribuição de Riad para essa investigação foi mínima. Apenas entregou algumas declarações preparadas que não correspondiam às detalhadas críticas que foram feitas. “A Arábia Saudita considerou o Exame Periódico como uma obrigação diplomática de rotina, não como uma oportunidade para se comprometer com uma reforma que precisa urgentemente”, afirmou.

A HRW descreveu em um comunicado uma lista de violações de direitos humanos cometidas por esse país. Nesse ano, Riad já condenou sete ativistas da sociedade civil por crimes como “tentar distorcer a reputação do reino”, “quebrar a fidelidade em relação ao governo”, e “criar uma organização não autorizada”.

Joe Stork, subdiretor da HRW no Oriente Médio, apontou que, embora haja problemas em muitos países, “a Arábia Saudita se destaca por seus graus de repressão extraordinariamente altos e por não cumprir suas promessas junto ao Conselho de Direitos Humanos”. Ele acrescentou que, “em particular, deve melhorar seu arbitrário sistema penal, abolir a prática da tutela masculina sobre as mulheres e anular os aspectos discriminatórios de seu sistema relacionado aos trabalhadores estrangeiros, que os deixam vulneráveis ao trabalho forçado”.

Riad tampouco adotou as recomendações que recebeu durante a última revisão do Conselho de Direitos Humanos, em fevereiro de 2009. A HRW insiste que a Arábia Saudita deve assinar e ratificar tratados e os principais acordos da ONU. Estes são Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares.

Hillel Neuer, diretor executivo da organização UN Watch, com sede em Genebra, ilustrou desta forma o paradoxo diante do qual se encontra a ONU: “Investir na Arábia Saudita como juiz mundial dos direitos das mulheres e da liberdade religiosa seria como designar um piromaníaco como chefe dos bombeiros”. Envolverde/IPS