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Papa alimenta ilusões de um catolicismo ecologista

Mulheres indígenas retirando água de um poço no município de San Cristóbal de las Casas, Chiapas, México. Foto: Mauricio Ramos/IPS

 

Buenos Aires, Argentina, 25/3/2013 – O fato de o novo papa ter escolhido o nome de Francisco, em homenagem ao santo que a Igreja Católica proclamou patrono da ecologia, desperta todo tipo de ilusão em ambientalistas e crentes preocupados pelo consumismo e pela deterioração do planeta. Em 1970, o papa João Paulo II proclamou São Francisco de Assis (1181/1182-1226) padroeiro dos cultivadores da ecologia.

Em sua homilia de entronização como papa Francisco, no dia 29, o argentino Jorge Bergoglio se referiu ao respeito pela natureza que professava o santo de Assis do qual emprestou o nome, e exortou os que ocupam postos de responsabilidade a “proteger a criação” e serem “guardiões do outro (ser humano) e do meio ambiente”.

“É muito bom que um líder mundial tome esse tema como prioridade”, disse à IPS o diretor da Fundação Vida Silvestre da Argentina, Diego Moreno. “Com a força que tem a Igreja, a questão ambiental ser parte do discurso do papa é muito importante porque fará com que mais gente se comprometa”, acrescentou.

Na América Latina e na África “os problemas ambientais estão muito vinculados à pobreza, na qual vivem as populações mais vulneráveis à mudança climática e à degradação do solo”, aapontou Moreno, lembrando, ainda, que há outros assuntos nos quais o papa “pode ser um aliado”. O consumo excessivo, “vizinho do desperdício”, tem um grande impacto nos recursos naturais. Os ambientalistas e o episcopado latino-americano coincidem em suas críticas ao consumismo e na exortação por um estilo de vida mais austero.

A homilia papal está em linha com as recomendações do Documento Conclusivo de Aparecida, adotado em 2007 nesta cidade do interior de São Paulo pela V Conferência Geral do Episcopado latino-americano e do Caribe. Bergoglio, eleito papa no dia 13 deste mês, presidiu o comitê redator desse texto. Nele são criticadas as indústrias extrativistas internacionais e a agroindústria por não respeitarem direitos econômicos, sociais e ambientais das populações locais, e questionadas a introdução de organismos geneticamente modificados (ou “manipulados”, segundo o texto), pois não contribuem para combater a fome nem para um desenvolvimento rural sustentável.

O documento destaca a riqueza da flora e da fauna e a diversidade social da região, reivindica o conhecimento tradicional indígena, “apropriado ilicitamente” pela indústria farmacêutica, e exorta pela preservação da Amazônia como parte de “uma herança gratuita que recebemos para proteger”. O chamado para preservar o meio ambiente “é um aspecto pouco conhecido” do documento de Aparecida, disse à IPS o doutor em ciências físicas, Pablo Canziani, encarregado da Área Ambiental do Departamento de Laicos da Conferência Episcopal Argentina.

As questões ambientais não foram preocupação tradicional do catolicismo até ganharem relevância por seus vínculos com o desenvolvimento humano, reconheceu Canziani, integrante do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática. (IPCC). “Os que mais sofrem a mudança climática, a desertificação ou o desperdício de alimentos são os mais pobres”, afirmou o cientista, que integrou como assessor várias delegações do Vaticano a conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre pobreza, meio ambiente e alimentação.

O certo é que em Aparecida os bispos destacaram que na América Latina e no Caribe a natureza “é frágil e indefesa diante de poderes econômicos e tecnológicos”, e reclamaram que “sobre os recursos naturais não predominem interesses de grupos econômicos que arrasem irracionalmente as fontes de vida”. Quanto a orientações, o texto propõe “educar para um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias”, ampliar a presença pastoral em populações ameaçadas por atividades depredadoras e buscar “um modelo de desenvolvimento alternativo, baseado em uma ética que inclua a ecologia”.

João Paulo II (1978-2005), além de consagrar São Francisco como padroeiro da ecologia, foi o primeiro pontífice a colocar estes temas na agenda da Igreja Católica, segundo o padre Luis Scozzina, diretor do Centro Franciscano de Estudos e Desenvolvimento Regional. O Centro foi criado, no contexto da Universidade Católica Argentina, “para proporcionar a difusão e a pesquisa sobre questões relativas à problemática ambiental”, conforme explica em seu site.

O cuidado da criação é um dos eixos da espiritualidade franciscana, destacou Scozzina à IPS. O novo papa “é o jesuíta mais franciscano que conhecemos”, porque além de uma inclinação intelectual própria dos jesuítas, tem o estilo de vida austero e próximo dos pobres que caracteriza um franciscano, acrescentou. “Francisco colocará a crise ecológica bem no topo da agenda. E o fez em sua homilia, quando falou do cuidado nas três dimensões, de si mesmo, do outro e da criação. Com o outro se refere aos mais pobres, que são os mais prejudicados pelas consequências da deterioração ambiental”, explicou.

O sacerdote acrescentou que “até os mais oportunistas alertam que caminhamos para uma progressiva destruição e, diante disso, na Igreja propomos uma ética da sobriedade, uma mudança que deve vir do estilo de vida, que supere esta ânsia desenfreada pelo consumo”. Scozzina recordou que em Aparecida foi proposta a necessidade de uma mudança no modelo de produção. “Na América Latina isso merece uma reflexão. Continuaremos com o modelo extrativo dos recursos naturais?”. Esse é o debate que deve ser proposto, afirmou. Envolverde/IPS