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Palestinos vislumbram justiça junto ao Tribunal Penal Internacional

Sahar Baker (esquerda), com Ahed Baker e sua cunhada (centro), com fotos dos quatro primos mortos pela artilharia israelense em 2014 enquanto jogavam futebol na praia de Gaza. Foto: Khaled Alashqar/IPS
Sahar Baker (esquerda), com Ahed Baker e sua cunhada (centro), com fotos dos quatro primos mortos pela artilharia israelense em 2014 enquanto jogavam futebol na praia de Gaza. Foto: Khaled Alashqar/IPS

 

Gaza, Palestina, 4/3/2015 – “A vida perdeu todo o sentido para mim depois da morte do meu filho. Nunca perdoarei quem provocou a dor em seu pequeno corpo. Chamo todos que possam ajudar a estar do nosso lado para conseguir justiça e punir os que mataram meu filho”, disse a palestina Sahar Baker.

Com o rosto banhado em lágrimas e soluçando, ela recordou os últimos momentos de seu filho Ismail, morto aos dez anos, junto com três de seus primos, quando os canhões israelenses dispararam contra eles enquanto jogavam futebol na praia, durante os bombardeios de Israel contra Gaza, em julho do ano passado.

A justiça que Sahar pede pode estar mais próxima, agora que o governo da Palestina vai se incorporar formalmente ao Tribunal Penal Internacional (TPI), que cuida dos crimes de guerra, genocídio e lesa humanidade.

O presidente palestino, Mahmud Abbas, assinou o Estatuto de Roma, o tratado de fundação do TPI, no último dia de 2014, em um ato solene em Ramalá, uma vez que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) rejeitou a tentativa palestina de fixar um prazo para Israel encerrar a ocupação dos territórios que capturou em 1967.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, informou que os palestinos se incorporarão formalmente ao TPI em 1º de abril. Mohamed Shtayeh, membro do comitê executivo da Organização para a Libertação da Palestina, disse que nesse dia será apresentada uma primeira queixa contra Israel perante o tribunal pelos bombardeios israelenses contra Gaza em 2014 e pela atividade nos assentamentos de colonos israelenses.

A integração palestina ao TPI “proporciona uma oportunidade para apresentar o uso da força de Israel baseada na ocupação e nos crimes contra o povo e a terra da Palestina, já que antes não tínhamos a capacidade de processar Israel”, afirmou o ministro das Relações Exteriores palestino, Riad Al-Malki, durante uma visita ao Brasil para a cerimônia de posse da presidente Dilma Rousseff, em janeiro.

A família de Baker, que vive em um acampamento junto à praia de Gaza, espera que a adesão palestina ao TPI prepare o caminho para processar de governantes a oficiais das forças armadas israelenses pelos crimes cometidos.

O primo de Sahar, Ahed Baker, pai de Zakaria, de dez anos, e avô de Ahed Atif, de nove, compartilha sua dor e amargura. Ainda busca a maneira de levar a julgamento o exército israelense pelas mortes de seu filho e seu neto, dois dos quatro primos que morreram na praia.

Baker afirmou à IPS que ele e sua família farão todo o possível para garantir que seu caso chegue ao TPI. “Não esqueceremos como mataram a sangue frio nossos filhos sem motivo algum. Esperamos que os comandantes do exército de Israel sejam julgados pela justiça internacional e punidos por tê-los matado”, ressaltou.

Há muito tempo, os líderes palestinos empregam a carta de sua adesão ao TPI como forma de pressionar o governo de Israel em sua tentativa de consolidar o Estado palestino. Porém, além de seus benefícios políticos e jurídicos, essa adesão trouxe graves consequências para os palestinos.

Israel já suspendeu a transferência à Autoridade Palestina de fundos fiscais arrecadados. Esse dinheiro se destina, em geral, aos salários dos funcionários públicos palestinos e aos gastos operacionais do governo em Gaza e Cisjordânia. A suspensão complica o funcionamento governamental e prejudica o setor público na Palestina. Israel também indicou que em breve tomará mais medidas “preventivas” contra os palestinos em consequência de sua adesão ao TPI.

Várias organizações da sociedade civil palestina, incluído o Centro Al Mezan pelos Direitos Humanos, trabalham contra o relógio para reunir documentação sobre os numerosos casos de civis que morreram devido aos bombardeios israelenses em 2014, para que o TPI investigue os crimes de guerra em Gaza e responsabilize Israel.

“Durante os longos anos de ocupação não houve igualdade para as vítimas civis, e isto, segundo meu ponto de vista, foi a principal razão pela qual Israel travou três guerras em menos de cinco anos. Na verdade, é devido à ausência de justiça e à ideia de que a ocupação é imune à prestação de contas”, afirmou Issam Younis, diretor do Centro Al Mezan. “Recorrer ao TPI trará justiça às vítimas mediante a justiça internacional e garantirá que não se repitam os crimes da ocupação” sem que os responsáveis respondam por seus atos, acrescentou.

Segundo os defensores dos direitos humanos palestinos, a adesão ao TPI implica dois propósitos superpostos. Para o povo, especialmente o de Gaza, abre-se uma porta importante para a consecução da justiça e também ajuda a penalizar todo o aparato da ocupação israelense e suas atrocidades.

Para os dirigentes palestinos, por outro lado, busca fortalecer a condição política, jurídica e diplomática da Palestina no plano internacional e pressionar Israel para aceitar a criação de um Estado palestino independente nas futuras negociações.

O que inspira as duas metas é o desejo histórico de justiça e proteção reais, e somente o tempo dirá se o TPI poderá cumprir ambas. Envolverde/IPS