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Pacientes de câncer no Peru contam com Esperança

Claudia Alvarado, entre seus pais e seus esmaltes coloridos, que junto com o Plano Esperança a ajudam a enfrentar o tratamento contra a leucemia. Foto: Milagros Salazar/IPS
Claudia Alvarado, entre seus pais e seus esmaltes coloridos, que junto com o Plano Esperança a ajudam a enfrentar o tratamento contra a leucemia. Foto: Milagros Salazar/IPS

 

Lima, Peru, 3/4/2014 – Tem suas pequeninas unhas dos pés e das mãos pintadas com esmaltes de cores alegres, que contrastam com o cinzento caminho que percorreu. Claudia, de quase sete anos, teve de encarar desde os três uma leucemia, que enfrentou com a ajuda de um programa estatal contra o câncer no Peru: o Plano Esperança. Como no resto da América, o câncer é a segunda causa de morte neste país, atrás das enfermidades cardiovasculares.

No Peru, com 30,5 milhões de habitantes, a cada ano morrem vítimas dessa doença 107 pessoas em cada cem mil habitantes, e são diagnosticados 45 mil novos casos, segundo o Ministério da Saúde. Estima-se que 157 em cada cem mil habitantes sofrem de câncer no país. Para reverter esses dados e o elevado custo do tratamento da doença, o Peru lançou, em novembro de 2012, o Plano Esperança, destinado a melhorar a atenção integral ao paciente de câncer e garantir os serviços oncológicos, principalmente para pessoas com menos recursos econômicos.

A história de resistência da menina Claudia se entrecruza com a criação do Plano Esperança. Ela teve diagnosticado câncer no sangue, ou leucemia, em junho de 2010. Desde então suportou exames, tratamentos, dores, uma vida precoce de privações, sem escola, sem amigos, mas com viagens esgotantes entre hospitais de Lima, a capital, e seu departamento de origem, La Libertad, ao norte.

A garota vivia em Santa Rosa, um povoado de agricultores de arroz. Dali, descreveu à IPS sua mãe, Ivon Sánchez, é preciso atravessar “três povoados mortos” para chegar, em uma viagem de uma hora de ônibus, a algum hospital da cidade de Chepén. Daí, Claudia passou a um hospital em Chiclayo, capital do departamento de Lambayeque, também ao norte, e dali para Lima, no Instituto Nacional de Enfermidades Neoplásicas, todos de saúde pública.

Nesse centro enfrentou um tratamento severo, coberto totalmente pelo estatal Fundo Intangível Solidário de Saúde (Fissal), que financia o tratamento de doenças de alto custo, como câncer, dos inscritos no Seguro Integral de Saúde (SIS), também estatal, que atende peruanos que comprovem estar em baixíssimo grau de pobreza, como a família de Claudia.

No dia 3 de janeiro de 2012, a menina apresentou uma recaída. Sua mãe lembra que caiu em tristeza e raiva porque sabia que a palavra “recaída” podia ser eufemismo para uma viagem sem retorno. Só restava como opção o transplante de medula óssea. Os exames mostraram que o irmão de Claudia, Renzo, de 12 anos, não era compatível como doador. “Pensávamos que tudo estava acabado”, contou a mãe.

Entretanto, em novembro de 2012, o governo lançou o Plano Esperança e, nesse mesmo ano, o SIS e o Fissal assinaram convênios internacionais com dois hospitais dos Estados Unidos para fazer transplantes de medula óssea em crianças que não respondem à quimioterapia ou apresentam recaídas. Claudia foi submetida ao transplante em 6 de setembro de 2013 no Children Hospital, em Miami. A operação durou oito horas e foi seguida por 28 dias de febre alta, que chegava aos 40 graus.

A menina resistiu e chegou a Lima com sua mãe em dezembro. Desde então segue em frente, entre sorrisos e esmaltes de cores vivas, em sua casa alugada em um populoso bairro no sul da capital, onde a IPS a visitou. A família se mudou para esta cidade para estar junto dela, e o pai, Fortunado Alvarado, trocou seu trabalho de peão em uma fazenda pelo de taxista para fazer frente às despesas.

Esperam que passem os 200 dias críticos depois da operação, sem brincadeiras que agitem seu delgado corpo de 18 quilos e sem contato com outras crianças para evitar doenças. A garota toma os medicamentos com disciplina e alterna o sabor de balas de limão com o comprimido mais amargo para passar esse mau momento.

Até o final de 2013, o Plano Esperança registrou 57.531 pessoas beneficiadas, mediante investimento público de US$ 6,4 milhões. O plano também inclui campanhas universais para prevenir e diagnosticar a doença. Também foram feitas 600 mil avaliações precoces para detectar o câncer e três milhões de pessoas receberam aconselhamento em todo o país, informou à IPS o oncologista Diego Venegas, coordenador do Plano Esperança.

“O importante é proporcionar às pessoas tratamentos completos, que possam concluir a terapia para salvar suas vidas”, ressaltou Venegas. Entre as pessoas diagnosticadas, 75% costumam ter a doença em fase avançada, por isso o Plano incorporou o atendimento em domicílio. Em sua parte de tratamento, Venegas explicou que o Plano é destinado inicialmente aos quase 13 milhões de beneficiários do SIS.

As neoplasias mais comuns cobertas pelo Fissal são as de colo de útero, mama, cólon, estômago, próstata, leucemias e linfoma. Os tipos de câncer não incluídos no Plano também são tratados de forma gratuita para os filiados ao SIS mediante uma contribuição extra. Cada tratamento custa, em média, cerca de US$ 260 mil. No caso de Claudia, os custos do transplante em Miami, a viagem da menina com sua mãe e os seis meses de permanência nos Estados Unidos superaram os US$ 300 mil, aos quais se deve somar o tratamento prévio e posterior de quimioterapias e medicamentos.

Susana Wong, presidente do Clube da Mama do Instituto Nacional de Enfermidades Neoplásicas, viu passar pela organização centenas de pacientes com carcinomas mamários que se beneficiaram do Plano Esperança. “Agora as pessoas têm uma oportunidade para viver porque o tratamento é muito caro. Quando essa doença é diagnosticada, a pessoa pensa que tudo acabou, mas se descobre um programa que pode ajudar, segue em frente e luta”, pontuou à IPS esta mulher que teve câncer de mama em 2006.

O médico Miguel Garavito, chefe do Fissal, destacou que o financiamento estatal é compensado pela quantidade de casos atendidos, principalmente da população mais pobre, e pelo êxito dos transplantes. “O Peru é um dos poucos países no mundo que conta com esta cobertura financeira para o tratamento de câncer”, destacou à IPS.

O Peru ainda está montando um registro mais preciso dos casos de câncer porque só se tem informação das três cidades mais importante: Lima, Arequipa e Trujillo. Além disso, Venegas assegura que é preciso mais pessoal, capacitação para conhecer os avanços no tratamento da doença e maior descentralização na atenção para beneficiar os doentes das províncias.

Nos próximos dias será formada uma comissão multissetorial para enfrentar o câncer desde seus diversos flancos, como melhoria no acesso à água potável e ao saneamento, que tem um impacto direto na doença. Por exemplo, no departamento de Huánuco, onde 70% de seus habitantes carecem de água potável, a morte por câncer gástrico é de 150 pessoas para cem mil habitantes, bem acima da média nacional. Este tipo de câncer, segundo Venegas, está associado à qualidade da água consumida.

O câncer, como problema de saúde pública, merece uma resposta contundente do Estado, ao menos tão forte quanto o caráter da menina Claudia, que passou mais da metade de sua vida enfrentando a doença, aferrada aos seus esmaltes preferidos. Envolverde/IPS