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Os despossuídos da Índia já têm seu Google

Mulheres tribais de Chhattisgarh, na Índia, produzem uma notícia. Foto: Purushottam Thakur/IPS
Mulheres tribais de Chhattisgarh, na Índia, produzem uma notícia. Foto: Purushottam Thakur/IPS

 

Raipur, Índia, 27/11/2013 – A vida de uma comunidade tribal da Índia, esquecida pelo Estado e pelos meios de comunicação, se transformou com uma tecnologia gratuita que lhe permite expressar suas reclamações, fazer denúncias, informar-se e realizar uma série de trâmites, tudo em seus telefones celulares. O povo tribal gond vive nas profundezas da selva, no Estado indiano de Chhattisgarh, e muitos de seus membros são analfabetos.

A nova plataforma de telecomunicações CGnet Swara e a rápida expansão dos celulares nesse país de mais de 1,2 bilhão de habitantes, permitiram aos gonds se fazerem ouvir. Naresh Bunkar, de 38 anos, é um usuário regular. “Computer mein chhappa jata hai” (isso sai escrito no computador), disse, orgulhoso, à IPS, apontando como a CGnet Swara permite que a informação que ele envia como um telefonema seja difundida pela internet. “E não preciso pagar um centavo”, acrescentou Bunkar, um líder tribal em sua região.

O sistema começa a funcionar quando uma pessoa digita o número +91 80 500 68000 e se conecta a um servidor na cidade de Bangalore. Depois deve desligar e aguardar. Em questão de segundos recebe uma chamada e uma mensagem automáticas dizendo para falar após o sinal. Pelo CGnet Swara, Bunkar denunciou que um guarda florestal cobrara suborno de US$ 1 mil de 33 famílias às quais prometia títulos de terra segundo a Lei de Direitos Florestais de 2006.

A notícia se espalhou e, dois meses depois, Bunkar ligou novamente para dizer que o funcionário havia devolvido o dinheiro e pedido desculpas. Outro exemplo da influência do CGnet Swara foi a suspensão de um professor após a denúncia pela rede de que havia roubado dinheiro, móveis e alimentos de uma escola que o governo construíra para a educação de crianças tribais.

Animadas por esses êxitos, as comunidades adotaram a rede CGnet Swara, que literalmente significa A Voz de Chhattisgarh, pois começou nesse Estado, onde 32,5% da população é tribal. A plataforma está se estendendo rapidamente para outras partes desse vasto país para chegar a lugares agora fora do alcance da comunicação moderna.

“Enquanto os Estados indianos se dividiam segundo padrões linguísticos, os gonds da Índia central eram esquecidos”, disse à IPS o ex-jornalista da BBC, Shubhranshu Choudhary. “Não contam nem mesmo com um jornal em sua língua materna, mas a novidade que encontrei ao regressar aqui é que a maioria tem telefone celular”, disse Choudhary, que fez uso dessa observação para criar a CGnet Swara, em 2010.

O sistema funciona em uma região afetada pela insurgência maoísta, cujos habitantes estão frequentemente presos entre a guerrilha e as forças do Estado. Nascido em Chhattisgarh, o criador da rede garante que a instabilidade da região se deve a anos de abandono. “Estamos tentando criar outro modelo de desenvolvimento. Esse sistema de comunicação poderia se converter no Google dos pobres”, apontou o ex-jornalista.

O servidor ao qual se conectam os usuários da CGnet Swara foi criado por Bill Thies, um pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, dos Estados Unidos), que trabalha no Laboratório de Pesquisa da Microsoft em Bangalore, a capital informática da Índia. Com um computador de escritório e um modem, Thies utiliza um software livre chamado Asterisk para gerar dez linhas telefônicas que chamam de forma automática os números de “chamadas perdidas” e depois gravam uma mensagem de dois minutos para a pessoa que iniciou a ligação.

“Embora soe estranho, esse nerd da informática lhe dirá que a tecnologia não é o ingrediente secreto aqui”, comentou Thies. O ingrediente secreto é o singular sistema de redes de comunicação criado por Choudhary, cujos interesses se alinharam aos de Thies para criar essa tecnologia gerada pelos usuários.

Swara tem agora cerca de 400 pessoas que ligam diariamente para o servidor de Thies em Bangalore, seja para ouvir as notícias que estão gravadas ou para registrar as próprias. Cada mensagem é enviada ao moderador, Choudhary, e dele passa para cerca de 50 subeditores voluntários, localizados estrategicamente para realizar uma comprovação cruzada dos fatos e fazer o acompanhamento local.

Os voluntários procedem de um grupo do Yahoo chamado CGnet, criado em 2004 por Choudhary e pelo jornalista Frederick Noronha, de Goa. Os editores voluntários da CGnet verificaram, por exemplo, a exatidão da denúncia de Bunkar sobre a questão do suborno florestal, antes de enviá-la ao diretor de proteção de florestas, que suspendeu o funcionário. A rede e seu site inclusive ajudam as pessoas a terem acesso a um sistema de garantias de emprego rural.

Mas o governo do Estado evita reconhecer seu potencial como sistema paralelo de governança. “Me parece uma fonte efetiva para obter informação e de atender as reclamações das bases. Eu suo de vez em quando”, disse à IPS o secretário-chefe Sunil Kumar, máxima autoridade administrativa do Estado. Porém, ele tem o cuidado de insistir no caráter informal com que a utiliza. Para Choudhary, a rede é uma espécie de jornalismo cidadão que oferece notícias locais para residentes locais, cujos problemas são ignorados pelos grandes meios de comunicação.

A CGnet Swara agora cobre todo Chhattisgarh. Também é popular nos Estados vizinhos de Madhya Pradesh e Jharkhand. A plataforma noticiosa é feita de boca em boca por todo o cinturão tribal de Gujarat, Rajastão, Odisha, Jharkhand e Andhra Pradesh, que Choudhary chama de “zona obscura”. Paradoxalmente, os maoístas ultraesquerdistas, que afirmam lutar pelos marginalizados, ameaçaram Choudhary várias vezes, exigindo que feche a CGnet Swara.

O jornalista, que divide seu tempo entre Nova Délhi e Bopal, diz que os maoístas se sentem ameaçados pelo sistema de notícias, porque deu poder e voz aos seus usuários. A CGnet Swara está evoluindo para uma plataforma de rádio que utiliza uma banda de onda média livre, e Choudhary acredita que os usuários pagarão uma pequena quantia para se inscreverem. Até o momento, funciona com recursos do Fundo das Nações Unidas para a Democracia e da Knight Fellowship, mas busca independência financeira.

Uma rede de consultas de saúde chamada Swasthya Swara, com curandeiros tradicionais que utilizam plantas medicinais, também estará no ar nessa rede. “Estamos ampliando nosso sistema Swara para um portal de voz para dispositivos móveis”, contou Choudhary. “Não há necessidade de uma redação. A geografia é a história”, ressaltou. Para a população tribal da Índia, que soma dezenas de milhões de despossuídos, essa sim é uma boa notícia. Envolverde/IPS