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Órfãos da cidade olímpica

 O recém-reconstruído estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Foto: Governo do Rio de Janeiro CC BY 3.0

O recém-reconstruído estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Foto: Governo do Rio de Janeiro CC BY 3.0

 

Rio de Janeiro, Brasil, 9/7/2013 – Três anos antes dos Jogos Olímpicos, centenas de esportistas desta cidade que será a próxima sede olímpica, em 2016, foram desalojados da única pista pública de atletismo e estão há seis meses sem treinar. As grandes obras para dotar o Rio de Janeiro de infraestrutura para a Copa do Mundo no ano que vem e para as Olimpíadas afetam inclusive esportistas com aspirações de competir em 2016. “Decidiu-se demolir o único estádio público de atletismo do Estado do Rio de Janeiro. E a comunidade esportiva não foi informada com antecedência”, disse à IPS o presidente da federação estadual de atletismo, Carlos Alberto Lancetta.

Lancetta se refere ao estádio Célio de Barros, construído na década de 1970 como parte do complexo desportivo do Maracanã, inaugurado para o mundial de futebol de 1950. O Maracanã se converteu em símbolo do Rio de Janeiro. Hoje vive um processo de privatização, com sua gestão entregue em concessão a uma empresa privada por 35 anos.

Com superfície de 25 mil metros quadrados, o Célio de Barros, que fica dentro do complexo, tem capacidade para nove mil espectadores e uma pista que foi modernizada para os Jogos Pan-Americanos de 2007. As 800 pessoas que utilizavam o complexo como atletas ou alunos de esportes não têm onde treinar, pois as condições da concessão implicam demolir a pista, o parque aquático e uma escola municipal que funciona dentro do prédio.

Vários atletas com aspirações para 2016 tiveram que deixar esse complexo para treinar em outros estádios, lamentou Lancetta. “A cidade olímpica está perdendo seus atletas. A situação é caótica, o atletismo brasileiro agoniza”, ressaltou. Lancetta, que está no mundo do atletismo desde 1962, foi treinador e atualmente preside a federação, afirma que nunca estas disciplinas viveram no Brasil um momento tão mau como o atual. Dos 600 atletas que treinavam aqui, 150 eram de alto nível e alguns competiram nas Olimpíadas de Londres, em 2012.

As alternativas das autoridades e do consórcio que obteve a concessão são a construção de uma pista e um parque aquático novos. Enquanto isso, os atletas foram transferidos para o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, inaugurado em 2007 e entregue em locação por 20 anos ao Botafogo. Contudo, em março as autoridades decidiram fechar o Engenhão por tempo indefinido por encontrar falhas estruturais em sua construção. Para os atletas “sem teto” a solução improvisada foi enviá-los para treinar em parques públicos e instalações militares.

Lancetta afirmou que o fechamento e a demolição do Célio de Barros deveriam ocorrer só depois de estarem prontos o novo estádio olímpico e a piscina. Mas essas obras estarão terminadas apenas um mês antes de começarem os Jogos Olímpicos e 30 meses depois da abertura de uma licitação específica, prevista para agosto deste ano. Trata-se de “um genocídio do esporte olímpico e nada podemos fazer para impedi-lo”. As Olimpíadas estão fazendo um péssimo favor para o esporte brasileiro”, apontou Lancetta.

O dia 9 de janeiro ficou marcado a fogo na memória de muitos ligados a este esporte, quando atletas e treinadores encontraram fechados os portões do complexo Maracanã. A ex-atleta e treinadora Edneida Freire não conseguiu entrar na pista nem para recuperar o material que utilizava nas atividades com crianças, adolescentes e pessoas doentes e que têm, entre outros fins, descobrir novos talentos. “Nos desalojaram. Nem mesmo fomos avisados. Chegamos um dia e o portão estava fechado. Esta já não é nossa casa”, contou à IPS.

Edneida se sente de luto, pois muitos de seus alunos já não podem frequentar as aulas em praça pública por falta de segurança. “Muitos eram promissores. A grande maioria era de crianças das favelas ou com problemas judiciais, que praticavam esportes como uma atividade socioeducativa. Agora, tudo isso está ameaçado”, ressaltou. Porém, a treinadora ainda tem esperança de voltar ao Célio de Barros, até que termine a construção de um novo complexo, embora a pista já esteja destruída. “Pior não podemos estar, não temos onde treinar”, ressaltou.

O Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, que reúne 50 movimentos sociais, investigadores, organizações não governamentais e sindicatos, acredita que ainda há tempo para reverter a situação, ao menos em parte. “Nesse lugar serão construídos um estacionamento e um centro comercial. Querem valorizar a região. Anunciaram que construiriam outro edifício, mas não o farão. Só existem promessas”, disse à IPS Marcelo Edmundo, integrante do comitê.

Além da comunidade de atletas, o despejo paira sobre os 350 alunos de uma escola pública que há 50 anos funciona dentro do complexo do Maracanã. A escola municipal Friedenreich – homenagem ao jogador de futebol Arthur Friedenreich (1892-1969) – é considerada uma das melhores da rede pública da cidade e a quarta do Estado. É incerto o destino dos alunos e dos professores, que têm até o final deste ano para deixar as instalações.

“Sairemos quando a concessionária construir uma nova escola. Querem nos arrastar para o terreno de outra escola. Invadir o espaço de outra unidade”, protestou Carlos Ehlers, representante da comissão de pais, alunos e ex-alunos da instituição. Segundo Ehlers, uma das primeiras coisas que serão afetadas são as salas de aula para atender estudantes com deficiências. Falta diálogo com a construtora, apontou. “A concessionária já determinou que temos de partir. Disseram que não tínhamos nenhuma chance. Hoje, creio que temos 50% de probabilidade de impedir o despejo”, destacou.

A concessão, apresentada em novembro de 2012, estabelece que a empresa concessionária deveria investir no complexo US$ 210 milhões até 2016, incluindo a demolição e reconstrução do parque aquático e do ginásio Célio de Barros, bem como da escola. O processo licitatório, que concluiu com a concessão do Maracanã ao consórcio formado pelas empresas IMX, Odebrecht e AEG Administração de Estádios, foi denunciado na justiça, e a promotoria apontou irregularidades no projeto de administração do complexo e questionou a necessidade de demolir instalações existentes. Envolverde/IPS