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Onda de repatriados afeta a Etiópia

A escassez de terra na Etiópia é um tema crítico para os pequenos agricultores, que são 80% da população. Foto: Isaías Esipisu/IPS
A escassez de terra na Etiópia é um tema crítico para os pequenos agricultores, que são 80% da população. Foto: Isaías Esipisu/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 6/1/2014 – O retorno à Etiópia de 120 mil jovens que trabalhavam sem autorização na Arábia Saudita agravará o já elevado desemprego juvenil e as tensões pelo acesso à terra, cada vez mais escassa neste país do Chifre da África. Um número crescente de jovens etíopes opta por viajar para o vizinho Sudão fugindo da proibição indefinida, imposta por Adis Abeba no mês passado, à emigração de trabalhadores para o Oriente Médio.

Esther Negash, de 28 anos, é parte de uma família de nove integrantes que vivem em uma plantação de milho de quatro hectares na região de Tigray, norte da Etiópia. A jovem está desempregada desde que terminou a escola secundária, há dez anos, e decidiu utilizar suas economias para financiar uma viagem a Cartum em busca de emprego.

“Nos últimos dois meses muita gente retornou da Arábia Saudita, o que piora as coisas para pessoas que não podem encontrar trabalho, como eu”, disse Negash à IPS. “As chuvas foram breves este ano e não tivemos uma boa colheita. Minha família é grande, e se não conseguimos uma boa colheita, fica muito difícil. Soubemos das oportunidades de trabalho no Sudão e pensamos que seria a única solução”, contou a jovem.

Um grande número de etíopes emigra anualmente por razões econômicas, e seu principal destino é o Oriente Médio. A maioria dos 91 milhões de habitantes desse país ganha menos de US$ 2 por dia. A repressão na Arábia Saudita contra os trabalhadores estrangeiros ilegais começou depois de um período de anistia de sete meses, que venceu em 3 de novembro. Desde então, foram repatriados 120 mil etíopes após passarem por um acampamento de deportação em condições humilhantes.

Foram inúmeras as denúncias de etíopes contra seus patrões e forças de segurança sauditas por violação de seus direitos humanos. A IPS conversou com uma mulher de 23 anos, que acabara de chegar à Etiópia procedente de Riad, onde trabalhou dois anos como empregada doméstica.

“Meu patrão abusava sexualmente de mim e me batia. Me obrigava a trabalhar sete dias por semana, 20 horas por dia. Não me deixava sair da casa. Foi um inferno”, contou a jovem. “Não me pagaram durante um ano, apesar de também ter trabalhado para seus familiares. Estou muito cansada e muito triste. Mas muito feliz por estar de volta à Etiópia”, afirmou.

Apesar das experiências terríveis relatadas pelos repatriados, a pobreza e as escassas oportunidades continuarão alimentando a emigração, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tenta facilitar as vias formais de saída do país, para evitar os traficantes de pessoas e outros intermediários ilegais.

“Depois da proibição, as pessoas tentarão de todas as maneiras trabalhar no exterior”, disse à IPS o diretor do Escritório da OIT para Etiópia e Somália, George Okutho. “Esses repatriados viajaram para a Arábia Saudita com a esperança de enviar dinheiro para suas famílias e melhorar o nível de vida delas. Porém, na maioria das vezes os trabalhadores migrantes atuam com desinformação sobre suas possibilidades e o país de destino”, pontuou.

A falta de educação e habilidades torna os emigrantes etíopes especialmente vulneráveis ao trabalho em condições de perigo e exploração, tanto na Etiópia quanto no exterior, destacou Okutho. “O problema é que muitos trabalhadores migrantes não têm educação e estão pouco capacitados, inclusive para o trabalho doméstico que buscam fora do país”, acrescentou. “Se vão para o Oriente Médio, ganham pouco mais do que quando estavam em casa, mas como não estão capacitados acabam trabalhando em circunstâncias muito extremas e difíceis sem conhecerem seus direitos”, ressaltou.

A capacidade de planejamento e de logística do governo se viu saturada pelo número crescente de repatriados. A previsão inicial de 23 mil saltou para 120 mil em um mês. “Estamos cooperando com o governo saudita e trabalhamos duramente para repatriar os etíopes desamparados”, declarou à IPS o porta-voz da chancelaria da Etiópia, Dina Mufti.

“O número de etíopes que trabalha ilegalmente é muito maior do que esperávamos. O governo reconhece que essas pessoas, muitas delas jovens, vão precisar de emprego e tentamos gerar oportunidades para ajudá-las e reabilitá-las em suas comunidades”, afirmou Mufti.

A escassez de terra é um problema crítico para os pequenos agricultores, que constituem 80% da população. Na região montanhosa de Tigray cada família possui, em média, 3,5 hectares. Na medida em que aumenta a expectativa de vida, diminui a possibilidade de subdividir essas parcelas, e muitos jovens ficam sem emprego, sem sustento e sem alimentos.

No último ano, grande quantidade de jovens protestou nas principais cidades do país para demonstrar seu descontentamento com o elevado desemprego e com a inflação. Hewete Haile, de 18 anos, vive nos arredores de Sero Tabia, povoado onde o desemprego juvenil está em escalada. De um total de 2.200 famílias, 560 jovens entre 17 e 35 anos estão desempregados, sem terra nem renda.

Diante da embaixada do Sudão em Adis Abeba, Haile faz fila com outras várias centenas de jovens como ela, a maioria de aldeias rurais distantes, com a esperança de conseguir um visto que lhe permita buscar trabalho em Cartum. Seus amigos dizem que uma empregada doméstica na capital sudanesa recebe por dia US$ 8, em comparação com os US$ 4 que ganhariam em Adis Abeba.

“Não deixaria meu país se houvesse como trabalhar e ganhar bem aqui”, disse Haile à IPS. “Se no Sudão não der certo, então viajarei para o Oriente Médio. Sei o que aconteceu na Arábia Saudita. Não sairia da Etiópia se pudesse conseguir trabalho, mas isso fica cada vez mais difícil”, lamentou a jovem. Envolverde/IPS