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Obama denuncia brutalidade e intimidação, mas não de Israel

Abu Mohammed, cuja família perdeu a casa após um bombardeio de Israel, desenterra papéis entre os escombros de um prédio de escritórios do governo em Gaza. Foto: Eva Bartlett/IPS
Abu Mohammed, cuja família perdeu a casa após um bombardeio de Israel, desenterra papéis entre os escombros de um prédio de escritórios do governo em Gaza. Foto: Eva Bartlett/IPS

 

Nações Unidas, 29/9/2014 – Quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, falou na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), foi muito franco em suas críticas à Rússia por intimidar a Ucrânia, à Síria pela brutalidade contra seu próprio povo, e aos terroristas de todas as cores políticas pela morte e destruição que afetam Iraque, Síria, Iêmen e Somália.

Mas, como apontou com razão o jornal New York Times, Obama fez apenas uma referência “fugaz” a Israel e Palestina em seu discurso de 47 minutos na Assembleia Geral, no dia 24. Grande parte do que disse Obama sobre a “brutalidade” do governo de Bashar al Assad na Síria, e suas críticas a “um mundo em que uma nação pode voltar a traçar as fronteiras de outra”, aplica-se diretamente a Israel, disse à IPS Nadia Hijab, diretora da organização independente Al Shabaka, Rede de Políticas da Palestina.

“Senhor Obama, o mundo seria muito mais justo se os Estados Unidos deixassem de pagar a conta de Israel por suas graves violações dos direitos humanos e do direito internacional”, afirmou Hijab, dirigindo-se diretamente ao presidente norte-americano. Em seu discurso, repleto de exemplos de dupla moral política, Obama evitou mencionar o massacre e a destruição que Israel causou com seus bombardeios e ataques aéreos em Gaza, utilizando armas fornecidas principalmente pelos Estados Unidos, durante a guerra que durou 50 dias e terminou em 26 de agosto.

“A agressão russa na Europa faz lembrar os dias em que os países grandes pisoteavam os pequenos na busca da ambição territorial”, afirmou Obama. Leia-se: Israel e seus assentamentos ilegais nos territórios ocupados. “A brutalidade dos terroristas na Síria e no Iraque nos obriga a olhar para o coração das trevas”, continuou Obama. Leia-se: a brutalidade de Israel em Gaza em 2014 e a morte de mais de 2.100 palestinos, em sua maioria civis.

Cada um desses problemas exige uma atenção urgente, afirmou o presidente norte-americano. Mas também são sintomas de um problema mais amplo, o fracasso de nosso sistema internacional em manter o ritmo de um mundo interligado, acrescentou. Obama também disse que há uma visão do mundo na qual rege a lei do mais forte, na qual uma nação pode voltar a traçar as fronteiras de outras. Leia-se: Israel após a guerra dos Seis Dias em 1967 e sua determinação de aferrar-se ao despojo de guerra, apesar das resoluções contrárias do Conselho de Segurança.

E continuou: “Os Estados Unidos representam algo diferente. Acreditamos que o direito faz a força, que os países maiores não deveriam ser capazes de intimidar os menores, e que as pessoas deveriam ser capazes de escolher seu próprio futuro”. Leia-se: Israel, armado por Washington, que utilizou seu poderio militar para demonstrar a lei do mais forte.

E estas são verdades simples, mas têm de ser defendidas, acrescentou Obama. E também afirmou que os Estados Unidos buscam uma solução diplomática para a questão nuclear iraniana, como parte de seu compromisso de deter a proliferação das armas nucleares. Leia-se: Israel, único país do Oriente Médio com este tipo de arma e a reticência de Washington em impulsionar a erradicação das mesmas na conflitante região.

Vijay Prashad, professor de estudos internacionais na universidade norte-americana Trinity College, observou à IPS que é interessante que Obama queira isolar o conflito entre Israel e Palestina das recentes crises no Oriente Médio. “Isso é possível?”, perguntou. “Acaso a ocupação israelense não foi um dos fatores principais da radicalização dos jovens na região?”, acrescentou, em referência à preocupação do presidente norte-americano pelo extremismo juvenil, especialmente no Oriente Médio.

“O notável é que, apesar da tensão na região, do bombardeio israelense em Gaza, da longa e proibitiva ocupação, apesar de tudo isso, os palestinos continuam sendo razoáveis e estão dispostos a sentar para discutir”, pontuou Prashad, autor do livro Arab Spring, Libyan Winter (Primavera Árabe, Inverno Líbio). Continua existindo, inclusive em Gaza, maltratada social e psicologicamente, o consenso por uma solução política, acrescentou. E Prashad destacou que Obama deveria ter mencionado isso.

Ao fim de seu discurso, Obama disse que o statu quo na Cisjordânia e em Gaza é insustentável. “Não podemos nos dar o luxo de virar as costas a esse esforço, não quando são disparados mísseis contra israelenses inocentes, ou quando se arrebata a vida de tantas crianças palestinas em Gaza”, afirmou. “Enquanto eu for presidente, defenderemos o princípio de que israelenses, palestinos, a região e o mundo serão mais justos e mais seguros com dois Estados vivendo lado a lado, em paz e segurança”, ressaltou Obama.

Prashad afirmou que Obama se referia à virada à direita da sociedade israelense, e que falou a esses interesses que estão contra a paz e as negociações. Segundo Prashad, a segunda parte do que disse Obama é muito importante. “Mas se vê reduzida pela ausência do primeiro ponto: que os palestinos continuam sendo razoáveis apesar da guerra e da crise”, acrescentou. Envolverde/IPS