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O Norte deve pagar a conta, dizem em Bonn

Bonn, Alemanha, 21/5/2012 – O Norte industrializado tem o dever ético de assumir a maior carga na luta contra o aquecimento global, afirmaram cientistas por ocasião da nova sessão da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), que acontece nesta cidade alemã. O encontro começou dia 15 e vai até dia 25 de maio com participação de centenas de ativistas e delegados governamentais de todo o mundo.

A CMNUCC, encarregada de cumprir as obrigações do Protocolo de Kyoto, organiza numerosos paineis em Bonn. A Convenção tem a missão de preparar os debates necessários para alcançar um novo tratado internacional para entrar em vigor no ano que vem. Até agora, apesar da forte pressão e das numerosas tentativas de se chegar a um acordo pós-Kyoto, não existe consenso global sobre como continuar reduzindo as emissões de gases-estufa, causadores do aquecimento global.

Durante as negociações que levaram à formulação do Protocolo de Kyoto em 1997, os principais países do Norte industrial (incluindo os Estados Unidos, que depois se retiraram do acordo) aceitaram reduzir suas emissões em 5,2%, em média, no período 2008-2012, com relação aos níveis de 1990.

As discussões organizadas pela CMNUCC são, em geral, pouco eficazes devido aos longos processos burocráticos. Os debates se prolongam e as sessões geralmente são muito complicadas.

Em Bonn, por exemplo, reúnem-se diariamente o órgão subsidiário para implantação, o órgão subsidiário para assessoramento científico e tecnológico, os grupos de trabalho ad hoc sobre ação cooperativa de longo prazo e sobre futuros compromissos dos países industrializados. Cada um destes grupos representa anos de pesquisa sobre a mudança climática. Um painel sobre acesso ao desenvolvimento sustentável, realizado no dia 16 de maio nesta cidade, refletiu um pouco desse conhecimento acumulado.

Durante o painel, vários cientistas explicaram a evidência empírica da mudança climática e alertaram para as consequências éticas. Para os especialistas, a carga da mitigação do aquecimento global e do desenvolvimento sustentável deve ser distribuída de forma equitativa entre as nações.

Um dos palestrantes, Martin Khor, diretor-executivo do Centro do Sul, com sede em Genebra, destacou que na luta por um acordo internacional “três aspectos devem estar na base simultaneamente: o imperativo ambiental, o imperativo de desenvolvimento e o imperativo de igualdade”.

Também insistiu que o estabelecimento de uma meta global para redução das emissões deve considerar a responsabilidade específica e diferenciada dos países do Norte industrializado, os maiores contribuintes para o fenômeno, e das nações do Sul em desenvolvimento, as mais afetadas.

Segundo Khor, a Convenção reconhece “o princípio de igualdade, segundo o qual os países industrializados devem liderar a redução de emissões, enquanto os do Sul têm imperativos de desenvolvimento e, portanto, sua capacidade de realizar ações sobre o clima depende do grau de apoio que recebem” das nações ricas.

Em outras palavras, “os países do Anexo I (do Protocolo de Kyoto, isto é, os industrializados) terão que cobrir os acordados custos adicionais da implantação de políticas nas nações em desenvolvimento”, disse Khor claramente.

O especialista recordou que, desde o começo do período de industrialização na Europa ocidental, América do Norte, Austrália e Japão até 2009 foram liberadas cerca de 1.280 gigatoneladas de dióxido de carbono, desatando o atual processo de aquecimento global.

Cientistas calculam que para conseguir uma probabilidade de 67% de que as temperaturas globais não aumentarão mais do que dois graus (o que teria consequências catastróficas) as emissões entre 2010 e 2050 devem ser mantidas abaixo das 750 gigatoneladas. Para aumentar essa probabilidade para 75%, as emissões de carbono para o mesmo período devem ser de 600 gigatoneladas.

Khor afirmou que as estimativas existentes para uma “distribuição justa” das emissões permitidas entre os países do Norte e os do Sul consideram o tamanho das populações em relação às liberações de gases-estufa realizadas entre 1850 e 2008. “As emissões globais acumuladas totalizaram cerca de 1.214 gigatoneladas nesse período”, acrescentou. Os países do Anexo I foram responsáveis por 878 gigatoneladas, ou seja, 72%.

Considerando que as nações industrializadas tiveram apenas 25% da população mundial nesse período, o Norte “se excedeu” em 568 gigatoneladas. “Os países industriais ainda estão acumulando uma dívida, pois suas emissões como grupo em 2009 também excederam sua parte correspondente”, afirmou Khor.

Sivan Katha, cientista do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, destacou três componentes para um acesso equitativo ao desenvolvimento sustentável. “Em primeiro lugar, o pico de emissões globais (e sua consequente taxa de redução) deve ser consistente com a meta de manter o aquecimento da Terra abaixo do nível máximo acordado”, afirmou.

Em segundo lugar, “cada país deve ter uma cota justa de gases-estufa remanescente, pois isto determinará a rapidez com que as liberações nacionais chegarão ao seu pico máximo e deverão começar a cair”. Finalmente, “cada país deve também ter adequados meios financeiros e tecnológicos para se manter dentro desse cota de gases-estufa, sem comprometer a erradicação da pobreza e as necessidades de desenvolvimento”.

Para ilustrar a desigualdade global, Kartha recordou que enquanto os países do Norte possuem renda por habitante entre US$ 30 mil e US$ 42 mil anuais, enquanto as economias emergentes do Sul poderão chegar a ter renda por habitante de US$ 15 mil em 2050. Envolverde/IPS