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O mundo árabe precisa da Europa para evitar o inverno

As liberdades tão difíceis de conquistar durante a Primavera Árabe necessitam de apoio da comunidade internacional para sobreviver. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

Bruxelas, Bélgica, 10/10/2012 – A Primavera Árabe está longe de terminar. O prolongado conflito na Síria continua ceifando vidas enquanto a comunidade internacional, paralisada por questões geopolíticas, observa as disputas entre países, as dificuldades econômicas da Tunísia e do Egito e a ascensão de governos islâmicos na região. Alguns ativistas e analistas temem pelas liberdades buscadas, algumas delas conseguidas, durante a Primavera Árabe. A única esperança, segundo eles, é o contínuo apoio da comunidade internacional para o longo caminho que ainda têm de seguir.

“Tivemos alguns retrocessos, mas continuamos precisando de seu contínuo apoio”, disse a ativista tunisiana Nabila Hamza, presidente da Fundação para o Futuro (FFF), ao falar na sede da União Europeia (UE), em Bruxelas, para pedir ao bloco que prolongue sua participação na transição democrática de alguns países árabes. Segundo um estudo da organização Freedom House, com sede nos Estados Unidos, somente a Tunísia mostra uma melhora em matéria de governança. Bahrein retrocedeu e o Egito mostrou uma melhoria menor. A classificação foi realizada com base em cinco critérios: responsabilidade e expressão pública, liberdades civis, vigência do direito, anticorrupção e transparência.

Em um debate realizado na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, no final de setembro, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, pediram ao fórum mundial não desanimar com os retrocessos e redobrar o apoio aos que constroem a democracia. “Conseguir uma mudança verdadeira leva tempo”, disse Rompuy na Assembleia Geral das Nações Unidas. Vários especialistas também trocaram opiniões na semana passada sobre os últimos acontecimentos na região e debateram o papel específico da UE na construção da democracia. O encontro foi no painel Primavera Árabe, Revoluções e Efeito Dominó, organizado no escritório de Bruxelas da representação do Estado alemão de Renânia do Norte-Westfalia.

O professor Todd Landman, diretor do Instituto para a Democracia e a Resolução de Conflitos, da Universidade de Essex, defendeu o contínuo apoio estrangeiro, ainda que o resultado eleitoral não satisfaça os próprios doadores. O europarlamentar Alexander Graf Lambsdorff, chefe da missão de observação eleitoral da UE na Líbia, lamentou os muitos obstáculos burocráticos no processo de destinação de ajuda do bloco europeu. Hamza concordou e acrescentou que “a UE espera que contratemos especialistas para decifrar documentos de ajuda oficial enquanto estamos em uma revolução”.

Por intermédio da FFF, Hamza supervisiona o desembolso de mais de US$ 10 milhões em apoio a 166 projetos geridos pela sociedade civil em 15 países árabes, e se mostra otimista sobre as mudanças na região. “Egito, Líbia e Iêmen possuem uma multiplicidade de organizações em que homens e mulheres participam igualmente em assuntos civis”, afirmou. “Lutamos pelos direitos humanos, contra a corrupção e pela liberdade de imprensa desde o começo dos anos 1950, mas agora podemos fazê-lo sem sermos processados. Há novas leis sobre liberdade de associação na Tunísia, e estão sendo redigidas outras na Líbia e no Egito. O contexto legal está mudando”, assegurou Hamza.

Outro fenômeno a destacar, segundo Hamza, é o regresso de “jovens ativistas da diáspora à Tunísia. As pessoas que estavam exiladas e proscritas voltam para colaborar na construção do país. Este encontro cultural cria uma dinâmica maravilhosa, especialmente em matéria de participação”. Para Hamza, a eleição de governos islâmicos não deveria ser considerada um retrocesso. “Os islâmicos são considerados pela população como mártires da opressão, isso é o que lhes deu legitimidade. Por isso foram eleitos tão facilmente”, explicou. “Porém, na Tunísia e no Egito, dois países onde os movimentos islâmicos quiseram incluir a shariá (lei islâmica) na nova Constituição, fracassaram”, afirmou.

“Após semanas de discussões e sob forte pressão da sociedade civil, o partido islâmico da Tunísia redigiu um protesto constitucional no qual homens e mulheres” têm os mesmos direitos, afirmou Hamza. “Vemos uma mudança no Islã político. Agora que os islâmicos devem governar um país, se tornaram mais pragmáticos”, opinou. “Há pressões internas para resolver problemas como o desemprego e a distribuição da riqueza, além das externas. Agora fazem parte do mundo e precisam do apoio dos países ocidentais para sobreviver, e dizem aos seus povos que a fé não é a resposta para todas as suas necessidades”, acrescentou.

Ela também pediu urgência à UE para aumentar seu apoio à democratização do mundo árabe. “Foram feitas muitas promessas e criados muitos programas para nos ajudar”, lembrou Hamza, referindo-se ao programa Apoio Europeu para Associação, Reforma e Crescimento Inclusivo (Spring). No contexto dessa iniciativa, a Comissão Europeia se comprometeu a ajudar na transição democrática, na criação de instituições e no crescimento econômico da região após a Primavera Árabe. “Acreditamos que se pode fazer muito mais, especialmente pelas organizações civis, as únicas observadoras da democracia que podem forçar os governos a serem responsáveis”, enfatizou.

“Necessitamos apoio porque devemos permanecer vigilantes, pois ainda há o perigo de novas ditaduras. Estamos em um período de transição. Afinal, à Europa convém que a Primavera Árabe prospere”, observou Hamza. “A transição é um processo. A comunidade internacional deve apoiar este processo, não os projetos de curto prazo. Precisamos de paciência estratégica para ver os verdadeiros êxitos da revolução. Os doadores querem resultados imediatos, mas uma revolução tem altos e baixos”, ressaltou. Envolverde/IPS