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O liberalismo esgota a água do mundo

O milho é um alimento básico no “corredor seco” da Guatemala, afetado tanto por secas quanto por inundações. Foto: Danilo Valladares/IPS

 

Uxbridge, Canadá, 17/9/2012 – A crescente escassez de água em muitos países constitui uma grande ameaça para a segurança e o desenvolvimento, e deve ser tema de análise prioritária no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), alertam especialistas em um novo informe. Porém, esse estudo ignora a maior ameaça à segurança da água: as políticas de livre mercado, que convertem esse recurso em uma mercadoria, afirmam ativistas.

China e Índia não terão água potável suficiente para atender suas necessidades antes de 2030, diz o relatório A Crise Global da Água: Encarando um Urgente Tema de Segurança, divulgado na semana passada. Muito antes, a escassez vai gerar conflitos e piorar a instabilidade na África subsaariana, Ásia ocidental e no norte da África, acrescenta. “O futuro impacto político da escassez de água poderá ser devastador”, segundo o ex-primeiro-ministro canadense Jean Chrétien.

“Usar a água da maneira como fizemos no passado simplesmente não é sustentável”, disse Chrétien, copresidente do Conselho de InterAção (IAC), grupo de 40 ex-governantes que produziu o estudo. O IAC, juntamente com o Instituto para a Água, o Meio Ambiente e a Saúde, da Universidade das Nações Unidas, e a Walter and Duncon Gordon Foundation, do Canadá, organizaram uma conferência de especialistas no assunto no ano passado. As deliberações desse encontro derivaram em uma série de conclusões agora incluídas no informe.

Até 2025, o mundo terá que alimentar um bilhão de bocas a mais, fazendo com que o setor agrícola por si só necessite a cada ano uma quantidade adicional de água equivalente ao fluxo anual de 20 rios Nilo e 100 rios Colorado, segundo o estudo. Por outro lado, o setor de energia terá que competir pelos limitados recursos hídricos com outros setores que também consomem água, o que terá impacto no desenvolvimento.

Agências de segurança e inteligência dos Estados Unidos alertam que existem áreas no mundo nas quais a situação da água está se agravando, enquanto a capacidade local se ressente de condições para responder a secas e inundações, afirmou Zafar Adeel, diretor do Instituto para a Água, o Meio Ambiente e a Saúde. “Dentro de uma década, isto poderia derivar em problemas de segurança”, acrescentou à IPS.

Segundo Adeel, “a comunidade internacional precisa investir muito mais para melhorar o manejo da água”. Entre as recomendações do estudo há um chamado no sentido de serem investidos, aproximadamente, US$ 11 bilhões anualmente em redes de água e saneamento. “Hoje morre, em média, uma criança a cada 20 segundos em consequência de doenças relacionadas com a água”, ressaltou.

“Comemoramos a atenção que esses líderes mundiais dão à crise global da água”, afirmou a presidente nacional do Conselho Canadense, Maude Barlow. “Suas vozes têm muito peso, e podem chamar a atenção dos atuais líderes políticos, algo que para nós da sociedade civil é difícil”, observou. Barlow é autora do livro Blue Covenant: The Global Water Crisis (Pacto Azul: a Crise Mundial da Água), e foi uma das líderes na campanha para que a Assembleia Geral da ONU reconhecesse em 2010 o acesso a água e saneamento como sendo um direito humano.

Barlow apoia o chamado no informe da IAC para que as nações e instituições internacionais adotem medidas de conservação, reutilização e proteção da água, bem como para investirem em infreaestrutura para garantir serviços. Porém, lembrou que a grande omissão no informe e em suas recomendações é o reconhecimento de que “a demanda exponencial de água está diretamente ligada ao estilo consumista alimentado pela globalização”.

O crescimento econômico incontrolado, o livre comércio desregulado e a governança corporativa são as maiores ameaças à água, disse Barlow à IPS. “A agricultura industrializada e o comércio global de alimentos provocam uma grave perda de água no mundo. Precisamos de políticas sustentáveis locais que recompensem o uso sábio das bacias”, ressaltou. Barlow lamentou o fato de o informe não tocar direto no coração do problema. “Somente haverá segurança de água no futuro se esta for declarada patrimônio comum e bem público, administrado equitativamente para o bem de todos”, enfatizou. Envolverde/IPS