Arquivo

“O jornalismo é chave na construção da paz”

Tarja Turtia: “a Unesco apoia as rádios comunitárias, principal fonte de comunicação em zonas isoladas da África”. Foto: Edouard Janin

Nova York, Estados Unidos, 19/9/2012 – Os conflitos de interesses podem ser considerados motores do desenvolvimento urbano, mas a violência destruiu milhões de vidas e deixou gerações prejudicadas por décadas. Ao reconstruir e fortalecer capacidades, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) colabora com meios de comunicação e jornalistas em diferentes partes do mundo.

Tarja Turtia, especialista da divisão liberdade de expressão da Unesco, conversou com a IPS sobre a importância da imprensa nos esforços para chegar a populações que aspiram a paz como um comportamento duradouro. Esta divisão da Unesco também objetiva o fortalecimento da função de pivô dos meios de comunicação na transformação de uma cultura de resolução de conflitos, caracterizada pela violência, para uma baseada no diálogo construtivo e compreensivo.

IPS: A participação de atores locais é fator fundamental para o êxito de estruturas de paz duradouras em comunidades que sofreram um conflito. Pode descrever qual é a função de jornalistas e mídia nessa equação?

Tarja Turtia: É um importante aspecto do trabalho da Unesco colaborar com atores da sociedade civil e com iniciativas locais em todas as áreas, etapas do conflito e níveis de intervenção. Potencializar as comunidades locais mediante a capacitação de profissionais de meios de comunicação locais, incluídos grupos marginalizados e vulneráveis, para participar em processo de paz e responder às suas necessidades de acesso a informação crítica, como acordos de paz, iniciativas de reconciliação, eleições e decisões públicas adotadas em períodos de transição estão entre as grandes tarefas da agência. A mídia tem um papel destacado no processo de reconciliação após um conflito, se promover informação imparcial, evitar estereótipos e a incitação a fim de fomentar a mútua compreensão. Em alguns casos, pode lançar debates que não puderam ser iniciados antes com abertura. Os blogs, por exemplo, agora são um meio efetivo para jornalistas e funcionários do Iraque falarem o que não diriam em público.

IPS: Quais são os elementos comuns no contexto jornalístico e midiático das sociedades pós-conflito com os quais devem se enfrentar os construtores da paz?

TT: Enfrentam dois grandes obstáculos para o gozo completo dos direitos humanos e do contexto legal em que operam os meios de comunicação, que não cumprem os padrões internacionais: a falta de democracia e instituições fracas. De fato, os principais desafios são falta de garantias constitucionais para a liberdade de expressão, normas que restringem conteúdos ou o livre uso da internet, ausência de leis sobre liberdade de informação e falta de políticas sobre tecnologias da informação e da comunicação que promovem o acesso universal à internet. Nas zonas onde houve conflito, a própria ausência dos meios de comunicação é um desafio. O Afeganistão, por exemplo, passou da situação posterior a 2011 virtualmente sem veículos de comunicação, para a situação atual, com um setor efervescente, profissional e plural. Um dos principais desafios nas sociedades conflituosas é a falta de segurança para os jornalistas. Nos últimos dez anos, mais de 500 profissionais e outros trabalhadores do setor foram assassinados no mundo.

IPS: No tocante ao impacto construtivo e duradouro dos meios de comunicação nos esforços de transformação de um conflito, há quem diga que só há evidências anedóticas sobre esta relação de causa-efeito. Qual sua experiência a respeito?

TT: A mídia livre, independente e plural é essencial para fortalecer a transparência e lutar contra a corrupção, pois são facilitadores importantes das demandas públicas de responsabilidade e receptividade de seus dirigentes. A liberdade de expressão, a livre circulação de informação e o trabalho dos meios de comunicação são importantes para erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento econômico e social, isto é, para um desenvolvimento sustentável e equitativo. A Primavera Árabe foi e é uma experiência crucial, na qual os veículos de comunicação, por serem plurais, independentes e livres, provaram sua influência para facilitar o diálogo e possibilitar movimentos racionais. Cobram responsabilidade, credibilidade e legitimidade das autoridades de transição, bem como eleições transparentes e pacíficas. Por essa razão, a Unesco apoia o desenvolvimento da livre circulação de informação, e a segurança dos jornalistas e dos profissionais de imprensa no conflituoso contexto da Primavera Árabe, embora promissor.

IPS: Como a Unesco faz para apoiar o trabalho jornalístico em sociedades em conflito?

TT: Por exemplo, a Unesco desempenha um papel vital na cobertura eleitoral. O objetivo desta é fortalecer a capacidade da mídia de oferecer uma cobertura justa e equilibrada do processo. Isto funciona como um elemento vital para a democratização. Toda democracia baseada no respeito à liberdade de expressão tem um eleitorado que pode fazer uso de seu direito de voto com base em uma cobertura clara e imparcial. No Iraque, por exemplo, a Unesco tem um projeto para capacitar profissionais da imprensa na cobertura de processos eleitorais. São treinados para informar o eleitorado, criar capacidade e melhorar o trabalho dos reguladores dos meios de comunicação iraquianos, cujo papel é enfraquecer as divisões sectárias e entre facções. Outro fator fundamental promovido pelos esforços de paz após um conflito é garantir que a informação chegue ao maior público. Sua falta ou dados errados podem gerar conflitos, especialmente em casos de distúrbios pós-eleitorais. A Unesco apoia as rádios comunitárias, a principal fonte de comunicação entre habitantes de zonas isoladas da África, por intermédio de seu Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (IPDC).

IPS: O trabalho jornalístico concentra suficiente atenção enquanto elemento de apoio aos esforços para a construção da paz?

TT: O grau de atenção que concentra varia de um país para outro. Por exemplo, em Serra Leoa os esforços de paz objetivaram principalmente a construção de capacidades e instituições midiáticas, mas não foi o caso na Libéria, nem na Costa do Marfim. Em geral, se reconhece a importância dos trabalhadores da imprensa dentro do processo de construção de paz, mas não se presta atenção suficiente às necessidades dos jornalistas para que sejam úteis à democratização. Somente com jornalistas bem informados, e que compreendam seus direitos e suas responsabilidades, é que os veículos de comunicação poderão ocupar um lugar vital no fortalecimento da democracia e da difusão de informação. Envolverde/IPS