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O difícil caminho centro-americano contra a usura financeira

San Salvador, El Salvador, 14/10/2012 – Os parlamentos de El Salvador e Guatemala debatem projetos de lei destinados a frear os abusos na concessão de empréstimos e nos custos do cartão de crédito. Porém, as iniciativas enfrentam férreas barreiras por parte do setor financeiro. Com uma Lei Contra a Usura, legisladores de El Salvador tentam estabelecer um teto às taxas de juros cobradas para empréstimos diretos e cartões de crédito, enquanto seus pares guatemaltecos analisam uma Lei de Cartões de Crédito que, sem estabelecer um teto, pretende frear os abusos de cobrança detectados no chamado dinheiro plástico.

A governante e esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) e a Grande Aliança pela Unidade Nacional (Gana), que juntas conseguiram maioria parlamentar em El Salvador, impulsionam a lei que pretende regular as taxas de juros ativas, cobradas pelos bancos aos seus clientes. A iniciativa é uma resposta às constantes queixas da população e de órgãos de defesa do consumidor pelos elevados níveis do custo dos empréstimos e sua excessiva margem em relação às taxas de juros passivas, aquelas pagas pelas entidades pelos depósitos.

O projeto está em análise na Assembleia Legislativa salvadorenha há três meses, mas, após a aprovação de cinco de seus artigos, a discussão está paralisada no ponto crucial: a imposição de limites à cobrança de juros pelos bancos. “Nenhum país pode ser competitivo se os juros pagos pelas pessoas por empréstimos ou cartões são excessivamente altos”, disse à IPS o deputado Antonio Echeverría, da FMLN, um dos promotores do projeto de lei.

A Superintendência do Sistema Financeiro (SSF) informa que as taxas de juros para empréstimos, por um ano ou mais, variam entre 28,9% no Banco da América Central e 198% no Banco Azteca de El Salvador. A atividade bancária e financeira está regulada pela SSF e por uma lei de 1999 que dá liberdade às entidades na fixação das taxas de juros. O mesmo informe indica que, no dia 30 de setembro, as taxas para os depósitos variavam de 0,1% no Scotiabank, em colocações de 30 dias, a 1,75% no Banco G&T Continental de El Salvador, para prazo de um ano.

O deputado Francisco Zablah, da Gana, disse à IPS que a disparidade entre taxas ativas e passivas evidencia que o setor financeiro “está se aproveitando dos consumidores. Não vamos permitir essa imensa margem entre o que cobram pelos empréstimos e o que pagam pelos depósitos”. Os legisladores salvadorenhos ainda não chegaram a um acordo sobre o mecanismo que utilizariam para limitar a cobrança de juros. Mas a ideia mais debatida é a de definir uma fórmula matemática que gere uma taxa média de referência, que represente o teto máximo a ser cobrado pelas entidades. Espera-se que essa taxa não supere os 48%.

O setor financeiro se opõe frontalmente à criação de limites para as taxas de juros, sobretudo com relação aos cartões de crédito, o item de maior margem de lucro para os bancos salvadorenhos. O rendimento no mercado de cartões de crédito chega à média de 17,6%, muito acima das demais operações, diz o documento Estudo das Condições de Competição no Setor de Cartões de Crédito e Débito de El Salvador, divulgado pela Superintendência de Competição em 2011.

A Associação Bancária Salvadorenha (Abansa) promoveu uma campanha publicitária assegurando que, se forem impostos tetos aos juros dos cartões de crédito, o mercado se restringirá a 300 mil cartões contra os 800 mil atuais, em um país de 6,1 milhões de pessoas. Seus anúncios nos meios de comunicação asseguram que as instituições financeiras não poderão conceder o serviço a usuários de dinheiro plástico por quantias pequenas, porque seu risco é alto e não é compensado com taxas de juros menores do que as atuais. “O que a Abansa faz é proteger os interesses dos bancos”, opinou Zablah.

A Associação de Organizações de Microfinanças saiu em surpreendente apoio aos bancos, ao garantir que, se for aprovado o projeto de lei, estarão em risco US$ 1,27 bilhão em créditos para as micro e pequenas empresas, o que afetará tanto o setor quanto a produtividade do país. A Superintendência de Competição destacou em um estudo que, no setor de cartões de crédito, confluem elevada rentabilidade e alto grau de concentração do mercado, o que dá às empresas financeiras ampla margem para explorar seu domínio de mercado, em detrimento dos consumidores. Esse setor é regulado pela Lei de Sistema de Cartões de Crédito, vigente desde 2009, que não estabelece teto para os juros.

Já na Guatemala tramita no Congresso, desde 2011, uma iniciativa de Lei de Cartões de Crédito, destinada a regular as taxas de juros, as comissões, o extrafinanciamento, a capacidade de pagamento do solicitante, a instituição do crime de clonagem e outros aspectos do setor.  O projeto não estabelece um limite às taxas de juros, mas contempla que estas devem ser negociadas com o interessado e não poderão ser aumentadas a não ser por um procedimento estabelecido.

Além disso, diz que os juros por financiamento não poderão ser capitalizados nem calculados incluindo comissões e outros encargos, cuja cobrança deverá ser por serviços efetivamente prestados a cada cliente e acertados nos contratos. A legislativa Comissão de Economia recorda que o setor inclui 748 donos de cartões e controla 20% da carteira de créditos de consumo, o que não pode continuar regulado por um Código de Comércio de 1970.

Arturo Quezada, da não governamental Associação de Defesa dos Interesses do Consumidor de Seguros e Fianças, disse à IPS que a falta de uma regulamentação sobre cartões de crédito “leva as companhias emissoras a cobrarem o que querem em juros e moras”, entre outros abusos. O ativista se mostrou a favor da regulamentação das taxas de juros “porque há cobranças abusivas nos cartões de 50% a 60% ao ano”, embora não se mostre favorável à criação de um teto nesses casos. “O mais preocupante é que não explicam como são aplicados os juros moratórios, como são as porcentagens e menos ainda o que se pagou”, acrescentou.

Carlos González, da não governamental Associação de Pesquisas e Estudos Sociais, disse à IPS que é positivo que se aprove uma lei sobre cartões, pela importância no financiamento dos cerca de 15 milhões de guatemaltecos. Contudo, tampouco se mostrou favorável a fixar um teto para os juros e propôs, em seu lugar, “o impulso da livre competição, porque no país há monopólios da cerveja, do cimento, enquanto o sistema bancário tem características oligopólicas. Isto distorce os preços no mercado, mas não há quem os supervisione”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Com colaboração de Danilo Valladares (Guatemala).