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No Afeganistão acredita-se em paz após saída de tropa estrangeira

Soldado afegão protege o palácio do rei Amanulá Kan (1919-1929), danificado na guerra civil. Foto: Giuliana Sgrena/IPS

 

Cabul, Afeganistão, 21/5/2013 – Os Estados Unidos e seus aliados temem que estoure uma guerra civil no Afeganistão após a saída, em 2014, da força de intervenção. Entretanto, especialistas locais afirmam que a situação atual não é igual à de 1988, quando os soviéticos deixaram o país, nem como em 1992, quando os mujahidines tomaram o poder. O secretário de Defesa da Grã-Bretanha, Philip Hammond, qualificou, em abril, de “incerto” o futuro do Afeganistão, em entrevista à Rádio 4, da rede de rádio e televisão britânica BBC.

Hammond se baseava em uma advertência do Comitê de Defesa do Parlamento britânico sobre a possibilidade de estourar uma guerra civil neste país nos próximos anos. Porém, analistas locais não compartilham dessa visão negativa. O coronel da reserva Mohammad Sarwar Niazai afirmou que a situação é diferente da existente no começo dos anos 1990. Na época, a força militar da antiga União Soviética se retirou do Afeganistão deixando o governo comunista de Mohammad Najibulá sem apoio e com sete partidos jihadistas, armados e ajudados pelos Estados Unidos, com possibilidade de assumirem o poder.

Desta vez, “ninguém poderá tirar o governo à força”, disse Niazai à IPS, lembrando que os Estados Unidos e seus sócios na Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf) prometeram apoiar o presidente afegão Hamid Karzai e o seu governo. Em uma reunião realizada no dia 25 de março, em Washington, o comandante-geral da Isaf, na reserva, John Allen, declarou que os Estados Unidos e seus aliados manteriam uma presença no Afeganistão suficiente para apoiar as forças afegãs, após a retirada dos efetivos internacionais no final do próximo ano.

Por sua vez, o chefe regional da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, Shamasullah Ahmadzai, alertou que as forças armadas de seu país, com 336 mil efetivos, apesar de estarem muito motivadas necessitam das armas prometidas pelos aliados ocidentais durante as conversações sobre sua retirada.

Interesses estratégicos

Enquanto a mídia internacional fala de um conflito “iminente” ou “inevitável”, especialistas locais afirmam que os países ocidentais com interesse em manter uma presença militar no Afeganistão evocam o fantasma da guerra civil para justificar sua contínua presença. “Seu objetivo é instalar o medo no Afeganistão”, afirmou Ghulam Jailani Zwak, diretor do Centro de Assessoramento e Análise, em entrevista à IPS.

Zwak acrescentou que as previsões sobre a instalação do caos depois de 2014 são infundadas. “Nos últimos 11 anos, o Afeganistão criou uma sociedade civil operativa e um parlamento forte que provou ser capaz de fazer frente ao Poder Executivo”, ressaltou, se referindo ao fato de, no final de 2012, a assembleia legislativa ter citado 11 ministros ou levado adiante julgamentos políticos.

Abdul Ghafoor Lewal, diretor do Centro de Estudos Regionais, considera que a ameaça de uma guerra civil é um complô deliberado do Ocidente para manter uma presença militar, especialmente na base aérea da cidade de Bagram, uma das maiores dos Estados Unidos no Afeganistão, que fica na província de Parwan. As potências ocidentais querem que os afegãos pensem que os soldados estrangeiros são o “melhor para sua segurança”, disse à IPS. O governo deve ser “inteligente, prudente e se proteger das maquinações do Ocidente”, pontuou.

O general Rahmatullah Raufi, ex-comandante do corpo do exército da província de Paktia e antigo governador da província de Kandahar, rechaçou as ameaças de guerra e afirmou que a população afegã está mais unida agora do que há 11 anos. Um claro exemplo disto foi a terceira conferência ministerial do Processo de Istambul, realizada em Almaty, a maior cidade do Cazaquistão, no dia 26 de abril.

Concebida para promover a cooperação no chamado “coração da Ásia”, principalmente Afeganistão e seus vizinhos, a reunião se concentrou sobre uma diversidade de assuntos sociais, desde educação, passando pela gestão de desastres, até o fortalecimento da economia neste país assediado pela guerra. A independente Rede de Analistas do Afeganistão apontou que a participação do governo afegão deixou claro que considera a iniciativa regional fundamental para garantir o futuro do país depois de 2014.

O chanceler afegão, Zalmai Rassul, que encabeçou a delegação nacional, disse que seu país está “decidido a reclamar seu devido lugar” como centro econômico que conecta Ásia meridional, Ásia central, Eurásia e Oriente Médio. Além disso, segundo especialistas como Habibullah Kalakani, ex-comandante jihadista que lutou contra os soviéticos, a sociedade civil do Afeganistão já não se deixa mais “ser levada” pelos interesses estrangeiros.

Meios independentes e organizações como a Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, cuja presidente Sima Samar recebeu o Prêmio Nobel Alternativo no ano passado, são amplamente respeitados e ganharam o reconhecimento internacional por seu esforço na construção de uma cultura de paz. Kalakani também destacou o maior número de jovens com formação e capacitação para ajudar na transição democrática.

Segundo o Instituto de Educação Internacional, quatro mil estudantes apresentaram pedido para ingressar na universidade em 2004, 40 mil o fizeram no ano seguinte e 52 mil em 2006. Contudo, em 2012, a quantidade disparou para mais de 120 mil. As mulheres ocupam 25% das vagas nas universidades públicas, número que aumenta a cada ano. Além disso, apareceram 52 centros privados de formação superior.

O porta-voz do Ministério da Defesa, Siamal Herawi, concordou que 2014 será um “ano de mudanças” e insistiu em afirmar que há boas razões para acreditar que estas “serão positivas, não negativas”, enfatizou à IPS, acrescentando que desta vez “mãos afegãs” ajudarão a construir o país. Envolverde/IPS

* Lal Aqa Shirin escreve para o Killid, um grupo independente de meios de comunicação afegãos associado com a IPS.