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Nem a livre expressão se salva no Egito

Um soldado enfrenta manifestantes da Irmandade Muçulmana no Cairo. Foto: Hisham Allam/IPS
Um soldado enfrenta manifestantes da Irmandade Muçulmana no Cairo. Foto: Hisham Allam/IPS

 

Cairo, Egito, 11/11/2013 – As manifestações de rua foram o impulso vital das mudanças políticas no Egito desde janeiro de 2011. Mas um projeto de lei que as criminaliza pode liquidar um dos poucos êxitos da Primavera Árabe neste país: a liberdade de expressão. A lei de protestos, aprovada pelo governo militar em 9 de outubro, contempla multas de até US$ 42 mil e penas de prisão para os infratores. Ainda precisa ser sancionada pelo presidente interino, Adly Mansour.

As autoridades argumentam que é necessária para impedir que o país afunde no caos. Contudo, grupos de direitos humanos, partidos islâmicos e outros opositores a consideram um sério revés para a liberdade de expressão conquistada com tanto sacrifício. “Essa lei excitará a fúria de muitos revolucionários e grupos de trabalhadores que se fazem ouvir em protestos sociais pacíficos”, advertiu Jaled Alam el Din, ex-assessor de Mohammad Morsi, o primeiro presidente do país eleito democraticamente, que foi derrubado por um golpe militar em 3 de julho.

Para os partidários de Morsi, o projeto é uma tentativa do comandante das forças armadas, Abdel Fatah al Sisi, de silenciar as vozes que condenam o golpe. “Sisi quer aprovar essa lei para restringir a liberdade de expressão e amordaçar seus oponentes”, opinou Din à IPS. “A elite política egípcia e os meios de comunicação privados estão completamente calados. Ninguém se anima a criticar essas políticas ditatoriais”, acrescentou.

“Uma lei repressiva com essas características acabará explodindo no rosto de todos os envolvidos em sua aprovação. Se essa situação continuar, será o último prego no caixão da revolução de 2011, que teve como um de seus maiores êxitos consolidar a liberdade de expressão”, ressaltou Din. Outros destacam a ironia de uma lei como essa na atual conjuntura do Egito. “Se esquecem (as autoridades) de que chegaram ao poder graças às manifestações?”, disse à IPS Amr Bakly, ativista pelos direitos humanos.

Semanas de protestos maciços provocaram a derrubada em 2011 do presidente Hosni Mubarak, que estava no poder há quase 30 anos, desde 1981. O golpe contra Morsi, líder da Irmandade Muçulmana, que teve um papel crucial na revolução, também aconteceu depois de grandes protestos. “As manifestações são legais quando feitas por partidários de Sisi e um crime quando são realizadas por seus oponentes? É uma vergonha”, apontou Bakly.

Um conjunto de 17 organizações nacionais defensoras dos direitos humanos disse que essa “lei antiprotesto é uma permissão para matar manifestantes e oponentes do regime militar”. Com 21 artigos, a lei estabelece que deve ser solicitada autorização do Ministério do Interior cinco dias antes de qualquer manifestação, e faculta às autoridades policiais cancelar, adiar ou mudar de lugar uma mobilização, bem como proibi-la.

Os manifestantes serão proibidos de se reunir em determinadas áreas, superar a duração permitida do protesto, colocar em risco o público, bloquear vias e atrapalhar o tráfego. O projeto também obriga a manter distância mínima de 50 metros entre o protesto e determinadas instalações. Quem for punido “poderá ir para a prisão e ser acusado de traição se o caso for levado a tribunais internacionais”, explicou Bakly. O texto também recebe duras críticas dentro do governo, como, por exemplo, do vice-primeiro-ministro, Ziad Bahaa el Din.

Ativistas pelos direitos humanos recordaram que o governo de Morsi tentou adotar uma lei similar. Mas “a lei de Sisi é pior do que a de Morsi. Ambos procuravam se blindar. Os militares querem criar um Estado policial, enquanto a Irmandade Muçulmana apontava para uma ditadura religiosa”, detalhou Bakly à IPS. Porém, alguns políticos e intelectuais dizem que a lei poderia ajudar a regularizar o protesto e daria estabilidade e segurança ao país.

Desde que o exército derrubou Morsi, milhares de seus partidários protestam em todo o país. Muitos morreram ou ficaram feridos. O último incidente foi em 6 de outubro, quando 60 pessoas morreram em choques entre forças de segurança e simpatizantes da Irmandade Muçulmana. “Os críticos da lei querem que o país afunde no caos”, disse à IPS o jornalista Soliman Gouda. “O Estado tem que controlar os foragidos e os criminosos que perturbam a vida pública com manifestações”, argumentou.

“Os protestos da Irmandade Muçulmana privaram os egípcios de democracia, sobretudo quando os manifestantes pró-Morsi recorreram aos distúrbios, à violência e aos ataques contra empresas públicas e privadas”, pontuou Gouda, ex-editor chefe do jornal Al Wafda. “Fixar regras para as manifestações não significa restringir a liberdade. Essa interpretação é completamente enganosa”, acrescentou.

Por sua vez, Esraa Abdel Fatah, popular ativista da internet, acredita que “aprovar uma lei para regular os protestos é necessário porque os partidários do governo anterior começaram a usar armas e facas em confrontos com cidadãos pacíficos, causando dezenas de mortes”.

“A lei não afetará as liberdades públicas se formulada de acordo com as convenções internacionais e sob supervisão de um comitê especializado de membros designado pelo parlamento”, afirmou Fatah à IPS. “No entanto, se atar as mãos das pessoas e impedir que expressem suas opiniões, não há dúvida de que colocará fim ao processo de busca das liberdades”, acrescentou. Envolverde/IPS