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Mulheres urbanas do Zimbábue convertem batata em ouro

Plantação de batata no quintal da casa de Lina Chingama, da localidade de Norton, 40 quilômetros a oeste de Harare. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Plantação de batata no quintal da casa de Lina Chingama, da localidade de Norton, 40 quilômetros a oeste de Harare. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 12/3/2014 – Shyline Chipfika, de 26 anos, é uma das milhares de mulheres em centros urbanos do Zimbábue que fazem fortuna cultivando suas próprias batatas. E grande parte de seu sucesso devem a uma proibição das importações. “Eu era uma simples dona de casa, e minha vida mudou muito depois que decidi plantar batata”, contou Chipfika à IPS.

Seu marido se dedica à venda ambulante em ônibus de Harare desde 2008, quando a empresa em que então trabalhava fechou, afetada pela hiperinflação, que paralisou vários setores da economia. A história de sucesso de Chipfka é muito rara no Zimbábue, e ela garante que não pensa em parar de plantar. “Vivia em um pequeno apartamento, mas graças a essa iniciativa consegui reformá-lo e convertê-lo em uma propriedade respeitável”, afirmou.

Para cultivar batatas não precisa uma grande quantidade de terra, apenas ter um quintal comum e água corrente. Ali muitas mulheres plantam sementes em sacos cheios de terra fértil. “O método de cultivo de batata em zonas urbanas por parte de mulheres é muito simples e extremamente produtivo. Mas, desde tempos imemoriais, as zonas urbanas não foram aproveitadas por muitos, que não viam nenhum valor nelas”, disse à IPS o funcionário de extensão agrícola Mike Hunde, em Marondera, capital da província Mashonalandia Oriental, a 70 quilômetros de Harare.

O governo estimula a pesquisa agrícola para melhorar a produtividade, e promove o cultivo de batata para a segurança alimentar e para apoiar os produtores locais. Em 2013, proibiu as importações desse alimento básico, e a produção local decolou. Aproveitando essa proibição, mulheres em povoados e cidades do país formaram associações para conseguir ajuda financeira e assistência de organizações não governamentais para se dedicarem ao cultivo de batatas.

Segundo a União de Agricultoras Urbanas, de Harare, em todo o país há 151 associações que envolvem 16.150 mulheres no cultivo da batata. “Desde que foi proibida a importação de batata, cobrimos 8% do mercado nacional, dominado pelos grandes produtores locais, com 88%, e homens cultivadores urbanos que nos imitaram cobrem os 4% restantes”, detalhou à IPS a secretária-geral da entidade, Abigail Mlambo.

“Como associação de 12 cultivadores de batata, nos aproximamos de organizações não governamentais para pedir financiamento e impulsionar nosso projeto de cultivo urbano”, explicou à IPS Nancy Chikwari. Após reunir US$ 1 mil para comprar insumos, o projeto cresceu rapidamente, acrescentou.

Hoje, essas mulheres podem enviar seus filhos para a escola e a universidade sem dependerem financeiramente de seus maridos. “Só em 2013, colhemos 30 toneladas e vendemos cada saco de 15 quilos a US$ 8, obtendo milhares de dólares em lucro”, afirmou Chikwari à IPS, acrescentando que agora todas elas têm automóvel e uma casa na capital.

As mulheres desse país da África austral são o setor mais afetado pelo desemprego. Segundo o Escritório Central de Estatística, dos 13 milhões de habitantes do país, 60% são mulheres, e 66% delas estão desempregadas. Dados oficiais de 2013 mostram que somente 850 mil zimbabuenses possuem emprego formal. O Programa Mundial de Alimentos estima que o desemprego no país gire em torno dos 60%, e um grande número de pessoas sobrevive no setor informal.

Porém, para muitas mulheres que agora se dedicam a plantar batata em suas próprias casas, o desemprego é coisa do passado. “As mulheres como eu já não se preocupam com o desemprego. Faço muitas vendas de batata que colho no meu quintal dos fundos”, disse à IPS Lina Chingama, de 44 anos, moradora de Norton, 40 quilômetros a oeste de Harare. Ela contou que realiza três colheitas por ano e consegue 1.200 quilos de cada vez. Cada saca de dez quilos é vendida a US$ 10 no mercado local.

Muitas mulheres, antes dependentes de seus maridos, agora se converteram no sustento de suas famílias. “Quem disse que as mulheres não podiam manter suas famílias? Na verdade, veja o que a magia da batata faz para muitas aqui. Não ficamos dormindo nas cidades, mas velando pelo bem-estar de nossas famílias”, disse à IPS Grace Mbiza, ativista pelos direitos das mulheres.

O ambientalista independente Archibald Chigumbu destacou que o processo usado pelas mulheres para cultivar batata é ecológico. “Seu método não danifica o meio ambiente, pois os sacos com as plantas são colocados em quintais urbanos”, ressaltou Chigumbu à IPS, acrescentando que as variedades mais cultivadas são Amythest, Mont Claire, BPI, Jacaranda, Opal e Emerald.

Ronald Museka, presidente do Conselho da Batata do Zimbábue, organização que representa os produtores, declarou à IPS: “Queremos garantir que haja produção suficiente para o mercado, e as mulheres urbanas estão fazendo precisamente isso. Logo poderão começar a exportar”.

Por sua vez, o ministro da Agricultura, Joseph Made, mostrou um decisivo apoio ao empreendimento das mulheres urbanas. “Lideram uma grande iniciativa, maximizando os cultivos de batata em seus quintais, e acabam o dia indo ao banco com um sorriso. Não duvidaremos em apoiá-las em tudo o que for possível”, afirmou à IPS.

Mas as cultivadoras de batata têm dificuldades com as autoridades locais, já que não estão claras as margens legais do cultivo doméstico para venda. “As autoridades dos conselhos não aprovam a agricultura urbana, e não estou certo do que pode acontecer com estes projetos”, disse à IPS um funcionário local que pediu para ficar no anonimato. Envolverde/IPS