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Movimento religioso progressista abre caminho nos Estados Unidos

A organização Nuns on the Bus (Freiras no Ônibus) realizou em 2012 uma campanha de promoção da justiça social por todo o país. Foto: Tvnewsbadge/cc by 2.0
A organização Nuns on the Bus (Freiras no Ônibus) realizou em 2012 uma campanha de promoção da justiça social por todo o país. Foto: Tvnewsbadge/cc by 2.0

 

Washington, Estados Unidos, 12/8/2014 – O futuro da religião na política dos Estados Unidos não depende dos movimentos religiosos conservadores, mas daqueles progressistas, porque são eles que podem impulsionar um novo movimento pela justiça social, afirmam cientistas sociais em Washington.

Segundo a Brookings Instution, o atual movimento religioso pela justiça social pode ser comparado com o período do ativismo pelos direitos civis registrado em meados do século 20. Assim afirma esta organização no informe Faith in Equality: Economic Justice and the Future of Religious Progressives (Fé na Igualdade: Justiça Econômica e o Futuro dos Progressistas Religiosos), divulgado em abril.

“Vemos isso no tocante a questões como o salário mínimo, as reduções orçamentárias e a imigração”, disse à IPS um dos autores do estudo, E. J. Dionne. “Em matéria de justiça social, a religião foi durante muito tempo uma força progressista, e o papa Francisco está pondo à prova as presunções populares segundo as quais é uma força automaticamente conservadora. Após anos de prestar muita atenção aos conservadores religiosos, sob nenhum conceito a religião se alimenta da direita”, acrescentou.

Os Estados Unidos têm uma forte história de grupos religiosos em movimentos pela justiça social, que incluíram o apoio à abolição da escravidão e a institucionalização dos direitos civis, bem como a implantação de programas de bem-estar social há meio século. Ainda agora, religião e progressistas costumam ser vistos como em conflito.

Segundo o informe, por exemplo, apenas 47% dos evangélicos brancos nos Estados Unidos pensam que o governo tem de fazer mais para reduzir a brecha entre ricos e pobres. Pelo contrário, 85% dos democratas acreditam nisso. Essa divisão realça duas tendências que vêm definindo o cenário religioso dos Estados Unidos nas duas últimas décadas: uma redução no número de pessoas que vão regularmente a serviços religiosos e aumento das que integram a conservadora “direita religiosa”.

O documento assinala que as tendências estão inter-relacionadas, pois “muitos norte-americanos jovens não foram repelidos pela fé mas sim pela tendência direitista que percebem entre os líderes. Para os adultos jovens, “religião” significa “republicano, intolerante e homofóbico”.

Porém, para Dionne, apesar dessa tendência de secularização cada vez maior, “uma voz religiosa será essencial para os movimentos que atuam em nome dos pobres e dos marginalizados, e também em nome dos norte-americanos de classe média que estão sob crescente pressão em uma época de desigualdade”.

Além disso, a demografia indica que esta voz religiosa não será da ala conservadora, segundo Dionne. Nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 2012, as idades dos integrantes de coalizões religiosas que votaram em Barack Obama contra seu adversário republicano, Mitt Romney, foram acentuadamente distintas. Entre os que se consideravam ativamente religiosos, os eleitores de Romney foram principalmente idosos, enquanto os de Obama eram muito mais jovens.

O que está claro, sugere o informe, é que a direita religiosa não será a vertente mais dominante no futuro. Os pesquisadores da Brookings reconhecem que grandes desafios esperam por qualquer movimento religioso incipiente que busque a justiça social nos Estados Unidos. Entre esses desafios, um dos principais é a redução das congregações. Em 1958, 49% dos norte-americanos assistiam semanalmente a missa, enquanto atualmente são apenas 18%.

Essa redução também diminui naturalmente o tamanho da coalizão e a base de doadores disponíveis para o trabalho das organizações de cidadãos. Além do mais, frequentemente isso esteve acompanhado por um menor respeito aos grupos religiosos, exacerbando divisões entre os que se consideram religiosos e os seculares.

Também existem tensões quando grupos religiosos tentam participar de assuntos políticos sem usar métodos moralmente ambíguos. Por exemplo, muitos líderes religiosos progressistas querem se abster da natureza quid pro quo (que implica trocar uma coisa por outra) do processo de forjar acordos políticos.

As divisões ideológicas dentro das comunidades religiosas podem ameaçar o trabalho dos defensores da justiça social. Por exemplo, a Campanha Católica para o Desenvolvimento Humano (CCDH), que apoia um espectro de organizações religiosas da sociedade civil, entregou no ano passado mais de US$ 9 milhões a 214 entidades.

Entretanto, depois que grupos católicos contrários ao aborto pressionaram a Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos para que regulasse rigidamente as doações das coalizões dessa fé, a CCDH reduziu algumas de suas doações, embora os projetos tivessem conexões apenas tangenciais com o aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. De todo modo, muitas organizações superaram tais desafios.

Entre os exemplos mais destacados nesse sentido estão o Círculo de Proteção, uma aliança de líderes cristãos que uniram esforços para tentar proteger os programas governamentais favoráveis aos pobres dos cortes orçamentários. De modo semelhante, a Nuns on the Bus, uma organização de religiosas católicas que viajam pelo país fazendo campanha pela justiça social, teve um importante papel nas eleições de 2012.

“Um dos motivos de as vozes religiosas serem tão importantes agora é que, especialmente com o enfraquecimento do movimento trabalhista, as igrejas são as únicas organizações de massa que representam muitos, muitos pobres”, pontuou Dionne. “Algumas pesquisas que fizemos mostram que, por exemplo, no desenvolvimento comunitário dos bairros, os pastores são as únicas pessoas que conseguem atrair a atenção dos bancos”, acrescentou.

Outra organização norte-americana, o Centro Interconfessional de Responsabilidade Corporativa (ICCR), busca há quase meio século influir na tomada de decisões corporativas, tanto no âmbito nacional quanto no internacional, a partir de uma perspectiva inter-religiosa.

“Francamente, os que estão ideológica ou politicamente divididos podem aprender algo com o ICCR”, disse Laura Berry, diretora-executiva da entidade, entrevistada pela IPS. “Há algumas áreas onde a direita e a esquerda estão de acordo, e encontrar esses espaços para criar coalizões constitui uma oportunidade maravilhosa para reverter tendências em matéria de desigualdade”, acrescentou.

Berry destacou o trabalho do ICCR após o desmoronamento do Ran Plaza, prédio de Bangladesh que abrigava uma fábrica de roupas, em abril de 2013, matando mais de 1.100 pessoas. Desde então, a organização lidera uma coalizão que representa mais de US$ 4,1 trilhões a título de bens administrados, impulsionando cerca de 160 empresas a permitirem inspeções em suas unidades industriais que operam no exterior, a contratar e treinar inspetores trabalhistas e a adotar melhores padrões de segurança para os que ali trabalham.

Segundo Berry, a própria experiência do ICCR é ilustrativa de várias das tendências assinaladas no estudo da Brookings. “Estamos cada vez mais pautados por uma coalizão mais ampla que inclui cada vez mais vozes progressistas seculares. Primeiro éramos apenas religiosos, mas agora incluímos mais membros seculares, como sindicatos e administradores de bens”, explicou.

O ICCR também enfrenta muitos desafios apontados no estudo da Brookings, afirmou Berry, particularmente quanto a divisões ideológicas. Além disso, “há sinais positivos de uma melhor criação de coalizões pelos diretos humanos, por exemplo, em matéria de tráfico de pessoas, entre evangélicos e cristãos progressistas”, destacou.

“Não deixaremos que a divisão ideológica na comunidade cristã ampla nos impeça de falar sobre desigualdade. Estamos começando a ver alguns líderes, como o papa Francisco, dizerem coisas em voz alta, e as pessoas perguntam: “Isso é progressista? Ou é conservador?”, ressaltou. Envolverde/IPS