Arquivo

A morte ou a morte, as opções no norte do Paquistão

Cada vez são erguidas mais barracas de campanha para abrigar refugiados no norte do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Cada vez são erguidas mais barracas de campanha para abrigar refugiados no norte do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 11/11/2014 – Os moradores da agência de Jyber Pajtunjwa, uma das sete que integram as Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), no norte do Paquistão, estão entre a espada e a parede: qualquer coisa que escolherem fazer agora pode levá-los à morte, afirmam. Enquanto a ofensiva militar do governo contra o Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP) se expande lentamente desde a agência do Waziristão do Norte até Jyber Pajtunjwa, os civis devem decidir se desafiam ou não a proibição imposta pelos fundamentalistas talibãs às viagens.

Se ficam onde estão, correm o risco de serem vítimas do fogo do exército, que busca erradicar os extremistas da fronteira entre Paquistão e Afeganistão, onde operam com impunidade desde 2001. Se tentam fugir, enfrentam a ira de insurgentes que dependem da população civil para se protegerem do bombardeio militar que açoita a região.

No final de outubro, membros do TTP avisaram aos moradores da área que explodiriam suas casas se atendessem às ordens de evacuação do exército. A ordem militar foi dada mediante panfletos lançados de helicópteros e antecedeu a um ultimato de três dias para que os insurgentes largassem as armas se não quisessem enfrentar uma ofensiva de maiores dimensões.

Se sentindo encurralados, alguns moradores escolheram ignorar a ameaça do Talibã, enquanto outros se arriscam a morrer ou ficar mutilados ao escapar da atribulada região e encontrar abrigo em outras áreas mais seguras. Zahir Afridi, morador em Tirah, localidade de Jyber Pajtunjwa, fugiu para o acampamento de Jallozai, 35 quilômetros a sudeste de Peshawar, centro administrativo das Fata, fingindo que sua filha de dois anos estava doente e precisava de tratamento médico urgente.

“O Talibã nos permitiu sair com a condição de voltarmos depois que minha filha, Begum, se recuperasse, mas a verdade é que não podemos voltar por temermos por nossas vidas”, contou Afridi à IPS. “O povo teme os talibãs porque destruíram as casas de 50 moradores que abandonaram a área no ano passado. Estamos perdidos entre eles e o exército. Só o que podemos fazer é emigrar para lugares mais seguros”, lamentou.

Especialistas afirmam que os civis funcionam como uma espécie de escudo humano para os insurgentes, pois, se não aceitam esse papel, ficam expostos aos seus ataques. Jadim Hussain, presidente da Fundação Bacha Kan para a Educação, que promove a paz, a democracia e os direitos humanos, observou à IPS que manter os civis presos em uma zona de guerra é “uma estratégia consolidada e de sucesso empregada pelos insurgentes” para escapar da força arrasadora das campanhas militares.

Hussain, uma autoridade sobre temas vinculados ao terrorismo no Paquistão, ficou surpreso com a proibição imposta pelo Talibã às migrações nas localidades de Jamrud e Bara. Para ele, os rebeldes se servem de “várias táticas” a fim de manterem sua posição de poder, entre elas “realizar sequestros em troca de pagamento de resgate, além de extorsões e assassinatos”.

O uso de escudos humanos tampouco é uma novidade. O analista político Shams Rehman, do Government College em Peshawar, explicou à IPS que os insurgentes utilizaram com êxito civis como escudos humanos no distrito de Swat, em Jyber Pajtunjwa, província que esteve sob seu controle entre 2007 e 2009. “Embora o exército tenha iniciado suas operações em Swat em 2009, não conseguiu os resultados desejados porque o Talibã usava os moradores” da área para se protegerem de uma ofensiva total, afirmou.

Somente no começo de 2010 o governo decidiu emitir um alerta de evacuação maciça à população, para que se abrigassem em acampamentos do vizinho distrito de Mardan, antes de lançar uma importante operação militar. Desta forma, “o governo isolou os insurgentes e os derrotou”, detalhou Rehman.

Trata-se do mesmo modelo que está seguindo o governo do Waziristão do Norte, onde nos últimos dez anos membros do TTP e da rede extremista Al Qaeda estabeleceram uma firme base de operações a partir da qual planejam e executam suas atividades. Durante muitos anos, o governo não pôde fazer nada com relação à presença dessa “sede” não oficial, devido à grande população civil que vive entre os insurgentes.

Mushtaq Kan, do partido Jamaat-e-Islami, apontou que agora, com quase 18,9% de terras despojadas de todo habitante no Waziristão do Norte, o governo está fazendo o que não pôde fazer na última década: inundar a área com potência de fogo, em uma tentativa de expulsar por completo todos os insurgentes. A campanha, que começou em 15 de junho, até agora forçou o deslocamento de mais de 500 mil pessoas, que vivem em acampamentos na vizinha província de Jyber Pajtunjwa.

A viagem para as “cidades” feitas de barracas de campanha, que tiveram um crescimento descontrolado e que os refugiados levantaram em localidades como Bannu, não foi fácil. Alguns morreram pelo caminho, que transitaram perigosamente durante horas em meio a um calor extremo que chegava a 45 graus.

Muitos foram separados de suas famílias durante o trajeto. Os que conseguiram chegar sãos e salvos a Bannu poderiam se considerar afortunados, não fosse o fato de imediatamente ficar evidente que as condições de vida nos acampamentos eram atrozes. Ali imperavam falta de alimentos, a quase total ausência de saneamento e de fontes de água potável, bem como a limitada quantidade de pessoal e suprimentos médicos. Atualmente, os que vivem na agência de Jyber Pajtunjwa enfrentam penúrias semelhantes.

Mohammad Shad, que chegou a Peshawar com sua família de 12 membros, contou à IPS que caminharam durante cinco horas até encontrarem um veículo que os levasse de maneira segura a essa cidade. “A situação era extremamente ruim. Todos nós nos sentíamos ameaçados”, disse esse diarista de 55 anos, do acampamento de Jallozai, onde agora reside.

Segundo Shad, muitos de seus amigos e vizinhos são “reféns” do Talibã, e as ameaças dos insurgentes não são palavras vazias. Para demonstrar sua disposição, no dia 14 de agosto, o TTP incendiou 20 casas na agência de Jyber Pajtunjwa, que pertenciam a ex-talibãs que entregaram suas armas ao exército. Apesar destas táticas terroristas, os moradores da região continuam fugindo em massa (cerca de 95 mil o fizeram desde Jyber Pajtunjwa), dispostos a correr o risco de uma represália em troca de uma oportunidade de viver fora do controle dos insurgentes.

“A vida sob o Talibã não foi fácil”, pontuou Shahabuddin Kan, morador do Waziristão do Sul que há dois meses emigrou para Peshawar junto com sua família, após ter sido vítima de violência, ameaças e intimidação por parte dos talibãs. Considera-se afortunado por ter escapado. “Os que podem se dar o luxo de alugar casas fora de suas áreas nativas o fazem, enquanto os pobres estão destinados a ficar e enfrentar uma vida de incerteza perpétua”, ressaltou.

No total, mais de um milhão de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas no norte do Paquistão, obrigadas a fugir de uma província para outra em busca de uma vida normal. O porta-voz militar, Assim Bajwa, declarou à IPS que uma “ação decisiva” por parte do governo permitiu à sua força limpar algumas áreas de rebeldes, para que a população pudesse viver em paz no lugar. “O povo deveria cooperar com o exército para que os insurgentes sejam derrotados para sempre”, enfatizou. Envolverde/IPS